O pão nosso de cada dia

Agora sabemos que a instabilidade chegou para ficar nos mercados internacionais de alimentos, afirma neste artigo o especialista Frederic Mousseau.

Oakland, Estados Unidos, 27 de setembro (Terramérica).- Dois anos depois da carestia de 2007-2008, os preços internacionais dos alimentos voltam a subir. Com uma colheita escassa na Europa oriental, o trigo disparou mais de 50% no recém-terminado verão boreal. É uma lembrança de que os mercados de alimentos continuam instáveis e sujeitos a uma variedade de fatores, como as condições climáticas, as decisões sobre reservas alimentares, exportações de governos ou empresas, flutuações dos preços do petróleo (que determinam quantos cultivos se usa como combustível) e a especulação financeira.

Os distúrbios por escassez de alimentos, que em 2008 causaram várias mortes em países em desenvolvimento, agora parecem ressurgir. Treze pessoas foram assassinadas, no começo deste mês, em Moçambique, em protestos contra o aumento no preço do pão. Cabe perguntar se hoje o mundo está melhor preparado para enfrentar outra alta dos alimentos e impedir seus impactos na população pobre.

A resposta é sim e não, diz uma avaliação do Oakland Institute e da UK Hunger Alliance sobre as reações à crise de 2007-2008. Aprendemos muito com o que aconteceu há três anos. Na identificação dos fatores que influem nos mercados mundiais de alimentos, agora admite-se que a volatilidade chegou para ficar. Também sabemos muito sobre a efetividade das diferentes respostas.

As pesquisas mostram que a crise alimentar mundial de 2008 foi menos “mundial” do que se acreditava. Vários países conseguiram impedir que a inflação contagiasse seus mercados internos. Por exemplo, o preço do arroz, na realidade, baixou na Indonésia em 2008, enquanto subia em países vizinhos. As intervenções para impedir este contágio incluíram políticas para facilitar o comércio e restrições ou regulações comerciais: proibição de exportações, uso de reservas públicas, controle de preços e medidas contra a especulação.

Com êxito díspar, vários governos tentaram proteger seus setores pobres com redes de segurança social. Brasil, Bangladesh, Índia ou Indonésia conseguiram sinergias entre a proteção dos setores pobres e o apoio à produção local de alimentos, geralmente vinculada ao manejo de reservas públicas. As transferências diretas de ajuda monetária, consideradas uma alternativa efetiva à ajuda alimentar importada, são usadas cada vez mais.

Entretanto, os elevados preços dos alimentos debilitaram a capacidade de compra dessas transferências e, em definitivo, sua efetividade. Daí que alguns programas nacionais não puderam ser adaptados à carestia, que causou uma drástica redução do poder aquisitivo dos beneficiários. Este foi o caso da rede de segurança social da Etiópia, a maior da África, onde o valor das transferências em dinheiro aumentou apenas 33%, longe de acompanhar a alta de 300% no preço da cesta básica de alimentos. Por esta defasagem, foi necessária uma enorme operação humanitária paralela.

Em geral, não foi possível evitar o drástico aumento da desnutrição crônica, que afetava 850 milhões de pessoas em 2007, e um bilhão em 2008. Este é um sério atraso no primeiro dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, de reduzir pela metade a proporção de pessoas que sofrem fome, com relação aos índices de 1990, e até 2015.

Por acaso, o mundo está melhor preparado? Não, pois os governantes mundiais ainda promovem o livre comércio, como declararam na última reunião do Grupo dos 20 países ricos e emergentes, no Canadá. Não, porque muitos governos e instituições centraram seus esforços em uma resposta de curto prazo, ignorando que o problema não era de fornecimento, mas de acesso (2008 foi um ano recorde em produção mundial de alimentos) e que são necessárias soluções duradouras para as causas estruturais.

E não – por último – pois os enormes investimentos estrangeiros em terras dos países mais pobres agravam a principal causa da fome e da pobreza: desigual acesso aos recursos naturais que prevalece no mundo. No final, mais além de o preço do pão ser acessível, a justiça e a equidade são as verdadeiras demandas dos que protagonizam distúrbios por comida.

* Frederic Mousseau é especialista em segurança alimentar do Oakland Institute. Trabalhou quase 20 anos para agências humanitárias internacionais como Action Against Hunger, Médicos Sem Fronteiras e Oxfam Internacional. Direitos exclusivos IPS.

Crédito da imagem: Fabricio Vanden Broeck


Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.
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