Hora de valorizar o trabalho feminino não remunerado

Santiago, 8/7/2010 – Chegou a hora de os países latino-americanos valorizarem economicamente o trabalho feminino não remunerado e proporcionarem serviços de atenção a pessoas dependentes. É o que proporá a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) na XI Conferência Regional da Mulher, entre 13 e 16 deste mês, em Brasília. A recomendação consta do informe “Qual Estado para qual igualdade?”, preparado pela Cepal para este encontro intergovernamental que analisará o progresso nos compromissos assumidos pelos países na conferência anterior, de 2007, em Quito.

Segundo o documento, para alcançar a igualdade entre homens e mulheres é preciso que elas obtenham autonomia econômica, física e política. A “igualdade trabalhista”, na qual se centra principalmente a proposta da Cepal, seria indispensável para obtê-la. A participação da população feminina urbana na atividade econômica geral é de 52% na região, distante dos 78% dos homens.

Outro indicador criado em anos recentes para medir a autonomia econômica das mulheres mostra que na região 31,6% da população feminina com mais de 15 anos carece de renda própria, embora 81% das mulheres nessa situação trabalhem para familiares ou em outras tarefas não remuneradas. A Cepal estima que, se as mulheres não colaborassem com a renda familiar, os lares pobres urbanos aumentariam, em média, 9% e os rurais 6%.

“Para melhorar a autonomia econômica das mulheres pensamos que deve existir uma co-responsabilidade maior entre Estado, família e mercado”, disse à IPS a secretária-executiva da Cepal, a mexicana Alicia Bárcena. Em 12 países analisados da região, as mulheres dedicam mais tempo do que os homens ao trabalho doméstico, e sua carga total de trabalho é maior do que a deles. Segundo dados de 2007, as mulheres equatorianas, por exemplo, somam 107,5 horas semanais de trabalho total contra as 87,2 horas dos homens.

“O Estado tem o dever de atender a insuficiência de instituições públicas de atenção a crianças, idosos e incapacitados, e o dever de regular para que as empresas privadas e o mercado também proporcionem esse mesmo tipo de proteção social para as mulheres”, disse Bárcena. Outra política que poderia melhorar a autonomia econômica delas seria o direito a pensão para as maiores de 60 anos que não tenham realizado trabalho remunerado, acrescentou. O Chile, desde 2008, paga aposentadoria para mulheres nessa situação das camadas mais pobres.

Nas constituições de 1999 da Venezuela, Equador, Bolívia e República Dominicana é reconhecida a contribuição econômica e social do trabalho não remunerado e de cuidado, mas isso ainda não se traduziu em leis que os recompensem ou os incluam como uma variedade das contas nacionais. Em países como Brasil, Argentina, Costa Rica, Chile, México, República Dominicana e Uruguai foram implementadas iniciativas de igualdade de gênero na atividade empresarial, com as certificações de boas práticas, que medem a paridade em recrutamento, capacitação, carreira profissional e acesso a cargos de direção.

A vontade política cresceu, destacou Bárcena, “mas isto tem de seguir lado a lado com os recursos econômicos, de itens no orçamento fiscal”. A isso deve ser somada uma “mudança de civilidade, onde as novas gerações se corresponsabilizem de outra forma”, acrescentou.

“Os direitos econômicos das mulheres devem ser respeitados e assegurados pelos Estados em seus projetos de desenvolvimento”, disse à IPS Rebecca Tavares, representante do Fundo das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) para o Brasil e o Cone Sul da América, organismo que participará ativamente do encontro em Brasília. “A crise econômica mostrou os limites e o esgotamento das práticas financeiras e econômicas atuais”, acrescentou. A seu ver, “se faz urgente uma análise em profundidade do modelo de desenvolvimento e maiores incentivos às experiências que aproveitem o ativo potencial produtivo das mulheres em sua totalidade”. Tavares deu como exemplo os “programas de transferência condicionada de renda a grupos vulneráveis pelas dimensões de gênero, raça, etnia e condição econômica”.

