Ventos de revolta na Europa: Os "indignados" da Syntagma

Quando se vê as imagens dos « indignados » da Syntagma, a praça da Constituição em Atenas, não podemos nos enganar : os aplausos abertos dos contestadores não saúdam o Parlamento. Eles compõem um gesto rude e abusivo, um moutza, endereçado aos eleitos da nação – esses « larápios », « traidores » e « vendidos ».

Trata-se da praça onde, em 1843, os gregos, guiados por alguns antigos combatentes revolucionários, pediram a Oto I, o rei bávaro imposto pelas grandes potências da época (França,  Reino Unido e Rússia) um syntagma (constituição), após a segunda das quatro falências (em 1827, 1843, 1897 e 1927) do Estado Grego moderno, provocada pelas exigências exageradas dos credores estrangeiros – já ! – e pela vida luxuosa da corte. Uma coincidência histórica ?

A multidão que, a cada noite, se reúne na Syntagma assume um movimento que já conheceu duas derrotas : a revolta dos jovens, em dezembro de 2008 (1) que se seguiu ao assassinato do estudante Alexis Grigoropoulos pela polícia e a de 5 de maio de 2010, quando a polícia dispersou uma manifestação de cem mil pessoas, após um incêndio que provocou quatro mortes.

A  vergonha e a culpa são transformados gradualmente em indignação quando, um por um, os habitantes começam a compreender os motivos para esta situação – nunca descritos verdadeiramente pela mídia – as condições dos empréstimos impostas pela União Europeia e pelo FMI, a renúncia à soberania nacional assinada pelo « pequeno George » Papandreu, o primeiro-ministro, as medidas de austeridade – que poupam os ricos – a pilhagem programada do setor público pelas grandes multinacionais... Bastou uma centelha no Facebook de autoria de um grupo de indignados espanhóis (despertem, gregos !) para que as pessoas se reunissem na Syntagma.

Determinados a não permitir qualquer filiação partidária, os indignados formaram um cocktail improvável aos olhos do observador politizado : juntaram-se pela primeira vez na rua as famílias com seus filhos, aposentados, jovens engajados, ombro a ombro com a classe média com membros da classe média, antes favorecida, mas agora envolvidas pela austeridade, esquerdistas, anarquistas, nacionalistas, nostálgicos de Woodstock (2), fãs das teorias da conspiração, antissemistas « de alma grega’, enfim, todos, excetos os fascistas que foram rejeitados desde o primeiro momento. Que mistura surpreendente. Muitos viram sua vida confortável sacudida pelas medidas adotadas pelo governo ; muitos procuram se documentar sobre o papel do Goldman Sachs e pelas agências de classificação. O banco amaricano visivelmente ajudou o governo grego a esconder a amplitude de sua dívida, especulando em um mesmo movimento com o rebaixamento da qualidade  da dívida grega e, de um golpe, enriquecendo mais. As informações alternativas, tais como o documentário Debtocracy, na Internet, estão obtendo muito sucesso (3).

No entanto, a praça está menos homogênea do que parece. Uma separação ocorreu no início entre os manifestantes do "alto" na frente do Parlamento, mais nacionalista e, muitas vezes, ligados ao hooliganismo, e os de "baixo", mais  inclinados para a esquerda nas assembleias gerais. Há também pessoas que querem debater de maneira razoável, sem dogmatismo, sem doutrinas.

Neste contexto, o papel da esquerda parece ser importante e contraditório. Envolvida pela desconfiança geral nos partidos políticos, toda a esquerda é considerada como fazendo parte do problema. Seja porque ela não tem se distinguido da ordem política estabelecida por ideias ou pelo comportamento de seus representantes.

O Partido Comunista (KKE), continua, por exemplo, no caminho de um "esplêndido isolamento": empoleirado no Olimpo do estalinismo, ele denuncia os "indignados" considerados como apolíticos. A Coalizão da Esquerda Radical (SYRIZA), embora tenha abraçado o movimento da Syntagma, não pode encarnar a renovação, por causa de sua própria imagem, pós-hippie, cultivando o discurso, mas muito longe dos reais problemas das pessoas. Outras pequenas frações da esquerda radical se contentam em sonhar com a revolução que em breve brotará na Syntagma ...

