Nairóbi, Quênia, 10/1/2011 – O Sudão do Sul é uma região conhecida por seu insuportável calor, pelo persistente ruído dos geradores que ajudam a manter agradável a temperatura nas casas e por sua pobre infraestrutura. Seus dez Estados incluem extensas terras escassamente povoadas, sobretudo pela ameaça de minas pessoais colocadas entre os arbustos.
Isto é mais evidente no Estado de Equatoria Oriental, e particularmente em sua capital, Torit, onde começou a guerra.
Seus habitantes e sua falta de desenvolvimento contrastam com sua imensa riqueza natural. Muitos atribuem a pobreza no Sul aos constantes conflitos no Norte. Esta difícil relação pode ganhar uma dimensão completamente nova se os habitantes do Sul optarem pela separação, no referendo iniciado ontem. Cerca de quatro milhões de eleitores escolherão entre a unidade e a separação. A votação vai durar sete dias, com possibilidade de estender-se ainda mais.
As opções são duas cédulas: uma mostra duas mãos juntas, a favor da unidade, a outra tem uma mão solitária, apoiando a independência. A maioria no Norte parece apoiar a unidade, embora no Sul predomine a ideia da separação. Os do Sul têm a esperança de se converter em uma nova democracia da África e de rápido crescimento. A decisão levará a sérias consequências neste país rico em petróleo, tanto para os sudaneses como para os habitantes de países vizinhos e de outras nações com interesses baseados nesses recursos.
A luta entre o Norte e o Sul do Sudão é complexa e alimentada por vários fatores. “Em primeiro lugar, a questão da religião é um problema. O Norte é islâmico e quer que o Estado se baseie no Corão. Querem um Sudão guiado pela shariá (lei islâmica)”, explicou John Idri, sudanês que vive no Quênia há uma década. Desde a assinatura do Completo Acordo de Paz em 2005, que pôs fim à guerra, o Norte e o Sul fizeram esforços para coexistirem pacificamente. Porém, o sentimento predominante entre os do Sul é que a relação não foi muito benéfica.
“Durante cinco anos quisemos que o Norte nos demonstrasse que podemos nos relacionar como iguais, mas continuamos experimentando mais alienação econômica, religiosa e política”, disse Dagiel Kenyi, empresário de Nairóbi. “O Norte está povoado por árabes que se identificam com as nações árabes, enquanto os do Sul se identificam com outros países africanos, particularmente com os da comunidade da África oriental”, explicou. Segundo a Comissão para o Referendo do Sudão, dos oito países onde há sudaneses radicados que podem votar, o Quênia é o que tem mais, com 15.063 dos 60 mil totais. Em seguida está Uganda, com 13.245 votantes.
Devido à sua errática relação com o Norte, alimentada por suspeitas e receios, o Sudão do Sul não diversificou sua economia e depende quase que por completo das vendas de petróleo. A região é rica em materiais para construção. As amplas e rochosas terras fornecem uma grande oportunidade para investir no setor. Mas, os do Sul não constroem casas permanentes, sobretudo devido ao temor de que a guerra continue. A região também é rica em minerais como ferro, cobre, prata e ouro. Em algumas áreas, a terra é apta para cultivos como trigo, sorgo e diferentes tipos de frutas.
No entanto, o Sudão do Sul não aproveita nada disto e depende principalmente da importação de produtos do Quênia e de Uganda. Seu setor bancário também está estreitamente vinculado com os países vizinhos. No ano passado, o governo do Sul decidiu que todos os funcionários públicos recebessem seu salário em contas bancárias, em lugar de dinheiro nos locais de trabalho.
Isto beneficia dois bancos quenianos com presença no Sudão do Sul, o Banco Comercial do Quênia, que tem 15 agências em oito Estados, e o Equity Bank, com três agências. Por outro lado, há cinco fornecedores de serviços de telefonia móvel no Sul sudanês, a maioria de investidores estrangeiros, como a operadora sul-africana MTN. É provável que uma separação ajude o Sul a ser mais autodependente nestes aspectos. “Afirma-se que as relações entre Norte e Sul serão cortadas, e para bem, mas não é certo. O Norte não precisa do petróleo, e nós precisamos do oleoduto que vai ao porto”, disse Dagiel.
Contudo, figuras importantes, como o vice-presidente do Sudão do Sul, Machar Riek, asseguraram que o petróleo continuará fluindo entre as duas partes sem problemas. Nesse momento, cada região recebe 50% de todos os recursos petroleiros, como estabelece o Completo Acordo de Paz. Além disso, Machar afirmou que há mais coisas que unem os dois lados, como o Rio Nilo e a linha ferroviária. Portanto, diante de uma eventual separação, as duas regiões deverão trabalhar juntas.
O primeiro-ministro do Quênia, Raila Odinga, exortou os eleitores a votarem de forma decisiva para evitar um resultado polêmico que possa causa instabilidade. Para que o território obtenha a independência será preciso, pelo menos, a maioria de 60%. Evidentemente, o referendo apresenta uma completa mudança de modelo na forma como o Sudão do Sul administrará sua economia, sua política e até mesmo sua religião, e o efeito será sentido em toda a África oriental, bem como no resto da comunidade internacional. Envolverde/IPS
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Crédito: Usaid
Legenda: Sudaneses do Sul dispostos a votar.
(IPS/Envolverde)
- Por Miriam Gathigah, da IPS