A internet é celebrada como uma máquina que funciona sozinha, mas isso não é muito preciso. A internet é fiscalizada, só que essa fiscalização não é feita por uma organização multinacional, governos ou órgão regulador. O monitoramento da internet é feito por uma pequena instituição sem fins lucrativos que raramente é notícia. Esta semana será uma exceção.
A Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números, conhecida pela sigla Icann, está aceitando aplicações para um número infinito de novos endereços na Web, conhecidos como nomes de domínio de nível superior. Além dos 24 sufixos existentes hoje, como “.com”, “.org” e “.net”, a Icann vai deixar que as pessoas enviem suas solicitações, por uma taxa de 185 mil dólares, para criarem o que gostariam de ter como sufixo de seus domínios, que serão analisados e devem passar a existir a partir do ano que vem: “. esperar”, “.hitachi” e “. paris” são alguns exemplos. A Icann também está adicionando nomes de domínios em idiomas locais com caracteres não latinos, como o chinês e o cirílico.
Esther Dyson, uma investidora em tecnologias que foi presidente fundadora da Icann entre 1998 e 2000, criticou a criação dos novos domínios, que ela diz irá confundir usuários e criar novas despesas para as empresas. Ela está certa ao afirmar que os beneficiários imediatos da medida serão os advogados especializados em marcas registradas, que irão brigar para defender marcas e registros de grandes empresas na internet.
Dyson, que pouco tempo atrás apoiava a criação de novos domínios, me disse semana passada que neste momento na evolução da Web, “não podemos criar competição, só podemos criar redundância”. Ela perguntou: “O que há de errado com marriott.com ao invés de marriott.hotels?” Ela acha que as empresas vão investir defensivamente para transformar suas marcas em sufixos na Web, mesmo que nunca tenham a intenção de usá-los. Ela prevê que a Google poderia ser a grande vencedora se as pessoas tiverem que usar a ferramenta de busca para encontrar sites por não conseguirem mais lembrar endereços cada vez mais complexos.
Em resposta às críticas, o executivo-chefe da Icann, Rod Beckstrom, disse que os novos domínios irão criar mais opções de nomes para sites e reforçar a missão do grupo de estimular a concorrência entre empresas. Ele me deu o exemplo de uma carta que recebeu recentemente do chefe da tribo dos Zulus, dizendo que ele solicitaria o sufixo “.zulu” para uso entre membros da tribo, hoje dispersos por vários países africanos. A comunidade catalã na Espanha pedirá o sufixo “.cat” pelo mesmo motivo.
Beckstrom também levanta um bom argumento de que há uma inerente incoerência entre marcas e domínios. O sistema de marcas foi criado na Era Industrial e protege as marcas corporativas apenas dentro dos países em que foram criadas e com base em categorias de atividade. Em contraste, os domínios na Web tem que ser autênticos no mundo todo, um problema que novos domínios poderiam ajudar a resolver. Ele argumenta que uma nova abertura para os sufixos de marcas específicas poderia ajudar a proteger os titulares destas marcas.
A expansão de endereços na internet está sendo discutida desde 2006, mas Washington só recentemente se envolveu nesta discussão. Os EUA não têm autoridade sobre a Icann. Por isso não fez diferença no mês passado, quando o senador Jay Rockefeller exigiu que a Icann “limite drasticamente” o número de novos domínios, ou quando o presidente da Comissão Federal de Comércio Jon Leibowitz disse que a expansão dos domínios é “um desastre em potencial” que resultará em mais fraudes online.
A Icann tem sido amplamente protegida de tais discussões políticas desde que foi formada como uma organização sem fins lucrativos no final de 1990 para assumir a responsabilidade do governo dos EUA de manter a estabilidade operacional da internet. A sua abordagem de tomada de decisões foi definida como “um sistema que se move de cima para baixo, guiado pelo consenso, de forma democrática”, — que parece incluir tanto grupos, consultorias, governos, outras ONGs, empresas e especialistas em segurança de rede — embora nenhum único grupo tenha mais peso nas discussões.
Esta controvérsia sobre domínios é um lembrete de que a internet é ao mesmo tempo o maior avanço tecnológico de nossa era e também o maior exemplo de uma iniciativa que se auto-regula. Dyson critica a decisão de adicionar domínios, mas ela abraça o poder limitado da Icann para manter o funcionamento da Web sem interrupções, mas sem ter autoridade mais ampla, como para derrubar sites, por exemplo.
“Não ter este poder é libertador”, diz Dyson, que adverte contra supervisão da Web por governos ou grupos de governos. Quando indagada sobre lobbying pela Organização das Nações Unidas para o controle da Web como uma alternativa à Icann, Dyson corretamente chama isso de “destino pior que a morte”.
Se os novos domínios se tornarem uma mina de ouro para os advogados de marcas registradas, a Icann reservou o direito de reduzir o número de novos domínios que aceita, mas este é um problema para a Icann resolver sozinha.
A maior lição desta história – e o maior elogio que a Icann poderia receber – é que esta relativamente discreta controvérsia sobre domínios é a questão mais polêmica que a instituição enfrentou nos últimos anos. A Icann prova que um organismo auto-regulatório pode fazer o seu trabalho se tiver poderes limitados e não for sobrecarregado por agendas políticas, mesmo quando fiscaliza algo tão complexo, global e valioso como a internet.
* Publicado originalmente no site Opinião e Notícia.
(Opinião e Notícia)