George W. Bush proclamou-se, sem acanhar-se, um “presidente de guerra”. O presidente Obama segue o mesmo caminho. Nesse momento, os fronts de guerra do governo Obama incluem as guerras herdadas no Iraque e no Afeganistão, uma guerra não-tão-disfarçada no Paquistão, e potencial guerra nova no Iêmen. (E há quem fale de ações militares em andamento nas Filipinas, de guerra às drogas com colaboração de exércitos dos EUA na Colômbia, e de taques periódicos na Somália.) Embora o envio de mais soldados para Afeganistão e Paquistão vise, supostamente, a conter lá a al-Qaeda, os EUA descobrem-se hoje às voltas com mais um país e mais um braço daquela organização, que parece ter mil braços.
Em 2002, artigo publicado em USA Today sobre atentado e assassinato no Iêmen, começava assim: “Abrindo visivelmente nova frente da guerra ao terror, forças dos EUA lançaram míssil teleguiado contra o Iêmen...”. Apenas pouco mais de sete anos adiante, depois de muitos mísseis lançados pelos EUA contra o país, e ataques aéreos dos EUA contra alvos ‘privilegiados’ (?) inimigos do governo do Iêmen apoiado pelos EUA, o New York Times anunciava, “Em meio a duas grandes guerras em andamento, os EUA silenciosamente abriram um terceiro, em boa parte até agora ocultado front de combate contra a Al-Qaeda, no Iêmen.”
Dias depois de um ataque terrorista fracassado a um avião, por um único jovem nigeriano muçulmano, imediatamente reivindicado por um grupo que se autodenomina “al-Qaeda da Península Arábica”, o barulhento coro rotineiro dos norte-americanos pró-guerra ergue-se, armado, a favor de mais um front de guerra ao terror. (O senador Joseph Lieberman: “O Iraque foi a guerra de ontem. O Afeganistão é a guerra de hoje. Se não agirmos preventivamente, o Iêmen será a guerra de amanhã.”) O que começou como mais um atentado cometido pelo governo Bush em 2002, ameaça converter-se em mais uma guerra de Obama em 2010.
Os EUA não mandaram apenas Forças Especiais para o Iêmen. Hoje, despejam no Iêmen centenas de milhões de dólares para rearmar as forças de segurança do Iêmen, em dramático movimento para super-armar mais um país do Oriente Médio. Ao mesmo tempo, a Arábia Saudita, apoiada pelos EUA – cuja aliança com Washington serviu de detonador para a atual guerra contra a al-Qaeda – ajuda o exército do Iêmen também em guerra, por sua vez, lá, contra os rebeldes Houthi.
Há aí um caldeirão de bruxedos ferventes de confusão. É preciso ficar de olho no Iêmen (espiando de hora em hora na direção da Somália, o fracassado Estado do Golfo de Aden). Aí há tudo para gerar mais ‘financiamentos’, mais ‘treinamentos’, mas ‘ações de pré-guerra’ e, provavelmente, nova completa guerra para 2010.
8. Quão brutais serão as guerras dos EUA em 2010?
No que tenha a ver com guerras à moda dos EUA, a palavra-chave de 2009 foi “counterinsurgency” ou COIN [traduzida em todo o mundo por variantes de “contrainsurgência”. No Brasil, poderia ser traduzida sempre como “contraguerrilha”. NT.] A palavra é uma espécie de segunda tradução de “guerra”, mas à moda dos EUA: uma estratégia baseada em “limpar e defender” territórios, combinada com “proteger” os civis. A importância da “contraguerrilha”, como explicou o comandante dos EUA na guerra do Afeganistão, general McChrystal, não está tanto em matar o inimigo, mas em impor-se “ao povo”. Escrito, até que se entende: seria uma versão mais bem-educada da guerra; historicamente, todas as operações de contraguerrilha se mpre naufragaram no fundo do poço da máxima brutalidade. Portanto, aí vai uma palavra em relação à qual todo o cuidado será pouco, em 2010: “contraterrorismo”. Por definição, trata-se do lado mais negro do fundo do poço da brutalidade da contraguerrilha. Em vez de botas na lama, balas na nuca.
O general McChrystal era, até há pouco tempo, homem do contraterrorismo. Chefiou o JSOC (Joint Special Operations Command) no Iraque e no Afeganistão. Seus agentes eram chamados, menos polidamente, “caçadores de cabeças”. Tradução: assassinos. Com McChrystal no comando, general que credita ao seu programa de assassinatos em grande escala boa parte do sucesso dos EUA no Iraque em 2007, seria apenas questão de tempo, antes que o contraterrorismo – que é terrorismo em uniforme do exército, com nome mais sofisticado – invadisse o Afeganistão (e, claro, também o Paquistão). Embora os aviões ainda não tenham (talvez) decolado, os guys que chutam portas na calada da noite e tantas vezes são aut ores do massacre de civis não demorarão a assumir o chamado ‘controle’ das chamadas ‘operações’.
2009 chegou ao fim, com notícias sobre soltar as mordaças dos ‘camisas negras’ de McChrystal começando a aparecer na imprensa. Portanto, toda a atenção à palavra “contraterrorismo”. Se começar a aparecer muito, saberemos que a guerra do Afeganistão entrou em fase de expansão ilimitada e imunda. Para os norte-americanos, 2010 poderá ser o ano do assassino.