Os "indignados" preferem se organizar fora dos partidos políticos; eles criam novos sindicatos de base militantes e representantivos; eles formam assembléias locais. Os militantes de esquerda participam, mas estritamente como no plano pessoal. Estas novas organizações tornaram-se essenciais para o estabelecimento da solidariedade dos "indignados".

Não se pode esquecer os "mascarados", os bachali ("os quebra-tudo"), uma mistura improvável de anarquistas, de jovens impulsivos e de hooligans que já quiseram aparecer como únicos representantes da ira popular, papel que a mídia e o governo usaram como um espantalho para aterrorizar os cidadãos durante as manifestações consideradas muito perigosas. Os bachali foram excluídos da Syntagma, e seus esforços para quebrar tudo durante a grande manifestação de 15 de junho, entraram em choque com os "indignados", que os expulsaram.

Precisamente, este encontro de 15 de junho foi o momento decisivo para fazer estremecer as bases do governo, especialmente os membros do PASOK (socialistas), uns em desacordo com a política do governo, outros com as pessoas que encarnam o poder, têm se apoiado no movimento para declarar que não votarão o novo plano. Os contestadores permaneceram na Syntagma após a marcha da greve geral. Eles também encontraram um "quebra-tudo", portador de cartão de policial, mostrando a relação íntima entre os dois, enquanto a polícia estava decidida a invadir o local, geralmente sob o pretexto habitual dos bachali. Apesar das batalhas e as nuvens de algodão do gás lacrimogêneo, a multidão ficou por perto. E, como se um intelecto coletivo coordenasse suas estratégias, os manifestantes recuperaram a Syntagma, de forma pacífica, empurrando a polícia e acalmando os "quebra-tudo." Uma vitória do "demos" (povo, em grego), da comunidade dos cidadãos, pela primeira vez.

Tomado de pânico, o primeiro primeiro-ministro anunciou que renunciaria antes de procurar a formação de uma grande coalizão com os conservadores de Nova Democracia (ND), como a União Europeia havia recomendado . Depois de alguns diálogos dignos de um Aristófano, Antonis Samaras, líder da ND líder e ex-colega de escola de Papandreou, recusou. A única solução possível para o primeiro-ministro foi uma reformulação do gabinete.

No dia seguinte, tudo havia mudado. A União Europeia, a Alemanha e o FMI confirmaram que o próximo pagamento seria feito, mantendo as ameaças de costume. Alguns comentaristas da imprensa internacional começaram a apresentar a questão verdadeira: "e se os gregos não quiserem assumir mais dívidas para salvar o Euro e o sistema financeiro?"(4)

Borbulhando sem epicentro ou projeto concreto e, ao mesmo tempo, sábio e furiosamente democrático, o coletivo dos "sem voz" da Syntagma finalmente soltou o seu grito. Ninguém pode dizer se ele vai ter um prolongamento. Mas, como mostra um muro de de Atenas, referindo-se a Joe Strummer da banda The Clash, "the future Is unwritten" ("o futuro não está escrito"). Fiquem sintonizados.
_________________
Koutsis Athanase
Le Monde Diplomatique - julho de 2011


(1) Ler Valia Kaimaki, "Aos bancos eles oferecem dinheiro, aos jovens eles oferecem ... balas " - Le Monde Diplomatique, janeiro de 2009.
(2) Do nome do encontro de agosto de 1969 em Woodstock, emblemático da contestação e da cultura hippie dos anos 1960-1970.
(3) consultar o site dedicado: www.debtocracy.gr, legendado em francês. Coletivamente financiado por pequenas doações individuais, o documentário foi feito pelos jornalistas Katerina Kitidi e Aris Hatzistefanou. Um dia depois de sua primeira projeção on-line,  Hatzistefanou foi demitido da emissora de rádio privada onde trabalhava.
(4) Leia Alen Mattich: "E se gregos decidirem que não querem ser resgatados? "The Wall Street Journal, 17 de junho de 2011.

Tradução : Argemiro Pertence
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