As lições do Exxon Valdez passaram desapercebidas

Tradução: Argemiro Pertence

A história do ultimo derramamento de óleo catastrófico americano evoluiu no tempo para a frente num conto de causa e efeito: em 1989, um capitão bêbado levou seu petroleiro a encalhar no Alasca e a Exxon foi incapaz de evitar que o óleo se espalhasse ao longo de centenas de quilômetros de litoral virgem.

Porém, a história do desastre do Exxon Valdez é bem mais complexa e apresenta notáveis paralelos com os acontecimentos atuais no Golfo do México – inclusive o papel central desempenhado por um consórcio liderado pela British Petroleum – hoje conhecida como BP.

Uma comissão que investigou o vazamento no Alasca descobriu que as companhias aparam arestas para maximizar lucros. Sistemas preparados para evitar desastres falharam e não havia sistemas substitutos disponíveis. Os órgãos reguladores estavam muito próximos da indústria do petróleo e lamentavelmente aprovaram respostas inadequadas para o acidente e planos de limpeza.

A história está se repetindo, dizem autoridades que investigaram o Valdez, porque as lições de duas décadas atrás permanecem ignoradas.

‘É desapontador”, disse Walt Parker, de 84 anos, presidente da Comissão do Derramamento de Óleo no Alasca, que fez dúzias de recomendações para evitar a recorrência. “É quase como se nós nunca tivéssemos feito o relatório”.

Especialistas em questões marinhas antecipam que os diferentes painéis que investigam a explosão da Deepwater Horizon – inclusive a comissão presidencial que começou a trabalhar esta semana em New Orleans – irão produzir relatórios com muitas descobertas que poderiam cortadas e coladas do relatório de 20 anos atrás, escrito pela comissão de Parker ou outro grupo que estudou o acidente do Valdez. Eles também temem que essas descobertas não tenham mais impacto do que as conclusões sobre o Valdez tiveram.

No rescaldo do vazamento no Alasca, como no Golfo, houve uma confusão sobre quem estava no comando - as autoridades do governo ou as empresas de petróleo. As autoridades federais tentaram, eventualmente, assumir, mas faltava-lhes o equipamento e o pessoal para evitar prejuízos. Tempestades atrasaram a resposta e espalharam a contaminação. A tecnologia de limpeza era antiga e ineficiente. Os ambientalistas questionaram a toxidade dos dispersantes e perguntaram se as companhias de petróleo estavam usando produtos químicos para esconder os prejuízos.

O grande esforço de contenção no Alasca recuperou apenas uma fração dos milhões de litros de petróleo derramados no Estreito Prince William.

Os atores do drama do Alasca também nos parecem familiares. Embora a Exxon fosse a proprietária do petroleiro Valdez, ela não foi a responsável pelo defeituoso plano de resposta de emergência e não liderou os esforços iniciais de contenção. Essas tarefas ficaram a cargo da Alyeska Pipeline Service, um consórcio que opera o Sistema de Oleodutos Trans Alaska.

O sócio-controlador do consórcio era a British Petroleum. A British Petroleum também preencheu o cargo de executivo-chefe, o qual mais tarde se demitiu por causa das pressões. “A BP atraiu para si os tiros”, disse Tom Lakosh, um estudioso de derramamentos de petróleo.

A Comissão do Alasca concluiu que a redução de custos pela Alyeska contribuiu para o desastre, da mesma forma como os críticos alegam que foi o foco da BP na lucratividade que contribuiu para o derramamento no golfo.

“Essencialmente, a liderança da British Petroleum dormiu ao lado dos controles”, concluiu o relatório da comissão.

O porta-voz da BP, Steve Rinehart, evitou discutir o papel da empresa na resposta no caso do Valdez, dizendo que a Alyeska é uma empresa independente que “trabalha para uma comissão dos proprietários”.

“Nós teremos na verdade muito pouco a dizer sobre o derramamento de óleo do Exxon Valdez”, disse Rinehart. “Em termos gerais, houve muitas lições aprendidas com o vazamento do Estreito Príncipe William e um deles foi o melhoramento no planejamento da resposta e na tecnologia”.

