Projeto de lei considera vestimenta como símbolo de opressão. Ativista brasileira diz que véu é parte da cultura muçulmana
Recentemente políticos franceses mobilizaram ações em favor de uma lei que proíbe a burca (vestimenta que cobre todo o corpo da mulher e deixa os olhos visíveis através de uma tela) e da niqab (véu integral, em que apenas os olhos ficam descobertos), nos locais públicos. A medida obriga a mulher a não esconder o rosto na entrada do serviço público e mantê-lo descoberto durante a permanência no local. A recusa não implicaria em medidas penais, mas os serviços solicitados, como em um hospital, não seriam prestados.
Uma das justificativas para a proibição se aplica à manutenção dos valores do Estado laico. Os críticos também afirmam que o véu representa violação dos direitos humanos e é um símbolo de opressão contra as mulheres. Outra questão apontada pelo Parlamento da França é a utilização das vestimentas como mecanismo para atividades terroristas, pois esconde a face do suposto facilitador. No ano passado, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, admitiu ser favorável à proibição da burca, pois a vestimenta contraria todos os princípios de liberdade e igualdade cultivados desde a Revolução Francesa.
Contrários à medida afirmam que a discussão tende a desviar de assuntos importantes, como a economia, pois a maior parte das mulheres mulçumanas que vivem na França não utilizam a burca ou a niqab. Noura Jaballah, do Fórum Europeu das Mulheres Muçulmanas, em entrevista ao site português “Voa News”, afirma que a proibição “estigmatiza injustamente” a comunidade mulçumana. Pesquisas anteriores já mostraram que a população francesa é favorável à decisão.
A economista brasileira de origem palestina Amyra El Khalili, ambientalista e idealizadora do movimento Mulheres Pela Paz, defende a tolerância em relação ao tema. Khalili critica o uso obrigatório da burca, imposto pelo regime talibã, da mesma forma que o boicote ao véu no ocidente também representa opressão. “Tudo que envolve comportamento do ponto de vista da imposição é violência”, analisa. Khalili destaca que o uso da burca no Afeganistão viabilizou a captação de imagens sobre as violações do governo fundamentalista. “Muitas delas escondiam câmeras em suas roupas, o que possibilitou divulgar e denunciar as violações para o mundo”, revela.
Direito de usar a burca
A economista reafirmou o caráter cultural do traje para as muçulmanas e condenou sua proibição. “Se a mulher mulçumana quiser usar o véu, a burca ou niqab, está no seu direito. A proibição implica em discriminação, resistência em relação a esta cultura. O véu é um hábito antigo no mundo mulçumano”, disse. Amyra lembrou ainda que o uso de véus já fez parte de outras religiões. “Muitas judias ortodoxas usam véus, antigamente as mulheres católicas iam à missa com a cabeça coberta. Por acaso somos obrigadas a usar decote ou roupas com barriga de fora?”, explica.
Imposições da sociedade
Para a ativista a sociedade atual faz das mulheres “vítimas da burca ocidental”, que está no inconsciente e traz à tona imposições ditadas pelos padrões de beleza. “No ocidente, vivemos esta opressão, semelhante a situações das mulçumanas nos regimes extremistas. Aqui somos obrigadas a ser belas, magras e com corpos perfeitos. Por muitas vezes já senti vontade de usar um véu, nem sempre estamos dispostas à exposição da imagem”, diz.
Segundo Khalili, antes que se atribua a utilização do véu a conceitos totalitários do mundo islâmico, é preciso que se faça uma análise a respeito do “fundamentalismo” existente em toda a sociedade. A ambientalista destaca os dilemas, a violência e os preconceitos enfrentados pelas mulheres no meio social. “Há opressão e submissão em qualquer lugar. A mulher conquistou seu espaço no mercado de trabalho, mas não teve independência. Ela precisa cumprir jornadas no trabalho, em casa e na educação dos filhos”, finaliza.