A história se repete. Nada sugere que a mídia ocidental tenha aprendido alguma coisa do escândalo de noticiar a existência, no Iraque, de armas de destruição em massa que jamais existiram. Há oito anos, aquele noticiário foi usado para justificar a invasão norte-americana.
O assassinato do Dr. Massoud Ali Mohammadi, físico nuclear da
Universidade de Teerã, na 3ª-feira, que o governo iraniano suspeita que
tenha sido obra dos EUA, Israel e da 5ª-coluna de seus cúmplices dentro
do Irã, é o mais recente sinal de uma odiosa guerra de sombras contra o
Irã e a posição que o país adotou de não se render aos desejos de
Washington.
Os EUA negaram oficialmente qualquer participação no incidente, no qual uma bomba instalada numa motocicleta
e acionada por controle remoto explodiu junto à casa do professor de 50 anos, no bairro de Qeytariyeh, na zona norte de Teerã.
Bill Burton, secretário de imprensa da Casa Branca, declarou que a acusação seria “absurda” e que não seria comentada, “para evitar prejulgamentos antes de que se soubesse o que realmente aconteceu”.
Para Ramin Mehman-Parast, um dos porta-vozes do ministério da Relações Exteriores do Irã, “as investigações preliminares mostram os primeiros traços de uma triangulação de vilanias, entre EUA, o regime sionista e seus agentes, no ataque terrorista contra o Irã”.
Há apenas alguns dias, circularam notícias não confirmadas de que o Irã estaria reduzindo o ritmo de seu programa de produção de combustível nuclear, como gesto de boa-vontade, para dar à diplomacia melhores condições para trabalhar – e, isso, depois intensa ação de lobby pelos principais diplomatas da União Europeia, nas negociações com o Irã a respeito do programa nuclear nacional. Também esses diplomatas insistem para que o Irã desista do programa de enriquecimento de urânio, que para muitos teria finalidades bélicas – ideia que o Irã tem desmentido com vigor repetidas vezes.
O assassinato do professor Mohammadi pode ter explodido também esses desenvolvimentos mais recentes; e pode forçar o Irã a voltar à posição mais dura. O assassinato também veicula mensagem clara, de que forças poderosíssimas opõem-se a qualquer tentativa de pacificar as relações entre EUA e Irã.
A agência noticiosa iraniana Fars citou um porta-voz da Organização de Energia Atômica do Irã, na qual o especialista desmente “boatos” de que o Prof. Mohammadi trabalhasse para a Organização, como que para esfriar quaisquer especulações de que o assassinato visaria a deter o programa nuclear iraniano.
Apesar disso, Mahan Abedin, correspondente de Asia Times Online, e especialista em Irã, observa que, embora seja verdade que não fosse funcionário da Organização de Energia Atômica, o Prof. Mohammadi tinh a longa cadeia de relações com organizações científicas e de pesquisa muito ativas no centro do programa nuclear iraniano, como, dentre outras, com o Instituto de Física Teórica dirigido por Mohammad Javad Larijani.
Também circularam notícias de que Mohammadi teria ligações com a oposição iraniana, principalmente com Mir Hossein Mousavi, ex-primeiro ministro radical e atual líder da oposição reformista.
Para Mahan, “A oposição liderada por Mousavi é profundamente leal à República Islâmica do Irã. Em todos os casos e de todos os pontos de vista, ela está muito distante dos dissidentes desleais que vivem no Ocidente. A oposição leal que há dentro do Irã não questiona – e apoia decididamente – os imperativos estratégicos e ideológicos fundamentais em que se baseia o programa nuclear nacional iraniano. Nada disso, contudo, parece relevante, se se pensa no atentado. Todas as evidências sugerem que o professor assassina do era apolítico e completamente dedicado ao seu trabalho científico”.
De início, a Anjoman-e-Padeshahi (Associação Monárquica), grupo que trabalha para a restauração da família Pahlavi (do regime pró-EUA derrubado pela Revolução Islâmica de 1979), anunciou que seus “Comandos Tondar” estariam por trás do atentado. Imediatamente, fontes internas do mesmo grupo desmentiram qualquer envolvimento. E é pouco provável o envolvimento de um dos principais grupos da oposição iraniana, Mujahideen-e-Khalq, sediado no Iraque, que tentou assumir a responsabilidade pelo atentado, porque se sabe que o grupo, desde 2001 renunciou à violência.
O assassinato da 3ª-feira ocorre logo depois do desaparecimento de outro cientista nuclear iraniano, Shahram Amiri, desaparecido durante peregrinação a Meca, na Arábia Saudita, no final de maio de 2009. Teerã declarou sem meias-palavras que o professor Amiri fora sequestrado por agentes da CIA. Rel atos de dezembro, não confirmados, diziam que o professor Amiri fora entregue à custódia do governo dos EUA, por autoridades sauditas.