O porta-voz da Exxon Mobil, Alan Jeffers, evitou comentar sobre como a British Petroleum e os órgãos reguladores reagiram ao acidente com o Exxon Valdez. Entretanto, ele disse que aquele era de fato um “verdadeiro ponto de inflexão” na Exxon o que agora faz da segurança um valor central corporativo.

Para estarmos seguros, os dois vazamentos são diferentes: o incidente de 1989 foi causado por um petroleiro encalhado, não por uma explosão num poço e pelo vazamento de óleo que já dura meses. Ademais, os milhões de litros liberados no Alasca foram ultrapassados pela quantidade de óleo flutuando no Golfo. Todavia, especialistas têm dito que as muitas similaridades eclipsam as diferenças.

“É muito frustrador”, disse Zygmund Plater, que trabalhou na comissão e hoje é professor na Boston College Law School. “As lições não foram aproveitadas”.

‘Esperando que acontecesse’

Em 23 de março de 1989, Riki Ott, bióloga marinha, estava expondo no banquete anual de segurança da Aleskya Pipeline no Centro Cívico de Valdez. A discussão passou para a ameaça de um derramamento de óleo de maiores proporções.

“Senhores”, disse ela, não é uma questão de ‘se’, mas de “quando”.

Cerca de uma hora mais tarde, pouco depois da meia-noite, o Valdez encalhou no Recife Bligh, no litoral sul do Alasca, rompendo 8 de seus 11 tanques de carga e despejando pelo menos 40 milhões de litros de petróleo na estreito. O navio de 300 metros de comprimento acabara de deixar o terminal da Alyeska em Valdez e se dirigia para Long Beach, Califórnia.

Durante os meses seguintes, o óleo se espalhou por cerda de 2.000 km do litoral do Alasca destruindo ecossistemas e meios de subsistência.

As investigações demonstraram que o capitão Joseph Hazelwood tina bebido mais cedo e que ele não estava na ponte de controle quando o navio se desviou em direção aos recifes. Ele foi condenado por negligência na operação de transporte de petróleo.

Dois meses após o derramamento, o governador da Alasca criou uma comissão para estudar o acidente. Ela concluiu que o desastre foi “o resultado da deterioração gradual da função de supervisão e das práticas de segurança”.



O vazamento "não foi uma ocorrência incomum isolada, mas simplesmente uma conseqüência de políticas, hábitos e práticas que, por quase duas décadas invadiram o sistema nacional de transporte marítimo de petróleo trazendo em si crescentes níveis de risco. O do Exxon Valdez era um acidente esperando para acontecer”, informa o relatório.

As regras então em vigor convocavam o consórcio liderado pela British Petroleum para lidar com a resposta inicial ao derramamento. Porém, suas ações foram inexplicavelmente morosas e sem efeito. Uma barcaça de 40 metros mencionada nos planos como a peça central de qualquer resposta não foi equipada com o equipamento necessário, o que resultou em horas de atraso.

O porta-voz da Alyeska, Matt Carle, disse que o Consórcio não desafiaria as descobertas da comissão, mas destacou as diversas melhorias na segurança implantadas dentro e ao redor do Estreito Prince William.

A Guarda Costeira dos EUA e outras agências governamentais provaram-se “absolutamente incapazes” de conter o petróleo, afirmou a comissão. Os planos de contingência foram reduzidos a “tigres sem dentes” e a falta de equipamentos ao lado das respostas demoradas tornaram a catástrofe inevitável, informou o relatório.

A Exxon eventualmente assumiu o controle do esforço de resposta, trabalhando em conjunto com a Guarda Costeira e as autoridades do Alasca.

Isto reflete os dias iniciais do vazamento da BP, quando ainda não estava claro quem estava no comando. Rapidamente ficou aparente que somente a BP tinha os robôs submersíveis e outros equipamentos exigidos no local da perfuração, a 1.600 metros de profundidade.

Estudos sugeriam que o derramamento do Alasca poderia ter sido reduzido ou eliminado pelo emprego de proteção redundante: no caso, equipando-se os navios petroleiros com cascos duplos ou fundos duplos. Uma falta de redundância surgiu como um problema crítico no Golfo, onde a falha do BOP (preventivo de descontrole) da Deepwater Horizon – projetado para selar instantaneamente o poço – deixou a BP com poucas alternativas.

