Aumentam os temores de que os principais líderes mundiais não compareçam à reunião convocada pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) e, também, que não se materializem novos compromissos vinculantes. A FAO realiza esta reunião em sua sede para dar novo fôlego à luta contra a fome, que afeta cerca de um bilhão de pessoas, quase a sexta parte da população mundial.
Prevê-se que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, não compareça, e até agora o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, é o único líder de um país do Grupo dos Oito mais poderosos a confirmar presença. “É uma tragédia os líderes mundiais não assistirem a cúpula”, disse aos jornalistas Daniel Berman, da organização não-governamental Médicos Sem Fronteiras. Muitos especialistas também se preocupam que, como costuma acontecer com esses encontros, após muitas palavras pouco se obrigue as nações a adotarem medidas ao final da reunião.
De fato, a primeira destas conferências sobre alimentação, em 1996, fixou o objetivo de reduzir à metade o número de pessoas que sofriam fome – 825 milhões naquele momento – até 2015, mas o mundo se moveu na direção oposta. “Podemos obter mais declarações de boas intenções, mas, qual é a substancia que há por trás delas? Duvido que se consiga compromissos financeiros específicos no encontro”, disse à IPS Markus Giger, do Centro para o Desenvolvimento e o Meio Ambiente da Universidade de Berna. “O número de pessoas famintas e desnutridas está aumentando. Os países devem fazer mais. Estamos longe de alcançar nossos objetivos. É inaceitável”, ressaltou.
Um rascunho da declaração da cúpula contém poucas coisas que já não tenham sido declaradas pelo G-8 em sua reunião de 8 a 10 de julho em L’Aquila, na Itália. Nessa ocasião o G-8 prometeu “agir com o nível e a urgência necessários para conseguir uma segurança alimentar mundial sustentável”, entre outras coisas reduzindo os obstáculos nas negociações da Organização Mundial do Comércio e mobilizando US$ 20 bilhões nos próximos três anos para a agricultura sustentável nos países em desenvolvimento. Porém, fontes diplomáticas disseram à agência de noticias Reuters que menos de um quarto dessa quantia será realmente em efetivo.
“A declaração é apenas uma mistura de obviedades. Diz que a fome será reduzida pela metade até 2015, mas não compromete novos recursos para conseguir isso nem oferece uma maneira de fazer os governos assumirem suas responsabilidades. Infelizmente, os pobres não podem comer promessas”, disse Francisco Sarmiento, coordenador de direitos alimentares da ActionAid. Mesmo que os US$ 20 bilhões se concretizem, serão insuficientes, segundo a FAO.
O diretor-geral da agência, Jacques Diouf, disse que são necessários US$ 44 bilhões ao ano em ajuda oficial ao desenvolvimento para investimentos em agricultura e infraestrutura rural, acrescentando que os próprios países em desenvolvimento devem destinar maiores porcentagens de seus orçamentos a estas áreas. Este dinheiro é necessário para melhorar o acesso dos agricultores a sistemas de irrigação, maquinas modernas, sementes e fertilizantes, bem com para melhorar a infraestrutura rural e as estradas, para se conseguir os insumos necessários para aumentar a produção e depois levá-la ao mercado.
Jean-Philippe Audinet, diretor da divisão de políticas do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (Fida), é mais otimista do que algumas organizações não-governamentais em relação ao resultado da cúpula da FAO. Junto com esta agência e o Programa Mundial de Alimentos (PMA) o Fida é uma das três organizações alimentares da Organização das Nações Unidas com sede na capital italiana. Promove a causa dos pequenos agricultores e suas famílias, que contabilizam dois bilhões de pessoas, ou cerca de um terço da população mundial.
O Fida diz que a situação destas pessoas deveria ser primordial, não só porque três quartos dos famintos do vivem em áreas rurais, mas também porque investir neles ajudará o planeta a conseguir o objetivo de aumentar em70% a produção alimentar. Isto permitirá atender as necessidades de uma população que provavelmente chegará a 9,1 bilhões até 2050. A Audinet agrada ver que agora existe um reconhecimento universal da importância da agricultura em geral e dos pequenos produtores em particular.
“Em termos de substancia, sabemos o resultado da cúpula, e, a menos que haja surpresas, os conteúdos da declaração não serão novos. Em boa parte estarão em linha com o que o G-8 aprovou em L’Aquila”, disse Adinet à IPS. “Mas, o fato de todos os países aprovarem os mesmos princípios, entre eles as nações onde a fome é um problema importante, em nível da ONU é um êxito”, acrescentou. Entretanto, admitiu que preocupa a possibilidade de muitos pesos pesados da política estarem ausentes.
A presença de aproximadamente 60 chefes de Estado e de governo em Roma, entre eles o papa Bento 16 e o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, deveria pelo menos ajudar a manter a segurança alimentar sob o olhar do público internacional. “É de extrema importância os chefes de Estado e de governo se reunirem para debater sobre a fome. Nos agrada o fato de a fome estar recuperando sua legitima posição entre as prioridades”, disse à IPS Natalie Duck, da Ação Contra a Fome. “Também é crucial que a comunidade internacional reconheça que abordar o problema da fome não é apenas uma questão de produção agrícola”, acrescentou. “É importante que as agências da ONU e a comunidade internacional compreendam a necessidade de coordenar todas as áreas: saúde, nutrição, meios de sustento e proteção social, bem como agricultura”, afirmou.
Duck também acredita que um grande passo à frente seria a criação de um mecanismo para controlar o cumprimento de promessas como as assumidas pelo G-8 em julho. “Precisamos de um sistema que faça acompanhamento dos compromissos dos doadores para garantir os investimentos nos países, a fim de que as políticas para combater a fome e a desnutrição possam ser implementadas no âmbito nacional. É necessário que um organismo cuide de tornar responsáveis as pessoas pelos compromissos assumidos nestas cúpulas”, acrescentou.
Por sua vez, Diouf parecia fazer o que pode para mobilizar o apoio público para a luta contra a fome e empurrar os líderes mundiais à ação antes da cúpula. Na semana passada à FAO lançou uma petição via Internet (www.1billionhungry.or/house/es) na qual pede a priorização deste tema, e Diouf propôs a criação de um “dia mundial de greve de fome”, no último final de semana, em solidariedade com os maus nutridos. Sua mensagem combina o otimismo de que “erradicar a fome não é um sonho” (como mostraram países como Brasil, Nigéria e outros 29 que conseguiram avanços significativos) com alertas sobre o preço da falta de ação.
“Uma em cada seis pessoas sofre a dor da fome, a cada seis segundos morre de fome uma criança, e esta tragédia enorme não é apenas uma indignação moral e um absurdo econômico, mas também representa uma séria ameaça à nossa paz e segurança coletivas”, disse Diouif aos jornalistas. Além disso, deve-se recordar que “as pessoas famintas também são, com toda razão, pessoas com raiva, que seria fonte potencial de conflito e migrações forçadas, como vimos em 2007 e 2008, quando eclodiram distúrbios em 22 países de todos os continentes devido ao rápido aumento nos preços dos alimentos”, acrescentou. (IPS/Envolverde)
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