A essas apresentações comparecem desde o Rei Juan Carlos, que gosta muito da festa, ao contrário da Rainha Sofia e de seu herdeiro príncipe Felipe, até líderes políticos de todas as tendências e personalidades de todas as áreas, além de turistas, que veem na festa uma expressão cultural e uma tradição, apesar do sofrimento do animal, ferido várias vezes antes de morrer. A votação, considerada histórica pela mídia do país, atendeu uma Iniciativa Legislativa Popular em favor da abolição da tauromaquia, apoiada por 180 mil assinaturas e promovida pela plataforma cidadã Prou! (basta, em catalão). Foram 68 votos a favor, 55 contra e nove abstenções.
A maioria dos votos favoráveis foi de grupos do nacionalismo catalão: Convergência e União (CiU, 32), Esquerda Republicana da Catalunha (21) e Iniciativa pela Catalunha (12). Os votos contra foram 31 do Partido Socialista da Catalunha (PSC), a expressão na comunidade do governante Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), e 14 do Partido Popular (PP), de centro-direita, que encabeça a oposição em nível nacional. A CiU e o PSC deram liberdade de voto aos seus deputados. Do primeiro, foram sete votos contra, e dos socialistas três apoiaram a proibição e três se abstiveram. O presidente da Generalitat (governo), José Montilla, votou contra e o líder da CiU, Artur Mas, a favor.
Desde o final de 2003, a Catalunha é governada por uma aliança do PSC com a Esquerda Republicana e a Iniciativa, mas nas eleições que devem acontecer no último trimestre do ano, as pesquisas indicam o retorno da CiU ao poder que ostentou por 23 anos.
Com o fim da tauromaquia, o nacionalismo da autonomia dá outro passo adiante em sua reclamação para que a Catalunha seja reconhecida como uma nação, associada à Espanha embora não parte integrante da mesma, segundo comentários de setores políticos, integrantes do mundo das touradas e defensores da festa, que qualificam a iniciativa como um gesto de identidade. É o que pensa José María Baviano, diretor de Comunicação da Praça de Touros de Las Ventas, em Madri, a maior da Espanha. “A decisão do parlamento não é para defender os animais, mas uma questão política, para se diferenciar do resto da Espanha”, afirmou à IPS.
Sobre o sofrimento dos animais antes de sua morte, José María citou estudos científicos que invalidam o argumento, pois “sofre muito mais o gado que perde a vida nos matadouros”. E insistiu que, nas praças, os animais, excitados pelo toureiro, complementam uma arte que muitos cidadãos valorizam. Em sentido contrário se pronunciou Anna Mula, porta-voz da plataforma Prou!, para quem “a arte é um processo de criação de vida, não de tirá-la, mesmo sendo de animais”.
Do PP veio a lembrança de uma questão que preocupa muito a Catalunha e que afeta os que apoiam a proibição: o custo da medida para a comunidade. O deputado do PP catalão, Rafael Luna, destacou que cálculos feitos pelos que são favoráveis às touradas estimam entre US$ 400 milhões e US$ 650 milhões o que a Generalitat deverá pagar a empresários do setor, como indenização por cancelar contratos assinados. Na Catalunha só há uma praça de touros: a Monumental de Barcelona, com 18 mil lugares.
Contra esses argumentos se manifestou o presidente da Esquerda Republicana, Joan Puigcercós, para quem o fundamental é que os touros são torturados durante a tourada e qualificou a proibição como um progresso moral, que pode ser uma contribuição para a próxima geração. O caráter nacionalista da aprovação pelo Parlamento da Catalunha é reforçado com a evidência de que no resto da Espanha praticamente não houve apoio à proibição.
O PSOE, o PP e outras forças de alcance nacional apoiaram a festa sem pestanejar. Dentro do PP se destaca a posição da presidente da comunidade de Madri, Esperanza Aguirre, que declarou a festa de touros como um Bem de Interesse Cultural da região. O ministro de Governo e Justiça de Madri, Luis Pizarro, afirmou que “ninguém duvida que os touros são um bem patrimonial de todos os espanhóis”.
Em termos semelhantes se pronunciou o socialista José María Barreda, presidente da comunidade Castilla-La Mancha, que afirmou que as touradas são “uma fonte importante de riqueza para a economia”, além de ter “um caráter cultural, histórico, sustentável, ecológico, natural e amigável com o meio ambiente”. A referência ao meio ambiente tem a ver com as terras onde os touros são criados em liberdade, alimentando-se de pastagens naturais, o que faz com que o negócio da festa ajude a manter milhares de hectares livres de industrialização e construções. Segundo fontes oficiais, em 2009 foram mortos 10.247 touros e novilhos nas 2.684 corridas realizadas ao longo do ano, cerca de 28 animais por dia, em média.
Dessa forma, fica a discussão na Espanha sobre sua festa com a abolição na Catalunha, onde as posições estão longe de serem lineares. Entre os que defendem veementemente a tourada está o laureado escritor catalão Pere Gimferrer. Para ele, a proibição “é a mais grave agressão cultural” sofrida na Espanha desde que terminou a ditadura de Francisco Franco (1939-1975), quando foram proibidas as festas de carnaval, também de longa tradição no país. Outro argumento a favor é da veterinária Elena Montoya, que afirmou que, se forem eliminadas as corridas, será o fim da raça dos animais usados para touradas, que seria mantida apenas nos zoológicos. Envolverde/IPS
(IPS/Envolverde)