Mais de 1,3 milhão de haitianos ainda sem teto

Grand Goave, Haiti, 19/10/2010 (IPS/Haiti Grassroots Watch) – Rosie Benjamin é uma entre as mais de 1,3 milhão de pessoas que vivem nos 1.354 acampamentos para desabrigados pelo terremoto de janeiro no Haiti. Ela e outras 1.200 pessoas lotam 300 barracas de campanha e outras de plástico em um campo de futebol na cidade de Grand Goave. Como ocorre com cerca de 70% dos acampamentos neste país, os residentes em Grand Goave estão largados à própria sorte.

Além do fornecimento de água, nada recebem do governo nem de organizações de ajuda humanitária. Não há comida, não há emprego e nem notícias sobre seu futuro. “Fomos à cidade, e não conseguimos saber nada. Fomos à organização Terre des Hommes, e nada”, queixou-se Rosie. “Até agora não recebemos nada. Estamos aqui assentados sem saber o que estão pensando fazer”, disse.

Ela e seus vizinhos vivem do dinheiro enviado por familiares no exterior, dividem a comida e, de tempos em tempos, recebem trigo ou óleo de alguma organização, mas isso é tudo. Algumas crianças, muitas das quais não frequentam a escola este ano, apresentam uma pigmentação alaranjada no cabelo.

Consultada sobre este óbvio sinal de desnutrição, Deborah Hyde, do Grupo de Refúgio – equipe com mandato da Organização das Nações Unidas (ONU) para coordenar a tarefa de dar abrigo aos afetados – informou que a maioria das iniciativas de distribuição de alimentos das ONGs se deteve em março por ordem do governo haitiano. “A desnutrição é algo que, lamentavelmente, está aqui desde a década de 1980”, acrescentou.

Deborah afirmou que muitos residentes contavam com outro lugar para viver, ou podiam encontrar um, mas preferem ficar no acampamento. “Para ser franca, têm medo de perder uma (eventual) distribuição” de comida ou ajuda, disse. Mas Rosie e seus vizinhos asseguram que nada poderia estar mais longe da verdade. Alguns moradores têm sua própria casa, mas não contam com meios para retirar os escombros deixados pelo terremoto ou reconstruir as partes destruídas. Outros são inquilinos.

Rosie, como quase dois terços dos haitianos, mora em casa alugada. Isto significa que não poderá voltar a ela até que o proprietário faça os reparos. Esta mulher assegura que ninguém está no acampamento por escolha própria. E isso seria estranho, considerando os informes sobre um crescente número de crimes, casos de exploração sexual e condições de vida insalubres no acampamento.

A maioria dos haitianos afetados pelo tremor do dia 12 de janeiro está hoje no mesmo lugar em que se encontrava no dia posterior à tragédia, apesar das doações recebidas pelas agências humanitárias, tanto de parte de privados como de governos. O terremoto, de sete graus na escala Richter, matou cerca de 300 mil pessoas e devastou a capital e outras importantes cidades haitianas. Os desabrigados vivem amontoados em barracas de papelão, lona e plástico, expostos ao ardente sol e frequentes tempestades nas infames temporadas de chuvas do Haiti.

No mês passado, uma tempestade atingiu Porto Príncipe, matando seis pessoas e destruindo oito mil barracas de campanha. A aparente paralisação dos esforços para reassentar os afetados levou muitos moradores, como Rosie, a assumir que não havia planos concretos para eles. Porém, existem. Uma investigação feita durante três semanas pelo grupo Ayiti Kale Je/Haiti Grassroots Watch, dedicado a acompanhar os esforços de reconstrução, descobriu um. Contudo, não foi divulgado ao público, está mal coordenado e não é supervisionado por nenhum Ministério haitiano.

Elaborado por agências da ONU e grupos da sociedade civil, o plano é formado por três partes: levar de volta um grupo de afetados aos seus bairros de origem, mas em casas melhor construídas e localizadas, convencer outros a se mudarem para o campo e colocar o restante em novas casas em outros lugares. No papel, o plano parece sólido. Enquanto são construídas as novas estruturas, as famílias seriam colocadas em abrigos provisórios, de madeira ou plástico.

No entanto, o plano enfrenta muitos desafios, incluindo o fato de que, até agora, não foi aprovado oficialmente pelo governo. Gehard Tauscher, coordenador de abrigos no Haiti, disse que a falta de conexão e participação em nível nacional é o principal obstáculo, e indicou que desejava que “todos os estratos do governo se unissem e falassem com uma única voz”. “Desejaria que fossem colocados em um belo lugar por um fim de semana – a ONU e o governo nacional – e não pudessem sair até que tomassem decisões”, afirmou.

E existem muitos outros obstáculos. Quase todos os passos do plano parecem difíceis, ou impossíveis de implementar. São mais de 300 mil famílias que necessitariam de abrigos temporários, mas as agências e as ONGs planejam construir apenas 135 mil. Tampouco está claro onde se localizariam. Isto leva a outro inconveniente: o “problema da terra” no Haiti. O sistema de posse de terras neste país “é um bordel, uma completa desordem que já tem 200 anos”, disse Bernard Etheart, diretor do Instituto Nacional de Reforma Agrária.

Desde a independência haitiana, em 1804, muitos governantes roubaram, venderam ou presentearam terras a familiares ou aliados. Muitos “proprietários” não contam com as correspondentes escrituras, e outras parcelas têm dois ou três donos com documentação “legal”. Além do problema da terra existe outro obstáculo, bastante literal: estima-se que há entre 20 e 30 milhões de toneladas cúbicas de escombros na capital e em pequenas cidades afetadas pelo terremoto. Segundo especialistas, vai demorar anos para removê-las. Envolverde/IPS

* Leia a série completa, veja os vídeos que a acompanham e ouça os áudios em Haiti Grassroots Watch (http://www.haitigrassrootswatch.org). A Ayiti Kale Je/Haiti Grassorrots Watch é uma iniciativa de colaboração de duas organizações de mídia comunitária haitianas: Groupe Medialternatif/Alterpresse (http://www.alterpresse.org) e Sociedade para a Animação da Comunicação Social (Saks – http://www.saks-haiti.org), junto com a rede de emissoras de rádios comunitárias de mulheres (Refraka) e a Associação de Mídias Comunitárias Haitianas (Ameka).

FOTO
Crédito:
Haiti Grassroots Watch
Legenda: Residentes do acampamento de Sentra Park.


(IPS/Envolverde)

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