Miami, Estados Unidos, setembro/2010 – Enquanto Fidel reaparecia e prisioneiros eram libertados, graças à colaboração da Igreja e da Espanha, o presidente Obama anunciou que está disposto a “suavizar” as restrições para viagens com destino à Cuba, e agora para receber alguns dos transdesterrados.
Não é a primeira vez que Cuba abre a válvula condicionada, nem será a última que Washington deixará os olhos apenas entreabertos. Para equilibrar o gesto, o Departamento de Estado ainda inclui Cuba na lista de nações que apoiam o terrorismo internacional (na Colômbia, a ETA na Espanha). E Fidel admoesta os Estados Unidos se atacarem o Irã.
A decisão de Obama é uma nova modificação das medidas impostas por seu antecessor para limitar as visitas à ilha de familiares e os intercâmbios culturais. Assim, era prejudicado o “turismo” encoberto. Porém, a missão primordial de Bush e Obama no cenário global é garantir a segurança dos Estados Unidos. Isso se consegue evitando a desestabilização de Cuba.
Bush declarou sua atitude diante das sutis mudanças de Cuba depois que Fidel passou o poder ao seu irmão Raúl, em 2006. Insistia em que “a palavra operacional não era estabilidade, mas liberdade”. Contudo, por trás da palavra estabilidade residia a chave da “segurança”. A temida carência de estabilidade de Cuba poderia ser interpretada como “ameaça para a segurança dos Estados Unidos”. Do ponto de vista de Havana, “estabilidade” era a melhor defesa da “segurança” de Cuba.
Para Washington, a dupla meta de estabilidade e democracia poderia ser o mais desejável. Mas não está claro que ambas sejam compatíveis nem acessíveis no momento. Daí Bush ter escondido a obrigada resignação de optar, como mal menor, pela estabilidade de Cuba, com vistas à melhor garantia da segurança dos Estados Unidos. Obama, por sua vez, concorda.
Hoje, o Exército cubano está deixando de ser uma ameaça. Está reduzido a atuar como uma força de vigilância local do território e repressão interna. Em lugar de manter regimentos “africanos”, hoje Cuba faz uso de um curioso “poder brando”, com a exportação de milhares de médicos e professores para Venezuela, Bolívia e outros países.
De possível causa de uma guerra nuclear durante a crise dos mísseis em outubro de 1963, Cuba representa hoje um risco especial e diferente. Apresenta-se por uma hipotética explosão social interna, gerada pelo descontentamento diante da deterioração econômica, e um êxodo maciço rumo aos Estados Unidos. O mais temido é o surgimento de um “Estado falido”, incapaz de controlar as forças sociais antagônicas. As Forças Armadas cubanas são consideradas pelo Pentágono como a única garantia para evitar isso.
Essa entente cordiale se volta ao “período especial” do começo dos anos 1990 e à retirada do subsídio soviético. Como dano colateral, somou-se a pressão para emigrar e o próprio governo cubano abriu novamente a válvula e deixou (em parte por sua própria impotência) que se abrisse a emigração ilegal. Foi a “crise dos balseiros”, do verão de 1994. O fantasma de um remake do Mariel de 1980 convenceu o governo norte-americano a colocar em prática algumas medidas para evitá-lo.
Clinton havia aprendido a lição, já que quando era governador do Arkansas sofrera em seu próprio capital político as consequências do êxodo indiscriminado. Numerosos criminosos libertados das prisões cubanas acabaram nas ruas de Miami e dali foram levados a prisões de outros Estados, com o resultado de motins e sérios enfrentamentos em lugares historicamente distantes das controvérsias sobre a causa cubana.
Os incidentes nas prisões de Arkansas custaram a reeleição de Clinton. Escaldado, fez um acordo com Castro concedendo 20 mil vistos por ano garantidos (único país com este privilégio). Ao exílio foi relegada a chamada política de “pés molhados/pés secos): os que conseguiam pisar em solo americano recebiam o status de refugiados, mas os detidos em alto mar eram devolvidos a Cuba. Este compromisso reforçava a vigência da Lei de Ajuste Cubano, pela qual os refugiados se convertiam automaticamente em residentes, trampolim para a cidadania.
Também é fácil constatar o tácito consenso dos governos da América Latina e do Caribe, centristas ou moderados de esquerda, incluindo os interesses econômicos dos Estados Unidos, que apostam pela relativa estabilidade de Cuba. Do México a Barbados, de Bogotá à Disney World, todos concordam que o melhor é que Cuba continue como está, pelo menos por um tempo prudente. Em Cancún, San Juan de Puerto Rico e Santo Domingo a última coisa que desejam é maior competição turística.
Repetindo: em Washington a estabilidade se traduz em segurança. No Pentágono já há suficientes problemas no Afeganistão (e no Iraque). É o cenário estratégico após a libertação dos dissidentes e o reaparecimento de Fidel para esquentar (moderadamente) o ambiente. Envolverde/IPS
* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.).
(IPS/Envolverde)
- Por Joaquín Roy*