Além disso, a sociedade civil apresentará em Brasília uma ferramenta de monitoramento dos compromissos assumidos pelos países nestas conferências regionais da mulher. Trata-se do ISO-Quito, criado pela Articulação Feminista Marcosur (AFM), cujos primeiros resultados foram apresentados à IPS por Lucy Garrido, da equipe de coordenação desta entidade formada por redes regionais e nacionais e organizações não governamentais de sete países sul-americanos. Com base nos dados disponíveis, de 2007, a AFM criou vários indicadores, como uma escala de 0 a 1, onde o maior valor é melhor posição.

O Índice de Paridade Econômica e Trabalhista, que mede participação no mercado de trabalho, cobertura da assistência social, salário médio urbano e incidência da pobreza, é liderado pelo Uruguai, com 0,824 ponto, entre 17 países analisados. A seguir aparecem Brasil com 0,786, Paraguai com 0,772, Peru com 0,763, Argentina com 0,748 e Equador com 0,740. O México, a segunda economia da região, aparece em 11° lugar com 0,695, e o Chile, com alto desenvolvimento humano mas uma das menores taxas de participação feminina no trabalho, está entre os últimos colocados com 0,687 ponto.

O Índice de Compromissos Institucionais, no entanto, analisa aspectos como o impulso a leis de cotas para promover a participação política feminina, a existência de normas contra a violência machista e o assédio sexual, ou a assinatura e ratificação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (Cedaw).

Este índice, com dados de todos os países latino-americanos, também avalia a institucionalidade de gênero, a implementação de planos nacionais de igualdade e de pesquisas de uso do tempo e do trabalho não remunerado, e a legalidade de alguns casos de aborto. O país melhor situado neste caso é a Costa Rica, com 0,937 ponto, e o pior a Nicarágua, com 0,229 ponto. Outras nações com bom desempenho são Argentina, com 0,895, Equador, com 0,854 e Bolívia, com 0,833.

O Consenso de Brasília, com o qual se encerrará a conferência, destacará a melhoria das estatísticas, especialmente em matéria de violência sexista, e na avaliação e cooperação Sul-Sul de boas práticas, anunciou Bárcena. Além disso, possivelmente seja criado um observatório de políticas públicas. IPS/Envolverde

FOTO
Crédito: Daniela Estrada/IPS
Legenda: O trabalho em casa esgota a mulher latino-americana.

(IPS/Envolverde) Hora de valorizar o trabalho feminino não remunerado
Por Daniela Estrada, da IPS
 
Santiago, 8/7/2010 – Chegou a hora de os países latino-americanos valorizarem economicamente o trabalho feminino não remunerado e proporcionarem serviços de atenção a pessoas dependentes. É o que proporá a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) na XI Conferência Regional da Mulher, entre 13 e 16 deste mês, em Brasília. A recomendação consta do informe “Qual Estado para qual igualdade?”, preparado pela Cepal para este encontro intergovernamental que analisará o progresso nos compromissos assumidos pelos países na conferência anterior, de 2007, em Quito.

Segundo o documento, para alcançar a igualdade entre homens e mulheres é preciso que elas obtenham autonomia econômica, física e política. A “igualdade trabalhista”, na qual se centra principalmente a proposta da Cepal, seria indispensável para obtê-la. A participação da população feminina urbana na atividade econômica geral é de 52% na região, distante dos 78% dos homens.

Outro indicador criado em anos recentes para medir a autonomia econômica das mulheres mostra que na região 31,6% da população feminina com mais de 15 anos carece de renda própria, embora 81% das mulheres nessa situação trabalhem para familiares ou em outras tarefas não remuneradas. A Cepal estima que, se as mulheres não colaborassem com a renda familiar, os lares pobres urbanos aumentariam, em média, 9% e os rurais 6%.

“Para melhorar a autonomia econômica das mulheres pensamos que deve existir uma co-responsabilidade maior entre Estado, família e mercado”, disse à IPS a secretária-executiva da Cepal, a mexicana Alicia Bárcena. Em 12 países analisados da região, as mulheres dedicam mais tempo do que os homens ao trabalho doméstico, e sua carga total de trabalho é maior do que a deles. Segundo dados de 2007, as mulheres equatorianas, por exemplo, somam 107,5 horas semanais de trabalho total contra as 87,2 horas dos homens.

