Uxbridge, Canadá, 22/11/2010 – O público do Canadá está totalmente contra a atitude de seu governo diante da mudança climática, segundo pesquisa divulgada no dia 19. Uma grande maioria dos canadenses quer uma ação urgente contra o aquecimento global, como, por exemplo, desviar fundos atualmente destinados à defesa para programas de reduções dos gases responsáveis pelo efeito estufa.
Porém, o governo conservador do primeiro-ministro Stephen Harper apelou para uma estratégia parlamentar para frear uma legislação pendente, destinada a reduzir as emissões e que já havia sido aprovada pela Câmara dos Comuns. (câmara baixa). “Este é verdadeiramente um ponto negativo na democracia canadense”, afirmou Andrew Weaver, cientista climático na Universidade de Victoria. “É um abuso da democracia como nunca antes vimos neste país”, disse à IPS.
O Canadá conta com um sistema parlamentar multipartidário. Em maio, os membros da câmara baixa aprovaram o projeto de Lei de Responsabilidade sobre Mudança Climática (C-311), pelo qual o país se compromete com uma redução de 25% dos gases-estufa até 2020. Assim, o texto foi para o Senado, onde os legisladores debatem seu conteúdo e eventualmente darão a aprovação final. No Canadá, os 105 senadores sugerem mudanças, mas nunca rejeitam o que a Câmara dos comuns, de 308 membros, já aprovou.
Os membros da câmara baixa são eleitos por voto democrático a cada cinco anos, enquanto os senadores são escolhidos pelo primeiro-ministro e ratificados pelo governador geral (chefe de Estado e representante da rainha Elizabeth II da Grã-Bretanha). Neste caso, os senadores conservadores apelaram para uma estratégia legal para convocar, no dia 16, uma votação de urgência que anulou o projeto de lei, sem debate e quando muitos senadores estavam ausentes.
“Impediram qualquer discussão, qualquer debate”, disse um indignado Andrew. O cientista afirmou que cálculos da temperatura global, feitos até o final de outubro, mostram que este ano foi o mais quente já registrado. A ciência continua mostrando que o aquecimento global ocorre mais rapidamente e tem maior impacto do que se previa. O primeiro-ministro Harper afirmou que o C-311 “estabelecia metas irresponsáveis e poderia deixar centenas de milhares, possivelmente milhões, de pessoas sem trabalho”. Mas Andrew retrucou: “ele pensa que os canadenses são imbecis?”.
Especialistas indicam que uma redução de 25% nas emissões até 2020 em relação aos níveis de 1990 não é nem de perto suficiente para estabilizar as temperaturas globais. As reduções canadenses deveriam ser de, pelo menos, 45% até 2020, ressaltam. Segundo Andrew, a mensagem que o primeiro-ministro envia à próxima Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que começará no final deste mês no balneário mexicano de Cancún, é que “o Canadá é um dinossauro, com um governo controlado pelas indústrias do petróleo e das areias asfálticas”.
Contrastando com as ações de seu governo, o público canadense concorda com que países industrializados tenham a obrigação de reduzir significativamente suas emissões, segundo uma pesquisa divulgada no dia 19. Dos entrevistados pela consultoria Environics Research Inc., 85% disseram que as nações ricas “deveriam ser as mais responsáveis na redução das emissões”.
“Se nós canadenses decidíssemos nossa política climática, estaríamos em um caminho muito diferente”, disse à IPS a ativista Andrea Harden-Donahue, do não governamental Conselho de Canadenses, um dos patrocinadores da pesquisa. A vasta maioria (87%) dos entrevistados concordou com que a mudança climática é resultado de um excessivo enfoque no crescimento econômico e no consumo. Em sua esmagadora maioria, concordaram com a declaração: “Precisamos ter uma economia que esteja em harmonia com a natureza, que reconheça e respeite o planeta”.
As perguntas da pesquisa estavam baseadas nas acordadas pelos participantes da Conferência Mundial dos Povos sobre Mudança Climática e os Direitos da Mãe Terra, realizada no começo deste ano em Cochabamba, na Bolívia. A pesquisa canadense é uma das várias que integram o chamado Referendo Mundial sobre Mudança Climática, que documentará as opiniões das pessoas sobre o tema em todo o planeta. Os resultados finais serão apresentados na conferência de Cancún.
A pesquisa também mostra que mais de 70% dos canadenses estão a favor de retirar gastos da área militar para esforços no sentido de reduzir os gases-estufa, bem como da ideia de criar um Tribunal Mundial de Justiça Climática que julgue e puna os países e as empresas cujas ações contribuam para o aquecimento global. Mais de 80% consideram que o governo deveria investir em “empregos verdes” e em programas de transição para trabalhadores e comunidades prejudicadas por um alongamento do uso de combustíveis fósseis.
“Há uma verdadeira desconexão entre o governo e o público no Canadá sobre a mudança climática”, disse Andrea. Essa desconexão desperta importantes dúvidas sobre o estado da democracia canadense, afirmou. Envolverde/IPS
(IPS/Envolverde)