Covardes de verdade [1] querem ir para Teerã via Bagdá [2]
A nova Santíssima Trindade da mitologia impingida por Washington a um mundo que nada vê é que a guerra da Líbia acabou e as guerras do Iraque e do Afeganistão estarão acabadas, respectivamente, no Dia de Ano Novo de 2012 e em 2014.
Sim. E Lindsay Lohan [3] é Virgem Maria reencarnada.
Consideremos o Iraque. Há uma razão real para a retirada dos soldados norte-americanos em dezembro: o governo de Nuri al-Maliki em Bagdá negou peremptoriamente aos EUA a imunidade que queriam (para impedir que soldados norte-americanos sejam acusados de crimes de guerra em Bagdá). Implica, de fato, que o governo Maliki expulsou o Pentágono de todas as suas convenientes bases militares no Iraque, a partir das quais seria possível atacar o Irã.
Deve-se lembrar que esse governo iraquiano de maioria xiita – que herdou país totalmente devastado – chegou ao poder em eleições cujo caráter democrático os EUA aprovaram. Extraem-se daí dois desenvolvimentos de justiça poética: há um Iraque democrático que se aproxima cada vez mais da República Islâmica do Irã; e o mesmo Iraque democrático expulsa de seu território a face militarizada do império.
Não surpreende que Washington esteja como barata tonta, desentendida e confusa. Naturalmente, o Pentágono, a CIA e o Departamento de Estado e/ou todos esses já trabalham dia e noite para mostrar tantos cenários inventados quantos lhes pareçam necessários.
Esperem dúzias de think-tanks de “especialistas” em Oriente Médio, todos a sugerirem que a retirada dos EUA seria tática diversionista; uma leva gigante de artigos e ‘relatórios’, completa operação de inventar jogadas, como o ‘caso’ de suposto atentado contra um embaixador saudita a ser perpetrado por suicida-bomba iraniano (Epa! Essa jogada já foi tentada!); e culpar o Irã pelo “terror”, para, em seguida, reembarcar milhares de soldados de volta ao Iraque, para manter o país “protegido contra terroristas”.
Atualmente, Washington tem menos de 40 mil soldados e respectivos coturnos, no Iraque, já reduzidos do total de 170 mil que lá estavam no final de 2007. Por hora, prevê-se deixar no Iraque cerca de 16 mil norte-americanos (o equivalente a uma divisão de exército), distribuídos entre diplomatas dos EUA e “contratados civis”, também conhecidos como mercenários armados (desses, são 8 mil; mais 4.500 pessoas “para dar suporte geral à vida”, também conhecidos como “a ajuda”).
Esse mix de burocratas, espiões da CIA, forças especiais e escravos mal disfarçados como mercenários será, de fato, o exército privado da secretária de estado Hillary (“Viemos, vimos, ele está morto”) Clinton.
O líder nacionalista iraquiano Muqtada al-Sadr tem outros planos. Já anunciou que “são exércitos ocupantes, e é nosso dever resistir contra eles até a conclusão do acordo”. É fácil fazer as contas e inferir as consequências.
Para piorar, ficaram sem o petróleo
Se se presta atenção ao relatório número ISP-I-09-30A do Gabinete do Inspetor Geral [4], até esse número, uma divisão de exército de 16 mil soldados, é inventado. O relatório, escrito em 2009, exige “significativa correção da contagem” [ing. “a significant rightsizing”] (eles adoram essa terminologia) do pessoal que habita o prédio, maior que o Vaticano, da Embaixada dos EUA em Bagdá, também conhecido como palácio de Clinton; e determina: “o processo de nova contagem deve ter início imediatamente.”
Mesmo assim, não importa quantos coturnos “corrigidos-contados” dos EUA permanecem em solo iraquiano, permanece no ar, sempre, o projeto de “pôr as mãos no Irã”. O traço principal do recente complô “Velozes e Furiosos” [5] do Departamento de Justiça/FBI/Agência norte-americana de narcóticos (Drug Enforcement Agency, DEA), não foi a implausibilidade. Aquele complô justifica-se exclusivamente como meio para conseguir repetir, para o público doméstico, que os iranianos são entidades maléficas que ousam desrespeitar os EUA e inventam planos mais mirabolantes que filme de suspense hollywoodiano, para disseminar “terror”.
E há também o verniz de respeitabilidade que sempre se pode aplicar a qualquer trama hollywoodiana de segunda categoria. Examinem o relatório da Brookings Institution, que leva o título de “Que caminho, até a Pérsia” [ing. Which Path to Persia?] [6], redigido por um punhado de suspeitos de sempre, como Kenneth Pollack, Bruce Riedel, Michael O'Hanlon e Martin Indyk.
O relatório mostra que Washington, de fato, já tentou praticamente todos os golpes do manual, contra o Irã. A única “estratégia” ainda não tentada é um ataque unilateral de Israel (para o qual os neoconservadores contam com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu), ataque que seria respondido com retaliação pelos iranianos, retaliação que empurraria os EUA para a briga e abriria a possibilidade de invasão por terra (condenada ao fracasso desde o primeiro coturno que pisasse lá, mas... O que teriam a ver com isso, os supracitados autores do “plano”?).