A Alyeska foi classificada pela comissão do Alasca como tendo uma longa história de mau gerenciamento e corte de gastos que contribuíram para o acidente. Um funcionário do estado escreveu que a Alyeska “já provou que não irá adotar qualquer ação corretiva de mais impacto a menos que seja forçada pelas agências reguladoras”. Essas queixas fazem eco às alegações feitas no mês passado pelos representantes do Partido Democrata Henry A. Waxman (Califórnia) e Bart Stupak (Michigan) que questionaram se a BP repetidas vezes optou por procedimentos de risco para poupar tempo e reduzir custos.

Os congressistas escreveram em uma carta para a companhia de petróleo que “a BP parece ter tomado múltiplas decisões baseadas em razões econômicas que aumentaram o perigo de uma falha catastrófica no poço”.

‘Nunca mais’

Quando a comissão do Alasca examinou os planos de resposta aprovados antes do acidente foi encontrado um “grande lapso” entre o tamanho do derramamento que as empresas diziam poder conter e sua verdadeira capacidade de contenção, a qual era “ridiculamente baixa”. Os registros mostravam que à medida que um número de planos de resposta iam sendo desenvolvidos no Alasca, os revisores do governo escreviam palavrões a lápis nas margens dos documentos, qualificando-os como “lixo” e “vulgares” e recomendavam que as autoridades “considerassem a hipótese de acusação”.

Uma revisão dos equipamentos listados no plano de contingência da Alyeska dos anos 1970 mostrou que das 170 peças do aparato itemizadas, 137 estavam quebradas ou não existiam. Um exercício de perfuração descobriu uma lista obsoleta de contatos de emergência. Naquela ocasião, o relatório concluiu que o consórcio “não era um modelo de preparação”.

Isto faz lembrar as descobertas de uma investigação do Congresso sobre o plano de resposta da BP para o vazamento no Golfo que afirmava que a empresa poderia conter e limpar um vazamento muito maior que o da atualidade. Os investigadores descobriram que os planos para o Golfo também discutiam a necessidade de proteger as vacas-marinhas (morsas) que não são encontradas na região e listavam os telefones de um especialista em questões marinhas morto há muitos anos.

A comissão descobriu que o equipamento “primitiva” disponível para a recuperação de óleo no Alasca – especialmente linhas de contenção e recolhedores de óleo flutuante – representavam métodos não efetivos que não tinham avançado nos últimos 20 anos. A comissão convocou o governo federal para financiar um esforço de pesquisa e o desenvolvimento para aprimorar as técnicas de recuperação.

“Os equipamentos e as técnicas deveriam ser testadas bem antes de um derramamento”, afirmava o relatório.

Hoje no Golfo, os mesmos tipos de Equipamentos e tecnologias usadas no Estreito Prince William estão em uso. Não há esforço de pesquisa na escala buscada pela comissão. “Nunca mais o causador de um derramamento deveria estar no comando da resposta a um derramamento de grandes proporções”, afirmava o relatório.

Como se estivesse prevendo o desastre no Golfo, a comissão disse que focalizar tão de perto os detalhes individuais do acidente com o petroleiro seria contraproducente porque “o próximo grande derramamento provavelmente terá outra causa bem diferente”.

O relatório também deu uma pista sobre o que poderia estar à frente. No Alasca, o prejuízo ambiental e econômico derivado do derramamento foi seguido pelo aumento do alcoolismo, depressão, ansiedade, violência doméstica e suicídios infantis.

Outro relatório preparado em 1989 para o presidente George H. W. Bush também recomendava o fortalecimento da preparação do governo, tornando claras as linhas de autoridades e aprimorando a tecnologia de limpeza. O relatório foi preparado por uma equipe co-dirigida por William K. Reilly, que dirigiu a Agência de Proteção Ambiental.

Agora, Reilly co-dirige a comissão que investiga o derramamento da BP para o presidente Obama. Espera-se que seu relatório saia em janeiro.
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