9. Para onde irão os teleguiados não tripulados em 2010?
Se há coisa à qual prestar muita atenção em 2010 são os veículos teleguiados não tripulados – drones – cujas rotas são secretas, no caso da Força Aérea estacionada na distante base aérea de al-Udeid no Catar; e no caso da base da CIA, ainda mais longe, em Langley, Virginia. Os teleguiados não tripulados norte americanos já estão nos vastos céus sobre a fronteira tribal do Paquistão; e Washington ameaça sempre com mais e mais teleguiados. Pense nesses aviões-robôs como o fio-guia do gume mais afiado de uma guerra global à moda dos EUA. Embora ainda seja proibido aos soldados norte-americanos que estão no Afeganistão “perseguir por terra” em território paquistanês, os drones há muito tempo têm carta branca para invadir área s tribais de fronteira com o Paquistão.
Talvez mais importante, os drones – tomando uma frase de “Guerra nas Estrelas” – vão até onde nenhum homem jamais chegou. Desde o primeiro assassinato com teleguiados da Guerra Global ao Terror – que aconteceu no Iêmen em 2002 –, quando vários homens ditos militantes da al-Qaeda foram queimados vivos dentro de um carro, os teleguiados dos EUA estão em campo, explorando territórios. Já atacaram no Iraque, Paquistão, Afeganistão e possivelmente também na Somália. Primeiros robôs exterminadores da nossa era, eles simbolizam o fracasso do poder dos EUA para fazer guerras controladas pelo Congresso e pelo povo dos EUA. Para começar, os drones teleguiados tornam cada vez menos significativas as fronteiras (e, portanto, qualquer ideia de soberania), dado que os ataques são lançados contra qualquer um que seja dito inimigo dos EUA, sem qualquer informe confiável de inteligência ou prova.
Com seus drones, só muito raramente os EUA terão de responder por seus assaltos, mas a taxa de sucesso sempre poderá ser considerada alta, porque, caso um ou outro inimigo pressuposto não esteja onde o drone foi mandado para matá-lo, lá sempre estará qualquer outro ser vivo que, sim, será efetivamente morto.
Em termos globais, os EUA converteram-se em Estado líder dos assassinos globais – juiz, jurado e carrasco-executor, acima de qualquer força à qual deva explicações. Os mísseis teleguiados não tripulados fazem de nós mesmos juiz e assassinos. É evolução terrível. Para 2010, o número de mísseis teleguiados não-tripulados aumentará muito. Boa medida de precaução será observar atentamente quais outros países cuidarão de produzir seus próprios mísseis teleguiados, seguindo os passos da estrada que os EUA estão abrindo. Vivemos tempos em que todos os desenvolvimentos tecnológicos logo se espalham pelo mundo – e muito depressa.
O elemento-surpresa
Sabemos uma coisa: 2010 será mais um ano de guerra para os EUA e, de campanhas de assassinatos em massa a novos fronts de guerra – mesmo que já não seja chamada de Guerra Global ao Terror, ainda assim continua global e baseada no terror –, tudo ficará ainda mais horrendo. O governo Obama talvez, de tempos em tempos, fale de retirada; mas em todo o Oriente Médio e na Ásia Central, o Pentágono e seus empreiteiros contratados continuam cavando e cavando. Ao mesmo tempo, cada vez mais dinheiro, não menos, é aplicado para preparar e planejar novas guerras. Nas palavras de William Hartung, “Se os atuais planos do governo forem levados avante, o gasto militar começará a aumentar logo e aumentará sem parar por, no mínimo, outra década.”
No que tenha a ver com guerras, as únicas perguntas são: até onde? Quanto custará? Não: Por quanto tempo? A resposta de Washington a essa pergunta já foi dada, não em falas públicas, mas no orçamento do Pentágono e nos planos que o complementam: para sempre e mais um dia.
Claro: “para sempre”, só os diamantes. Mais cedo ou mais tarde, como os grandes poderes imperiais do passado, os EUA também descobrirão que o desgaste de guerrear guerras sem fim em terras distantes e sob climas inóspitos pesa dolorosamente demais. “Vençam” ou não no Iraque, no Afeganistão, no Paquistão e, agora, também no Iêmen, os EUA sempre perderão. Com o quê, chegamos a nossa última pergunta:
10. O que surpreenderá os EUA, em 2010?
Seria o cúmulo do orgulho arrogante, da autoconfiança mórbida, imaginar que se possa adivinhar o futuro, sobretudo em matéria de guerra. É de fato o cúmulo da arrogância e da autoconfiança pervertida de Washington acreditar que possa controlar o destino da guerra que Washington inventou, seja mediante táticas de “shock-and-awe” que com certeza funcionam, seja graças à perfeição-sem-erro dos militares que não falham, ou, como mais recentemente, uma força dedicada a fazer guerra de ‘contrainsurgência’ contra “corações e mentes” no Afeganistão e, em seguida, globalmente (sob a sigla obscena de “global contrainsurgency, GCOIN”).
A essência da guerra é a surpresa. Portanto, apesar dos bilhões de dólares, das armas high-tech e dos vários itens discutidos acima, mantenham os olhos bem abertos para o inesperado e não-compreendido. No entretempo, vejam passar o triste desfile da guerra à moda dos EUA, já no primeiro dia da segunda década do século 21, que começa em turbilhão.
O artigo original, em inglês, pode ser lido em:
http://www.tomdispatch.com/post/175185/tomgram%3A_the_year_of_the_assassin/