Para esses e outros doidos por guerras, que operam do fundo de suas poltronas no perímetro do poder em Washington, o cenário ideal é Telavive lançar um ataque surpresa, com os soldados norte-americanos que se “retiram” do Iraque entregues como alvo/isca/bode sacrifical à sanha viciosa da retaliação iraquiana. Não haveria melhor pretexto para arrastar Washington para mais uma guerra que jamais conseguirá vencer – e tudo recomeçará, como sempre.
O xis da questão, que os neoconservadores em Washington jamais conseguirão engolir, é que os EUA foram derrotados no Iraque. Ponto final.
Nunca houve as armas de destruição em massa de Saddam Hussein, nunca. Nunca houve conexão entre Saddam e a al-Qaeda. Nunca houve democratizar o Oriente Médio à bomba, porque essa só foi inventada depois de a operação “Choque e Pavor” já estar “em campo. E, apesar de o ex vice-presidente Dick Cheney ter elevado os campos de petróleo do Iraque ao status de prioridade da segurança nacional dos EUA (nos primeiros meses de 2001, ainda antes do 11/9), os EUA não conseguiram nem o petróleo! Os melhores contratos foram para empresas russas e chinesas [7].
E sobre como Washington “reconstruiu” o país que destruiu e devastou, basta ler o dolorosamente tragicômico relato de Peter van Buren [8], ex-assessor do Departamento de Estado.
Parece “The Torture Never Stops” [A tortura nunca pára], sucesso de Frank Zappa [9]. Depois do sucesso espetacular da covarde operação da Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN, na Líbia, essas mesmas nulidades que, em 2002, na véspera do ataque ao Irã, diziam que “homens de verdade vão para Teerã”, agora já estão usando norte-americanos como isca para que Israel ataque o Irã – e, isso, quando as sanções dos EUA ao Irã já estão praticamente convertidas em bloqueio de facto – que a lei internacional tipifica como ato de guerra.
Em mundo nada ideal, um avião-robô, drone maldito, um MQ-9 Reaper, poria fim, num segundo, à miséria desses doidos por guerras.
Pepe Escobar, Asia Times Online
“Real wimps GO to Tehran via Baghdad”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Notas dos tradutores
[1] No original “Real wimps go to Tehran via Baghdad”. A palavra “wimp” traduz-se, em geral, como “covarde”, “babaca”, “chorão” [port. do Brasil]. Na fala coloquial da extrema direita dos EUA, circula também a expressão “WIMP”, como acrônimo de “Women-Influenced Male Person” [homem que se deixa influenciar por mulheres]; a expressão parece ter sido lançada por Rush Limbaugh, homem de extrema direita, racista sexista eleitor do Partido Republicano e conhecido apresentador de um programa de rádio nos EUA. Sobre ele, há matéria em FAIR – Fairness and Accuracy in Reporting, de 1994, para os que não conheçam o personagem. Não há como decidir entre essas acepções de “wimps”, em artigo que, adiante, fala no “exército privado” de Hilária Clinton, o que, contudo, não implica repetir mantras de Limbaughs e outros. Optamos por “covardes”, e por acrescentar essa nota, assumindo o risco de super (ou sub) traduzir. Nenhuma tradução é sem riscos.
[2] Há aqui ecos de “Everyone wants to go to Baghdad. Real men want to go to Tehran” [“Todos querem ir para Bagdá. Homens de verdade querem ir para Teerã”]. A frase foi muito ouvida entre os neoconservadores de Washington, no governo Bush, entre o final de 2002 e o início de 2003, na propaganda da invasão do Iraque. Para muitos, essa frase de propaganda já sinalizava que a invasão do Iraque estava pensada como primeiro ato de uma “Guerra Longa”. Dentre outros, ver Iran Preemption, em inglês.
[3] Sobre essa “celebridade”, sim, há matéria do “jornalismo” brasileiro, em português, no Portal Terra.
[4] Em: Embassy Baghdad, Iraq – Report Number ISP-I-09-30A, July 2009 .
[5] Ver Pepe Escobar, 13/10/2011, “O complô ‘Velozes e Furiosos’ para ocupar o Irã” (versão estendida).
[6] Ver Brooking Institute, june 2009, “Which path to Persia? Options for a New American Strategy toward Iran”, Analysis Paper, em inglês.
[7] Ver Pepe Escobar, 16/12/2009, “Iraq's oil auction hits the jackpot”, Asia Times Online, em inglês.
[8] Ler BUREN, Peter Van, We Meant Well: How I Helped Lose the Battle for the Hearts and Minds of the Iraqi People (American Empire Project) [Queríamos fazer? Como ajudei a perder a guerra pelos corações e mentes do povo iraquiano (Projeto Império Americano)] NY: Metropolitan Books, Set. 2011, ISBN: 978-0-8050-9436-7, ISBN10: 0-8050-9436-9.
[9] Os concertos de Frank Zappa, no Halloween de 1981 em New York, foram filmados ao vivo no Palladium. A “coisa”, que recebeu o título de “The Torture Never Stops” [A tortura nunca pára] foi montada pelo próprio Zappa, com o material filmado dos concertos, que o artista pretendia exibir como um especial de televisão.