Nas entrelinhas, tudo já estava escrito. Horas antes de o general Stanley McChrystal apresentar-se ao presidente Obama na 4ª-feira, o New York Times noticiava que “a fuzilaria está sendo alimentada por dúvidas crescentes – também entre os militares –, sobre se é possível vencer no Afeganistão, ao mesmo tempo em que encolhe o apoio da população àquela guerra de nove anos; e cresce como nunca o número de mortos norte-americanos.”
Pouca diferença faz agora, para McChrystal, que os jornais tanto tenham falado dos seus hábitos pessoais espartanos (praticamente nem come nem dorme), da energia física (corre freneticamente) e dos sucessos acadêmicos (lê História) e militares. Não há indivíduo insubstituível.
McChrystal é estrela cadente há muito tempo. Alguns dias antes de a matéria de Rolling Stone acelerar a queda repentina dos píncaros da glória de fazedor de guerras, Joe Klein, com a sabedoria convencional do Time Magazine, já não usava meias palavras, ao avaliar os resultados obtidos por McChrystal: “Seis meses depois de Barack Obama ter anunciado sua nova estratégia para o Afeganistão em discurso em West Point, a estratégia continua em sinuca [ing. stymied].”
Essas expressões, “em sinuca” e “num beco sem saída” [ing. stalemate], têm sido frequentemente usadas em referência à guerra do Afeganistão. O que de modo algum significa que os militares norte-americanos considerem a retirada.
Walter Cronkite usou a expressão “beco sem saída” em famoso comentário, aos telespectadores da rede CBS, em fevereiro de 1968, pela rede CBS, quando disse que já era impossível, para os EUA, vencer a guerra do Vietnã. “Temos nos frustrado já vezes demais pelo otimismo dos líderes norte-americanos, no Vietnã e em Washington, para continuar acreditando nos tons prateados que eles veem até nas nuvens mais escuras” – disse Cronkite. E continuou: “Já parece impossível não ver que a sangrenta experiência do Vietnã acabará num beco sem saída.”
Vendo ou não vendo o beco sem saída, a guerra dos EUA no Vietnã prosseguiu por outros cinco anos depois daquele comentário, gerando horrores e mais horrores indizíveis em escala vastíssima.
Como milhares de outros ativistas norte-americanos, tenho alertado para a escalada da guerra do Afeganistão já há muito tempo. Cresceu a oposição à guerra, mas a situação hoje não é muito diferente da que descrevi em artigo de 9/12/2008: “Há, implícita na panaceia receitada pelos especialistas em política externa nos EUA, uma fé monolítica na massiva capacidade do Pentágono para produzir violência e infligir sofrimento. E o eco responde: a guerra do Afeganistão bem vale o preço que outros pagarão.”
Os eventos mais recentes refletem as regras não escritas que regem os comandos militares: tudo bem, se você quiser aprofundar uma matança horrenda. Mas nem pense em falar mal do comandante-em-chefe!
Fato é que os aspectos mais profundos do artigo “The Runaway General” [O general desembestado] da revista Rolling Stone pouco têm a ver com o general. O ponto de partida é – ou deveria ser – que a guerra dos EUA no Afeganistão é desastre sem solução; por mais que sejam insaciáveis os argumentos dos militares que aumentam, dia a dia, o desastre. “Em vez de iniciarem a retirada ano que vem, como Obama prometeu, os militares insistem em levar adiante aquela campanha de contraguerrilha, e cada vez maior” – lê-se em Rolling Stone. E “a contraguerrilha só conseguiu criar demanda perpétua pelo único produto primário que os militares sempre têm para vender: guerra perpétua.”
Há um tom lamentoso e sombriamente patético nas últimas palavras do editorial do New York Times que chegou aos lares e gabinetes poucas horas antes de o general enfrentar o comandante-em-chefe: “Seja o que for que decida fazer com o General McChrystal, é indispensável que o presidente Obama assuma imediatamente o controle de sua política para o Afeganistão.”
Como inúmeros outros veículos de mídia em todo o país, o conselho editorial do Times continua agarrado ao sonho da guerra antiguerrilhas universal comandada pelos EUA. (...)
Houve furiosa discussão sobre a demissão de um general desembestado terminal. Mas falta ainda, desesperadamente, por fim àquela guerra desembestada.