Roma, 17 de maio (Terramérica).- Eu estou furioso! E espero que você também fique após ler isto.
Hoje somos afetados por uma tragédia humana de proporções gigantescas, mas a maior parte dos políticos faz vista grossa. Em um mundo que gasta mais de US$ 1 bilhão ao ano com armamentos, um bilhão de pessoas passam fome todos os dias. O número de pessoas com fome e desnutrição aumentou em mais de cem milhões no ano passado.
A cada seis segundos, morre uma criança vítima de doenças relacionadas com a fome. Isso representa mais de cinco milhões de crianças por ano.
Isso me enfurece. Assim, agora faço soar um sinal e acuso. A verdade é que, durante os últimos 30 anos, o que os políticos fizeram a respeito é menos que nada. Desde meados da década de 80, em lugar de aumentar a assistência internacional à agricultura nos países em desenvolvimento, cuja meta é ajudar as pessoas pobres a se alimentar por si mesmas, os fundos foram reduzidos quase à metade. Caíram 43%.
Alguém poderia dizer que pelo menos agora os líderes mundiais falam do problema, já que a fome figura de maneira proeminente na agenda de seus encontros e reuniões de alto nível. É certo que, entre os flashes das fotos, fazem declarações grandiloquentes, se comprometendo com a ação rápida e decidida.
Mas, deixem-me voltar a acusar.
Em L’Aquila, na Itália, no mês de julho de 2009, os líderes do Grupo dos oito países mais poderosos assumiram um compromisso solene de investir US$ 22 bilhões em três anos para ajudar as nações em desenvolvimento a produzir o alimento que necessitam para seus povos. Mas, dez meses depois, apesar de grandes esforços para monitorar os compromissos e da criação de um fundo para o Programa de Agricultura e Segurança Alimentar Global do Banco Mundial, qual a quantia dessa ajuda prometida que chegou aos pequenos agricultores nos países menos desenvolvidos? Quase nada.
Isso acontece porque as palavras são menos caras do que o dinheiro. Mas as pessoas não podem se alimentar de palavras. Se pudessem, um bilhão de estômagos vazios estariam satisfeitos. Nos últimos 17 anos, tentou-se argumentar com os governantes, pedir e chamar a atenção para o risco de focos de violência como os distúrbios por falta de alimentos que vimos em 32 países em 2007 e 2008.
Mas a fome continua crescendo. Por isso decidi fazer soar o aviso e acusar, e preciso de sua ajuda. Preciso que faça o mesmo.
No dia 11 deste mês, em diversos atos ao redor do mundo, lançamos o projeto “1billionhungry” (um bilhão de famintos), e quero que você toque o sinal, o mais forte que puder, para despertar as pessoas, para que vejam que um bilhão de pessoas passam fome neste momento, e que entre 20 e 30 crianças morreram no tempo que levou para ler este artigo. Quero que você faça soar o alarme, para dizer que isto é inaceitável e que deseja o fim disto. Agora mesmo!
Em setembro irei a Nova York participar da Cúpula das Nações Unidas sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que revisará o progresso feito nas metas adotadas pela ONU em 2000. Uma delas é reduzir pela metade a proporção de pessoas com fome até 2015, tomando por base a situação de 1990.
A maravilha das estatísticas é que nos permitem, teoricamente, reduzir pela metade a proporção, mas ter um número real que é maior ainda do que era no começo. Isso porque a população mundial cresce ao ritmo de 80 milhões de habitantes ao ano, e porque as pessoas não são porcentagens.
O que me interessa é quantas pessoas sofrem fome e quantas crianças estão morrendo. Em outubro levarei uma petição (disponível no site http://www.1billionhungry.org/rlcprensa) aos governantes mundiais, por meio das Nações Unidas, para dizer-lhes que estamos fartos de viver em um mundo faminto. Para chamar sua atenção, preciso de pelo menos um milhão de assinaturas nesta petição. Espero que você esteja com raiva. Espero que esteja furioso. E quero que seu nome também figure ali.
* Jaques Diouf é diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO). Direitos exclusivos da IPS.