Assistência militar dos Estados Unidos supera a ajuda civil

Washington, Estados Unidos, 20/10/2010 – Necessitado de uma rota segura para levar suprimentos às suas tropas no Afeganistão, os Estados Unidos destinam seis vezes mais recursos à ajuda militar a regimes autoritários da Ásia central do que para promover a democracia e os direitos humanos, afirma a organização Open Society Foundation (OSF). A assistência militar do Pentágono e do Comando Central (Centcom) norte-americano é canalizada por meio de diversos programas, segundo Lora Lumpe, autora do estudo “Assistência Militar dos Estados Unidos à Ásia Central 1999-2009: Prioridades de Segurança Atentam Contra os Direitos Humanos e a Diplomacia”.

Não se sabe realmente qual o valor total da ajuda, mas é pelo menos três vezes maior do que aquela que o Departamento de Estado destina para melhorar a situação dos direitos humanos, segundo o informe de 47 páginas divulgado na semana passada pela OSF. “A direção de Políticas e Planos do Centcom deve ter um panorama geral do gasto militar dos Estados Unidos na região, mas é informação classificada”, disse Lora. O Congresso não conseguiu obter um informe detalhado em tempo e forma sobre o gasto do Pentágono, acrescentou.

O estudo foi publicado seis meses após a violenta queda do presidente do Quirguistão, Kurmanbek Bakiyev, apoiado pelos Estados Unidos. O fato traz a dúvida quanto aos benefícios estratégicos de garantir acesso às bases da Ásia central superarem o custo político, entre outros, no longo prazo. O Pentágono concedeu US$ 30 milhões a programas de ajuda ao regime de Bakiyev em 2007, a maior parte para compensar o acesso à base aérea de Manas, diz o documento. Valor cerca de seis vezes maior do que o que destinou às iniciativas civis.

Também teria oferecido contratos exclusivos, agora investigados pelo governo atual e o Congresso, a companhias nas quais amigos, e o próprio filho, de Bakiyev têm interesses substanciais para operações de abastecimento. Isso reforçou a ideia de que Washington apoiava um regime cada vez mais autoritário e corrupto. “Agora que Bakiyev caiu, muitas pessoas estão descontentes no novo governo”, disse Alexander Cooley, especialista em Ásia central da Faculdade Barnard de Nova York. “É possível que o dinheiro do Pentágono não sirva para garantir o acesso às bases no longo prazo”, acrescentou.

O “tremendo impacto” do Pentágono na política externa dos Estados Unidos se tornou uma grande preocupação para ativistas pelos direitos humanos e outros, para os quais, desde o fim da Guerra Fria, as relações entre Washington e a maior parte do Sul em desenvolvimento estão cada vez mais “militarizadas”. Washington ofereceu várias vezes ajuda militar e policial aos países da Ásia central (Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão) praticamente desde sua criação, após a dissolução da União Soviética em 1991.

No começo da década de 1990, a ajuda militar e policial se concentrou em prevenir a proliferação de armas nucleares e biológicas, o tráfico de drogas e o controle nas fronteiras. No final da década, a assistência se expandiu a mais de cinco países, com o envio pelo Centcom de Forças Operacionais Especiais para treinar soldados em contrainsurgência no Uzbequistão e Quirguistão. O mandato do Centcom se estende do Egito até a fronteira noroeste da China. Militares uzbeques e quirguizes fazem parte dos exercícios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

A maior parte da ajuda nesse período foi concedida por programas tradicionais militares e de segurança, supervisionados pelo Departamento de Estado. As iniciativas estão sujeitas a restrições que proíbem, por exemplo, ajudar exércitos envolvidos em violações de direitos humanos ou que tenham derrubado um governo democrático. O Pentágono e comandos como o Centcom consideram que os programas do Departamento de Estado não são confiáveis e têm fins políticos, que não coincidem com o que os primeiros consideram necessidades estratégicas, diz o informe.

Após os atentados de 11 de setembro de 2001 contra Nova York e Washington, o Pentágono criou um sistema paralelo de “cooperação para a segurança”, que permite dar dinheiro sem estar sujeito às condições do Congresso. “Esse ano, o Departamento de Defesa pediu, e o Congresso concedeu, mais de uma dezena de autorizações que ampliam as formas com que o Centcom (e outros comandos regionais) gasta o dinheiro dos cofres gerais do Pentágono para dar assistência direta aos exércitos”, segundo o informe da OSF.

O Pentágono ofereceu, em 2007, pelo menos US$ 103 milhões em assistência militar aos países da Ásia central, último ano em que a secretaria divulgou dados relativamente exaustivos, disse Lora. Esta quantia é quase três vezes maior do que a concedida pelo Departamento de Estado. A ajuda militar norte-americana, incluídos os programas da chancelaria, foi quase metade do total de fundos entregues por Washington à Ásia central em 2007, conclui o informe. Os Estados Unidos precisam garantir o acesso às bases militares, de onde despacham efetivos e suprimentos ao Afeganistão.

Washington aumentou a ajuda a governos e exércitos da região após a criação, em 2008, da via logística setentrional, uma rota de abastecimento que atravessa a Ásia central da Europa ao Afeganistão. Talvez o mais importante sejam os benefícios outorgados às empresas locais, a maioria com estreitos vínculos com os regimes governantes, construções lucrativas e contratos de fornecimento, inclusive no próprio Afeganistão. Envolverde/IPS

(IPS/Envolverde)

 

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