Os dois casos devem ser interpretados como assalto ao patrimônio científico nuclear iraniano – perfeito simulacro, com efeitos equivalentes, de uma invasão militar com assalto ao território, e que se articula à incansável campanha da propaganda ocidental, por jornais, televisão e internet – e contra o programa nuclear iraniano.
Só nos últimos meses, houve manchetes e matérias de primeira página no Times of London, no New York Times e no Washington Post com “revelações” sobre gatilhos de nêutrons, urânio que o Irã teria comprado do Cazaquistão e, mais recentemente, “o labirinto de túneis” no qual o Irã teria supostamente enterrado “grande parte” de seu complexo de instalações nucleares – manchetes e matérias que não resistiriam a melhor investigação por jornalismo mais criterioso.
O documento sobre “o gatilho de nêutrons”, como se sabe hoje, não era documento original e autêntico, mas documento ‘maquiado’; e a Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), que teve pleno acesso às instalações nucleares iranianas, informou diretamente a mim que jamais encontraram qualquer evidência de que existissem os “túneis nucleares” de que o New York Times falara.
Isso não implica que o Irã não tenha tomado contramedidas para precaver-se contra ataque militar. (Sobre isso, ver Iran places trust in 'passive defense' Asia Times Online, 13/1/2010, e
http://atimes.com/atimes/Middle_East/LA13Ak06.html). Mas, como confirma o enviado do Irã à Agência Internacional de Energia Atômica, Ali Asghar Soltanieh, uma pequena centrífuga instalada em Fordow, próxima da cidade de Qom, é a única instalação nuclear iraniana subterrânea – e ainda está sendo construída, devendo começar a operar dentro de dois anos.
A história se repete. Nada sugere que a mídia ocidental tenha aprendido alguma coisa do escândalo de noticiar a existência, no Iraque, de armas de destruição em massa que jamais existiram. Há oito anos, aquele noticiário foi usado para justificar a invasão norte-americana.
Há grave perigo nessa guerra de sombras, que ainda pode torna-se mais grave, caso o Irã decida contra-atacar, sobretudo no Iraque e no Afeganistão. De fato, com EUA e Irã já praticamente codependentes em termos da segurança regional, ameaçados, ambos, pela al-Qaeda e os Talibã, não interessa nem aos EUA nem ao Irã que, nessa delicada conjuntura, suas relações se tornem ainda mais precárias e frágeis.
Se se relacionam possíveis novas sanções contra o Irã e as ameaças que pesam sobre a democracia iraniana, o movimento que a secretária de Estado dos EUA Hilária Clinton anunciou em recente pronunciamento é mais um movimento errado. A fala da secretária de Estado contribui para deslegitimar o movimento pró-democracia, ao mesmo tempo em que reforça a posição dos opositores linha-dura. O q ue interessa à secretária Clinton, que pede “sanções pontuais”, talvez agrade à elite iraniana e faça sentido como item da agenda de política exterior dos EUA, mas não encontrará eco favorável na ONU, onde a China já manifestou oposição expressa a novas sanções; opinião que, com menor ênfase, a Rússia também partilha.
Para tentar neutralizar a oposição de China e Rússia, os EUA têm recorrido a ameaças e dito que, a menos que se aprovem novas sanções, só restará optar pela ação militar; como já disse o almirante Mike Mullen, chefe do Conselho do Estado-maior, os EUA estão em processo de preparar um ataque ao Irã e mantêm sob análise “todas as opções”.
A ideia de que o Irã recuaria ante esse tipo de ameaças é herança macabra do governo de George W Bush; não deu certo daquela vez e é pouco provável que dê certo agora.
O governo Barack Obama fará melhor, se quiser salvar o autodetonado barc o de sua política para o Irã, se recuar e reativar a intuição inicial, de que só a diplomacia persuasiva tem alguma chance de levar a resultados que interessem aos EUA no Irã. Infelizmente, misturada à poeira da explosão que matou o professor Mohammadi, vêem-se crescer as sombras de uma guerra que os EUA parecem decididos a declarar contra o Irã.
Kaveh L Afrasiabin é cientista político, pós-graduado em Harvard. É autor de
After Khomeini: New Directions in Iran's Foreign Policy (Westview Press).
Seu livro mais recente, Reading In Iran Foreign Policy After September 11
(BookSurge Publishing) foi lançado dia 23/10/2008.
O artigo original, em inglês, pode ser lido em:
http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/LA14Ak02.html