Paris, França, 29/8/2011 – A severa seca no Chifre da África, que causou a morte de pelo menos 30 mil crianças e afeta um total de 12 milhões de pessoas, sobretudo na Somália, é consequência direta de fenômenos associados com a mudança climática. A seca atual no Chifre da África foi causada pelos fenômenos El Niño e La Niña no Oceano Pacífico, que prejudicam a circulação normal da água fria e da água quente, e também do ar, perturbando as condições de umidade em todo o Hemisfério Sul”, explicou à IPS o cientista Friedrich-Wilhelm Gerstengarbe, do Instituto de Potsdam para Pesquisa da Mudança Climática (PIK), da Alemanha.
Os dois fenômenos são parte da oscilação dos padrões climáticos no Sul, que ocorre ao longo da zona tropical do Pacífico a cada cinco ou sete anos. Trata-se de variações da temperatura na superfície deste oceano, seja o aquecimento (El Niño) ou o esfriamento (La Niña), e a mudança da pressão do ar no Pacífico ocidental. Ambos não aparecem sozinhos: a fase de aquecimento, El Niño, é acompanhada por uma alta pressão no Oeste, enquanto a fase de esfriamento, La Niña, aparece junto com uma baixa pressão. Essas condições podem afetar particularmente as regiões ao norte do Equador, como o Chifre da África.
A seca está afetando principalmente Djibuti, Sudão, Sudão do Sul e partes de Uganda, além da Somália. Até agora, a fome foi declarada oficialmente neste último país, cujo governo carece de elementos básicos para funcionar. “El Niño e La Niña exacerbam as condições climáticas ao longo do Hemisfério Sul, incrementando a temporada de chuvas em algumas áreas, especialmente na Ásia e na Austrália, e a seca em outras, sobretudo na África”, disse Gerstengarbe.
Para este especialista, a mudança climática e as crescentes temporadas globais que traz junto dão mais intensidade tanto ao El Niño quanto à La Niña, derivando em severas inundações na Austrália e no Paquistão, e a seca no Chifre da África. Os dois fenômenos provocaram nos dois últimos anos temporadas de chuvas particularmente secas e temperaturas extremamente quentes na África oriental. Segundo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) dos Estados Unidos, o La Niña causou, desde 2008, uma forte queda nas temperaturas da água do Oceano Pacífico, com uma “precipitação abaixo da média no Pacífico equatorial central”.
Durante os episódios de frio há perturbações nos padrões de chuvas tropicais e de circulação de ar. As águas frias no Pacífico equatorial central reduzem as precipitações entre novembro e abril, isto é, exatamente a temporada regional de chuvas. Por outro lado, o fenômeno eleva as temperaturas na África oriental. Tanto a redução das chuvas quanto as altas temperaturas este ano causaram a pior seca no Chifre da África em seis décadas. “Lamentavelmente, devido à intensificação do La Niña, devemos esperar maior desertificação na África e mais secas na região em torno do Chifre da África”, disse Gerstengarbe.
Por sua vez, Jean-Cyril Dagorn, encarregado dos programas de meio ambiente e justiça econômica do ramo francês da organização humanitária Oxfam, concorda que o aquecimento global está exacerbando as condições climáticas extremas na África. “Durante dois anos, as precipitações estiveram abaixo da média na África oriental devido ao La Niña”, disse à IPS. “Contudo, este ano a seca é extrema, provocando a presente catástrofe humanitária na Somália e em outras regiões vizinhas”, acrescentou.
Dagorn disse que a próxima temporada de chuvas, prevista para a partir de outubro, poderá intensificar a crise. “Chuvas torrenciais sobre terra extremamente seca arrasariam os solos mais férteis, tornando ainda mais dramática a crise de alimentos”, alertou. Dagorn afirmou que ocorrem secas no Chifre da África a cada cinco ou sete anos, mas quase nunca tão extremas. “Calculamos que, devido à mudança climática e às secas que causa, a produtividade agrícola na região poderá cair mais de 20% nas próximas décadas, especialmente as plantações de milho e feijão”, disse.
Além disso, Dagorn acrescentou que os criadores de gado da região e os pastores perderam entre 30% e 60% de seus animais devido às condições climáticas extremas, agravando a crise alimentar. Para este especialista, tanto as políticas agrícolas dos países afetados como a cooperação internacional falharam no tratamento do problema. A Organização das Nações Unidas (ONU) informou que 1,6 bilhão de euros seriam necessários para enfrentar a crise. “Mas a França, por exemplo, destinou menos de dez milhões de euros. Foi anunciada uma urgente reunião de doadores, que nunca aconteceu”, disse Dagorn. Envolverde/IPS
(IPS)