Sobre uma Sugestão de Lungaretti

Em seu post do domingo 6 de dezembro, o companheiro e amigo Celso Lungaretti publicou uma matéria com um título mais do que sugestivo “É Hora de Denunciarmos Todos que Estupram o Jornalismo”. O assunto se referia a vários jornais e revistas, mas principalmente à obsessiva campanha de Carta Capital contra Cesare Battisti.

Em verdade, nós (os ativistas de Direitos Humanos) evitamos, na medida do possível, entrar em polêmicas. Nosso objetivo é encontrar casos de violação desses direitos, denunciar-los por todos os meios possíveis, pressionar para sua restauração e para a punição dos autores das violações. Quanto à parte mais intelectual, mais teórica, mais “verbalizada” da luta pelos DH, esta consiste em: divulgação de violações a esses direitos, difusão de informação geral que possa aplicar-se aos casos mais graves e, sobretudo, educação das pessoas no respeito a esses direitos, incluindo esclarecimentos sobre aspectos políticos e sociais (origem de brutalidade policial, ditadura dos órgãos jurídicos, etc.)

Polemizar com pessoas que têm uma posição oposta é muito difícil em assuntos tão radicais como direitos humanos. Se alguém acha que a tortura pode ser boa, essa pessoa é, geralmente, irrecuperável, e só algo muito dramático em sua vida poderá mudar essa visão. Por exemplo, conheço um político argentino, ministro da ditadura de 1966, militante católico, cujos filhos foram seqüestrados pelos militares durante a outra ditadura, a de 1976. Nunca reapareceram. Como por mágica, ele se transformou num defensor dos DH e ganhou bastante notoriedade. De vez em quando resmungava: “meus filhos estavam certos”. Penso que a utilidade objetiva da enorme atividade que este senhor fez foi muito útil aos DH, e que sua indignação contra a ditadura de 76 era verdadeira. Mas também é verdade que dificilmente teria mudado de posição se não tivesse “tomado de sua própria medicina”.

Entretanto, o que propõe Lungaretti é denúncia e não polêmica.  A denúncia, porém, deve se basear em dados objetivos. Quando alguém denúncia uma afirmação e não um fato, geralmente o objetivo é mostrar que essa afirmação é falsa. Isto não é tão fácil como parece. As matérias as quais se refere Celso, publicadas em Carta Capital, são, em sua maioria, impossíveis de submeter a uma análise do que é verdadeiro ou falso. Como sabemos, muitos juízes, especialmente os que ocupam altos cargos (como o ex-desembargador que está na linha de frente na campanha contra Battisti) se vangloriam que as decisões judiciais são tomadas por convicção subjetiva; depende de se juiz acha ou não que o réu deve ser enforcado. Então, verdade ou falsidade objetiva são irrelevantes.

No caso do fundador de Carta Capital (CC), é difícil fazer críticas sérias, porque toda sua linguagem está eivada de um espírito de revanche, sarcasmos, injúrias, frases irônicas, das quais o único possível fazer é aceitá-las ou sentir mal-estar (o que é meu caso). Por exemplo, dizer que Fred Vargas é uma Ninfa Egrégia do caso Battisti... o que significa? O termo tem um senso profundo de achincalhamento. Como se lida com isso? O que é uma Ninfa Egrégia?

Pessoalmente, rara vez li CC no passado e, talvez por falta de perspicácia ou inteligência de minha parte, sua leitura nunca me lembrou de revistas de esquerda como as que eu conhecia. Me pareceu, sim, um órgão anti-ditadura, pró-civil, que representa o projeto de uma burguesia nacional, que não aceita a concorrência desleal do imperialismo, e que pretende um capitalismo forte e menos selvagem: em fim, um órgão de tipo social-democrata  no sentido atual. Sei que a socialdemocracia já foi marxista e fez grandes contribuições em algumas sociedades, como a Escandinávia, mas me refiro à socialdemocracia tipo Billy Brand ou socialismo italiano. Aliás, encontrei muita semelhança com revistas de fala espanhola editadas pelo Partidão. Sob tais circunstâncias, as diatribes contra Battisti realmente não me surpreenderam nem um pouco.

