O Clube dos Sequestradores

A frase “Departamento de Estudos Estratégicos de Antiterrorismo” ou sua versão na sua língua original italiana, Dipartimento Studi Strategici Antiterrorismo, tem um algo de nobre. Parece ser uma entidade de pesquisadores que se dedicam aos estudos estratégicos para prevenir ou combater o terrorismo no planeta e contribuir à felicidade da humanidade. Ao olhar esta sigla (DSSA) pensamos que os membros desse Departamento são especialistas em assuntos interdisciplinares, incluindo sociologia e psicologia da violência, tácticas militares e policiais de contenção, línguas orientais especialmente da Ásia Central e do Oriente Médio, onde o terrorismo é mais frequente, filosofias radicais e religiões islâmicas. Como o nome está originalmente em italiano, somos levados a acreditar que esse Departamento deve estar dentro de alguma Faculdade de Ciências Sociais da Península, e que seus acadêmicos são eruditos em decifrar códigos, antecipar possíveis ataques, construir modelos de ações antiterroristas defensivas, interceptar documentos secretos em pashtum e em farsi, identificar as falas nas fitas de Bin Laden.
     Entretanto, surge uma curiosidade: de que tipo de terrorismo estão falando?. Todos têm alguma idéia de terrorismo: é um conjunto de ações cujo objetivo é produzir terror na população civil por meio de ataques letais ou semi-letais em larga escala, para obrigar a governos ou instituições a agir de certa maneira. Aliás, esta é (mais ou menos) a definição proposta pelo Conselho de Segurança da ONU, que poucos países aceitaram. Com efeito, nem todos os países têm sido alvo de Bin Laden e sua gangue, mas a maioria dos governos tem inimigos políticos. Então, já estamos mais perto: os terroristas dos quais se ocupa a DSSA são os inimigos de alguém, ou, melhor, dos inimigos de seus clientes. Brevemente, o DSSA nada mais é que um conjunto de assassinos e seqüestradores mercenários.
     Quem dá a resposta final é Gaetano Saya, um respeitável senhor de 53 anos, líder de um partido chamado Direita Nacional, uma das quase infinitas organizações neofascistas da Itália atual, porém, muito mais importante das outras, porque deriva do MSI que, por sua vez, é herdeiro do primitivo fascismo de Mussolini.
     Gaetano foi, em sua melhor idade, membro do Gladio, a organização terrorista NATO-CIA-ITÁLIA da que falei com algum detalhe em meu texto sobre Os Cenários Invisíveis do Caso Battisti. Em 2004, o promotor de Gênova, uma das cidades mais progressistas e liberais da Itália, pediu o indiciamento de Saya por pesada propaganda racista e mensagens de ódio, publicados em seu site, nos quais instava aos italianos de verdade a acabar com aqueles migrantes escuros, africanos, ciganos, árabes e outros. O promotor conseguiu prendê-lo em 2005, sob a acusação de que o famoso Departamento (o DSSA), que ele chefiava, era uma organização dedicada ao sequestro e assassinato político, e atuava como aparato para-policial.
     Saya deu declarações para a imprensa várias vezes. Em maio de 2006 foi entrevistado pelo jornal La Repubblica. Como aconteceu em quase todos os casos de terroristas fascistas (salvo Vincenzo Vinciguerra), Saya já estava em liberdade naquela data. Saya conta com grande emoção que o SISMI (Servizio per le Informazioni e la Sicurezza Militare), o órgão de inteligência e repressão sigilosa das forças armadas, requereu os serviços do DSSA para localizar a capturar três refugiados: Alessio Casimirri, Alvaro Loiacono e...adivinhem... CESARE BATTISTI.
     Isto aconteceu em junho/julho de 2004, quando Battisti tinha desaparecido do foco da espionagem italiana, que acompanhava todos seus movimentos na França. Saya afirmou que Marco Mancini, o segundo mais alto comandante do SISMI na época, tinha negociado com um dos homens de DSSA para contratar essa tarefa. Interrogado pelo jornalista sobre suas provas da participação de uma autoridade tão alta num ato de sequestro, Saya responde com ironia:
     Em nosso mundo não andam circulando ordens assinadas e carimbadas. Tudo se faz grampeando telefones [...] Nos referíamos a Battisti com o nome em código Operativo Porco Rosso (Porco Vermelho). 
     O SISMI tinha dado ao DSSA informações sobre a presença de Battisti na Córsega, perto da capital, e o Departamento de Estudos que Saya dirigia já estava preparado para atacar, quando veio a ordem de parar. O motivo não fica muito claro, mas pode ser assunto de dinheiro. O SISMI tinha prometido 2 milhões de Euros pelo ano 2006, mas o DSSA tinha uns 150 mercenários, e talvez ficava pouco para os patrões. De fato 2 mi são uma mixaria para aqueles especialistas.
     Nos últimos dois anos não se houve falar do DAAS, mas os observadores acreditam que atua sob outra sigla, acompanhando as mudanças nos serviços secretos italianos. O SISMI passou a chamar-se AISE em 2007. Estas mudanças são frequentes quando são descobertos escândalos, que ás vezes são econômicos, mas outras vezes estão relacionados com assassinatos e sequestros de inimigos.
     Afinal, Itália é uma democracia e um país industrializado, e seqüestrador é um emprego qualificado.
 
    Referências:
La Repubblica, 14-maio-2006
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2009/08/451713.shtml
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