“O Estado tem o dever de atender a insuficiência de instituições públicas de atenção a crianças, idosos e incapacitados, e o dever de regular para que as empresas privadas e o mercado também proporcionem esse mesmo tipo de proteção social para as mulheres”, disse Bárcena. Outra política que poderia melhorar a autonomia econômica delas seria o direito a pensão para as maiores de 60 anos que não tenham realizado trabalho remunerado, acrescentou. O Chile, desde 2008, paga aposentadoria para mulheres nessa situação das camadas mais pobres.

Nas constituições de 1999 da Venezuela, Equador, Bolívia e República Dominicana é reconhecida a contribuição econômica e social do trabalho não remunerado e de cuidado, mas isso ainda não se traduziu em leis que os recompensem ou os incluam como uma variedade das contas nacionais. Em países como Brasil, Argentina, Costa Rica, Chile, México, República Dominicana e Uruguai foram implementadas iniciativas de igualdade de gênero na atividade empresarial, com as certificações de boas práticas, que medem a paridade em recrutamento, capacitação, carreira profissional e acesso a cargos de direção.

A vontade política cresceu, destacou Bárcena, “mas isto tem de seguir lado a lado com os recursos econômicos, de itens no orçamento fiscal”. A isso deve ser somada uma “mudança de civilidade, onde as novas gerações se corresponsabilizem de outra forma”, acrescentou.

“Os direitos econômicos das mulheres devem ser respeitados e assegurados pelos Estados em seus projetos de desenvolvimento”, disse à IPS Rebecca Tavares, representante do Fundo das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) para o Brasil e o Cone Sul da América, organismo que participará ativamente do encontro em Brasília. “A crise econômica mostrou os limites e o esgotamento das práticas financeiras e econômicas atuais”, acrescentou. A seu ver, “se faz urgente uma análise em profundidade do modelo de desenvolvimento e maiores incentivos às experiências que aproveitem o ativo potencial produtivo das mulheres em sua totalidade”. Tavares deu como exemplo os “programas de transferência condicionada de renda a grupos vulneráveis pelas dimensões de gênero, raça, etnia e condição econômica”.

Além disso, a sociedade civil apresentará em Brasília uma ferramenta de monitoramento dos compromissos assumidos pelos países nestas conferências regionais da mulher. Trata-se do ISO-Quito, criado pela Articulação Feminista Marcosur (AFM), cujos primeiros resultados foram apresentados à IPS por Lucy Garrido, da equipe de coordenação desta entidade formada por redes regionais e nacionais e organizações não governamentais de sete países sul-americanos. Com base nos dados disponíveis, de 2007, a AFM criou vários indicadores, como uma escala de 0 a 1, onde o maior valor é melhor posição.

O Índice de Paridade Econômica e Trabalhista, que mede participação no mercado de trabalho, cobertura da assistência social, salário médio urbano e incidência da pobreza, é liderado pelo Uruguai, com 0,824 ponto, entre 17 países analisados. A seguir aparecem Brasil com 0,786, Paraguai com 0,772, Peru com 0,763, Argentina com 0,748 e Equador com 0,740. O México, a segunda economia da região, aparece em 11° lugar com 0,695, e o Chile, com alto desenvolvimento humano mas uma das menores taxas de participação feminina no trabalho, está entre os últimos colocados com 0,687 ponto.

O Índice de Compromissos Institucionais, no entanto, analisa aspectos como o impulso a leis de cotas para promover a participação política feminina, a existência de normas contra a violência machista e o assédio sexual, ou a assinatura e ratificação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (Cedaw).

Este índice, com dados de todos os países latino-americanos, também avalia a institucionalidade de gênero, a implementação de planos nacionais de igualdade e de pesquisas de uso do tempo e do trabalho não remunerado, e a legalidade de alguns casos de aborto. O país melhor situado neste caso é a Costa Rica, com 0,937 ponto, e o pior a Nicarágua, com 0,229 ponto. Outras nações com bom desempenho são Argentina, com 0,895, Equador, com 0,854 e Bolívia, com 0,833.

O Consenso de Brasília, com o qual se encerrará a conferência, destacará a melhoria das estatísticas, especialmente em matéria de violência sexista, e na avaliação e cooperação Sul-Sul de boas práticas, anunciou Bárcena. Além disso, possivelmente seja criado um observatório de políticas públicas. IPS/Envolverde

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Crédito: Daniela Estrada/IPS
Legenda: O trabalho em casa esgota a mulher latino-americana.

(IPS/Envolverde)

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