Pessoalmente, estou costumado com as práticas dos Partidos Comunistas do CONE SUL (não estou incluindo todos nos mesmo bojo), e com outros grupos que se posicionam como “esquerda do sistema”, e com a forma que agiram, especialmente na Argentina, durante o grande processo de esquerda dos anos 60 e 70. Eles denegriram a esquerda, não hesitaram em denunciar militantes de esquerda (não armada, mas pacífica) que tentavam formar base em empresas ou instituições, sabotaram passeatas, e durante o governo de Videla, apoiaram o ditador (o mais terrível do pós-guerra junto com Pinochet) dizendo que ele era o grande obstáculo para Pinochet, devido ao conflito Argentina-Chile. Usavam como arma o chauvinismo, o pior sentimento que o Marxismo já repudiou.

Pessoalmente, não tenho ressentimentos, mas sempre achei infame que o PC de Argentina chama-se aos membros de Anistia Internacional, agentes da CIA, uma afirmação não apenas preconceituosa, como empiricamente falsa. Por sinal, como a direita nem sempre aceitava a submissão do partidão (por causa de que o nome "comunismo" está desde 1848, aderido aos piores ódios das forças conservadores), muitas vezes os próprios comunistas cairam presos e precisaram  que nós, agentes da CIA, tentássemos mobilizar a opinião pública para tirá-los da cadeia.

Em fim, para fazer breve: a onda de ex-esquerda pós-estalinista sempre combateu a esquerda, a partir de 1970, mais ou menos, quando as divergências se tornaram incontornáveis. Então, por que Carta Capital, que representa esse espírito, deveria surpreender?

Além destes problemas genéricos, que não atendem a nenhum critério empírico, há outros. Um deles é o da falta de mínima coerência das afirmações do grupo anti-Battisti. É claro que verdade e falsidade não são problemas de ética, mas se você torce suas afirmações para se adequar ao que é mais conveniente neste momento, a crítica torna-se impossível. Num momento, um segmento do discurso pode ser verdadeiro, em outro poder ser falso, etc.

Analisar desde um ponto de vista crítica discursos de ódio e divagações é quase impossível. O que cabe é uma análise psicológica que está fora de minha competência. Entretanto, talvez seja possível juntar algumas das afirmações mais recentes e encontrar algum sentido. Nesses casos, a crítica é possível.

Em 10/07/2009, Mino Carta faz sugestões de que Suplicy pagaria as viagens de Fred Vargas (e dai?), ironiza que ela seja uma boa escritora, e se mostra indignado de que uma pessoa mortal como ela tenha o descaro de criticar a justiça italiana, baseada na milenar revelação divina que quase todos italianos, mesmo os comunistas, aceitam. A baixaria se completa com um sarro sobre o apelido da escritora.

Bom, o que pode ser denunciado que valha a pena?

O único segmento que se refere a algum fato objetivo sem ser pura provocação, é aquele onde afirma que Tarso Genro acreditou que Battisti corria risco na Itália, porque o próprio refugiado lhe disse. Bom, não sei como Tarso Genro deduziu que na Itália há perigo para os DH, mas comprová-lo não é nada difícil. Entre os muitos testemunhos está o de Patrizio Gonnella, presidente de Antigone, uma ONG que estuda exclusivamente as prisões italianas, que  dirigiu expressamente a Lula uma carta pessoal, lhe sugerindo refletir sobre o perigo que Battisti confrontaria se fosse repatriado.

Eu não acho justo exigir de ninguém que aceite o critério de autoridade e confie em Patrizio Gonella; esse o tipo de atitude que conduz a sociedades intolerantes. Mas, um conselho: informem-se sobre Antígone; leiam o histórico de crimes políticos na Itália, não apenas antigos, mas também recentes; vejam nos próprios jornais italianos as mortes por suicídio e os casos de mortes “súbitas” não explicadas dentro de celas e delegacias. 

