FAIXA DE GAZA - Dez meses depois de as escavadeiras do Exército israelense demolirem sua casa, Mohammed Khader, sua mulher e suas cinco filhas continuam vivendo em uma tenda de campanha na qual a cada dia sentem com mais intensidade o frio do inverno.
A ofensiva israelense de dezembro e janeiro contra Gaza deixou 1.400 palestinos mortos, 11.000 casas destruídas ou danificadas e 500 famílias em tendas de campanha; um desses abrigos acolhe Mohammed e sua família.
Os danos materiais causados pela operação militar não puderam ser reparados devido ao ferrenho bloqueio que Israel mantém sobre o território palestino, o que impediu a entrada de materiais de construção. Muitos dos que perderam suas casas conseguiram alugar apartamentos baratos ou foram morar com familiares, mas os mais pobres, como a família Khader, com cinco meninas entre 1 e 16 anos, não puderam ser amparados por seus parentes, que vivem em casebres minúsculos.
A única solução para eles foi permanecer no campo de refugiados temporário de Salam, na cidade de Jabalya (norte de Gaza), onde dezenas de famílias esperam por uma reconstrução que parece que não acontecerá nunca.
No primeiro dia da invasão terrestre, a casa de Mohammed Khader foi alvo das bombas de tanques israelenses, e sua aterrorizada família teve de fugir e se refugiar na casa de amigos.
Seus pedidos de ajuda ao Crescente Vermelho durante a operação foram infrutíferos: ninguém conseguiu chegar ao lugar onde se encontravam para tirá-los de lá, e o máximo que fizeram foi aconselhar a família a abandonar a região agitando bandeiras brancas.
"Estávamos assustadíssimos e tivemos de caminhar cerca de dois quilômetros até a casa do meu tio", explica Mohammed, um trabalhador da construção civil de 46 anos.
Após a retirada das tropas israelenses, a família Khader voltou para o local onde ficava sua casa, mas só encontraram escombros.
Os Khader receberam 4 mil euros do movimento islamita Hamas, que governa Gaza, e mais ajuda da agência de desenvolvimento da ONU, que gastaram em roupas e utensílios do lar, mas que foram insuficientes para pagar um aluguel.
Desde então vivem na tenda de campanha, cercados de ruínas e fazendo fogueiras aquecer seu precário lar e ferver água para o banho ou para cozinhar.
As crianças brincam no meio dos escombros e os abrigos não têm água potável, por isso todos são obrigados a comprar água mineral.
Com a chegada das chuvas, Mohammed reforçou sua tenda de campanha com escombros de sua casa, que utilizou também para construir um pequeno banheiro a dez metros do abrigo.
"Minhas filhas sentem medo de ir ao banheiro na escuridão, por isso tenho de acompanhá-las quando a noite cai", afirma.
Sua mulher, Suaad, vive com medo de que suas meninas adoeçam por causa do frio e permanentemente assustada pelos animais.
"Dou comida aos gatos para que fiquem por aqui e persigam as serpentes e os ratos ou, pelo menos, nos alertem quando se eles aproximem", narra a mulher, de 38 anos.
A operação israelense acabou também com a única fonte de renda dos Khader: uma pequena granja que Mohammed montou no telhado de sua casa quando perdeu seu trabalho como operário em Israel, após o começo da Segunda Intifada, em 2000.
Um de seus maiores temores são suas filhas, e o futuro que lhes espera após o trauma que estão sofrendo.
Fadhel Abu-Hain, professor de psicologia na Universidade al-Aqsa de Gaza, disse que as crianças estão conectadas emocionalmente a suas casas, e que a perda do lar pode produzir "medos e tensões que gerariam graves repercussões no futuro".
A cada dia se sente com maior intensidade o frio nas tendas de campanha, e os ocupantes receberam com esperança o recente anúncio da agência da ONU para os refugiados palestinos (UNRWA) de que distribuirá 26 milhões de euros em ajuda direta aos sem-teto.