Lisboa, Portugal, 6/10/2010 – Portugal colocou-se no mapa da vanguarda da pesquisa oncológica e de neurociência, com a inauguração do Centro de Pesquisa do Desconhecido (CPD), um presente para esta nação no dia em que completou um século como república.
A inauguração do imponente edifício em Belém, o setor de Lisboa onde desemboca o Rio Tejo, contou ontem com a presença do presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, e do primeiro-ministro, José Sócrates, que dessa forma referendaram a importância que o Estado dá ao projeto privado, pioneiro na Europa.
Este pequeno país periférico do sudoeste da Europa, com 10,6 milhões de habitantes, terá uma palavra a dizer a partir de agora na feroz batalha contra a doença que mata milhões de pessoas ao ano. No ambicioso projeto trabalharão 400 médicos e pesquisadores em câncer e neurociência, que, a partir de janeiro de 2011, esperam cumprir a primeira meta de receber 300 pacientes por dia nas áreas de tratamento e diagnóstico.
A origem do CPD está na vontade póstuma do multimilionário português Antonio de Sommer Champalimaud, que pouco antes de morrer de câncer, em 2004, aos 86 anos, destinou US$ 685 milhões para essa iniciativa. Aquele que foi o homem mais rico de Portugal teve ao longo de sua vida bancos, seguros, empresas de sementes e agrícolas, entre outros negócios.
O testamento, que surpreendeu a todos e desgostou boa parte de seus herdeiros, ao se verem privados de parte da fortuna do magnata, determinava que a fundação com seu nome fosse presidida pela ex-ministra da Saúde (1985-1990), Leonor Beleza. A direção do CPD é integrada por Antonio Damásio, português conhecido mundialmente por seu trabalho sobre o cérebro e as emoções, os prêmios Nobel de Medicina de 1962, o norte-americano James Watson, e de 1987, o japonês Susumo Tonegawa, juntamente com o britânico Alan Ashworth, codescobridor, em 1992, do gene BRCA2 do câncer de mama.
Como diretor do Centro de Câncer do CPD foi designado o norte-americano Raghu Kalluri, professor de medicina da Universidade de Harvard e especialista de renome mundial na luta contra a doença. Durante encontro com jornalistas estrangeiros, Raghu explicou que “será dada ênfase especial nos cânceres que geram metástase, porque essa é a fronteira final que precisamos conquistar: evitar a disseminação do câncer no organismo”.
No CPD, “os pacientes poderão ver cientistas realizando experiências e estes, enquanto trabalham, podem ver os doentes que chegam, o que permite que vejam que algo está sendo feito por eles, gerando esperança no futuro”, destacou Raghu no final de setembro. O edifício “foi projetado para facilitar uma comunicação intensa, um diálogo permanente entre médicos, pesquisadores e pacientes. Veremos constantemente médicos e cientistas conversando sobre como tratar um ou outro câncer”, disse, por sua vez à IPS, Leonor.
Além disso, “Como a pesquisa oncológica evolui muito rapidamente, os médicos e pesquisadores necessitam de clínicas com pacientes, porque de seu tratamento podem resultar outras conclusões científicas”, acrescentou Leonor. Sobre estes métodos, Raghu afirmou que os quadros científicos dedicarão 50% de seu tempo à pesquisa.
Raghu explicou que “isto permitirá testes básicos de laboratório, o estudo epidemiológico de um câncer, seus tratamentos, os resultados clínicos e testes com novos medicamentos, para permitir aos pacientes acesso a terapias experimentais”, e garantiu que “não vamos dizer como utilizar esse tempo, mas deverá ser para pensar e trocar ideias, porque, nisso, queremos ser um exemplo em Portugal e no exterior”. Em cinco anos “gostaríamos de ser reconhecidos como um dos melhores lugares do mundo para a pesquisa na área da metástase”, acrescentou.
Outro componente importante do CPD é a exploração das pontes de ligação entre câncer e neurociências, afirmou Leonor. Raghu detalhou que toda pesquisa básica está sempre interligada, seja qual for o tema. “Um neurocientista pode descobrir mecanismos essenciais do câncer e, da mesma forma, uma descoberta oncológica importante pode ser fundamental em termos de desenvolvimento cerebral”, exemplificou o professor de Harvard. “Esta é uma interligação que sempre será muito sólida e, por isso, não separamos os programas de neurociências e de câncer, muito pelo contrário, os interligamos”, concluiu.
Leonor informou que “estão bem encaminhadas” as negociações com o Sistema de Saúde português e com as empresas privadas de saúde para que no hospital, que abrirá em abril, sejam atendidas pessoas de todas as condições sociais. Acrescentou que, como fundação filantrópica, todo ganho será reinvestido na instituição.
O edifico custou US$ 137 milhões, investidos nos 50 mil metros quadrados da obra de Charles Correa, arquiteto indiano de Mumbai, cuja família é natural de Goa, uma possessão portuguesa até 1961, na costa ocidental indiana. O famoso arquiteto de 80 lúcidos anos, realizou sua obra junto à Torre de Belém, construída entre 1514 e 1520, o monumento mais emblemático da história de Portugal, por ser o lugar de onde os reis se despediam dos galeões e das caravelas que zarpavam mar afora.
A data escolhida para a inauguração não é casual, porque, neste 5 de outubro, se completaram cem anos desde que Portugal ocupou seu lugar entre as repúblicas do mundo, marcando o final de oito séculos de monarquia, com 35 reis de quatro dinastias.
O próprio nome, escrito em inglês no prédio, Champalimaud Centre for the Unckonown, contém uma carga simbólica, ao sugerir relacionar os navegantes portugueses que exploraram terras desconhecidas no passado ao desconhecido da ciência neste século e no futuro. Ao ser consultado sobre a construção em Belém, em 2007, o arquiteto perguntou se era o mesmo lugar de onde partiam os navegantes, entusiasmando-se por aceitar o desafio de erguer um edifício “onde o rio se transforma em oceano”.
Em um artigo, o The New York Times uniu-se, no dia 8 de setembro, aos que afirmam que o CPD colocará Portugal na rota da pesquisa científica. O jornal norte-americano citou Axel Ullrich, pesquisador do alemão Instituto Max Planck de Bioquímica em doenças cancerígenas, quando afirmou que “Lisboa não é, neste momento, o centro da ciência no mundo, mas poderá ser se tudo for bem dirigido” no CPD.
Axel disse que em oncologia e neurociência são feitas pesquisas significativas na Alemanha, Espanha e França, “mas creio que nenhuma dessas têm o impacto que terão as do novo Centro”. Envolverde/IPS
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Crédito: Katalin Muharay/IPS
Legenda: Edifício do CPD mira o desconhecido da desembocadura do Tejo.
(IPS/Envolverde)