Aliás, a Corte de Direitos Humanos de Europa, que joga no lixo 90% ou mais dos processos de refúgio que apresentam indivíduos desconhecidos (especialmente ciganos, romenos, africanos, albaneses, alguns turcos, árabes, sintus, etc.), não pôde evitar repreender a Itália três vezes pela brutalidade do 41-bis. A Corte, que procura “amortecer” as críticas das ONGs independentes, não se teria dado a esse trabalho, se a situação não fosse muito crítica.

Procurem informações sobre DSSA, que encontrarão até no jornal La Reppublica, vejam a folha corrida de La Russa, que dizia esperar ansiosamente a chegada de Battisti. Acessem o site de AIVITER. Leiam as ameaças que seus membros fazem contra o que eles chamam “gentalha suja e infame”. Esses são os defensores de Battisti. Já os ex-militantes como Battisti são qualificados de maneiras irreproduzíveis.

Em 04/12/2009, Mino Carta faz uma autocrítica de suas antigas críticas a Gilmar Mendes,  mas agora o exalta como mente luminosa num STF que, já caótico, dá direitos exorbitantes a Lula por 5 a 4. Como de hábito, a maioria da matéria é pura retórica. Um ponto interessante pode ser este: sua observação que se Lula descumprir o tratado de extradição com Itália, não se entende por que esse tratado foi assinado. Eu pergunto isso também: esse tratado, assinado muito antes de Lula, quantas vezes foi necessário ao Brasil? Os especialistas em relações internacionais podem dizer quantas vezes precisamos reclamar a Itália por um brasileiro que tenha cometido um crime e se assentou na Península?

Para Itália, o tratado é excelente, porque a mentalidade vingativa e cheia de rancor daquele povo que fechou as portas de ciência no século 17 (e nunca as reabriu), sempre encontrará em Brasil algum ex-ativista ou militante estudiantil, ou dissidente, para o qual foi preparada uma fogueira. Então, acho que Mino Carta dá uma idéia involuntária, porém excelente. O presidente deve considerar a possibilidade de denunciar um tratado que em nada beneficia ao Brasil. Se eu fosse parlamentar, proporia imediatamente que o Senado denuncie esse tratado.

Aliás, os brasileiros na Itália não são extraditados para o Brasil, são simplesmente expulsos, quando conseguem sobreviver.

Há muitos outros textos, tanto no blog de Mino Carta como o do juiz Walter, mas, ao que parece, todos eles são muito repetitivos. É sempre uma dose de ironia, com alguma baixaria moral, anedotas sem importância (por exemplo, que Napolitano foi um militante comunista faz 40 anos, ótimo!), em fim, não acho que exista muita coisa pontual para criticar.

Creio que quando Lungaretti fala de denúncia entende-se advertir ao leitor que está sendo manipulado. Isso é verdade. Mas, sinceramente penso que os que acreditam em Carta Capital, Folha e outros, é porque gostam de acreditar, ou seja, estão no mesmo time. Os que precisam esclarecimento são as pessoas que estão fora dos canais de comunicação.

Entendo que sim devem criticar-se detalhes pontuais. Por exemplo, no dia 20/11, quando a Folha acusou Battisti de estar envolvido com terroristas. Essa foi uma provocação da PF e do MP, que se esvaziou em seguida por absurda. Mesmo assim, eu fiz um comentário que foi publicado em vários sites, analisando a estratégia da Polícia de acrescentar coisas contra Battisti para fazer sua barra mais pesada.

Creio que a melhor maneira de denunciar essas pessoas é passar boa informação. Por exemplo, mostrar que é falso que nas democracias não há corrupção judicial, que é falso que a polícia italiana não tortura, e assim em diante.
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