Para os paquistaneses, os EUA são a principal ameaça

A oeste de Peshawar, na estrada Jamrud, que leva ao histórico desfiladeiro Khyber, está o mercado Karkhano, um conjunto de praças e feiras cuja oferta usual de produtos contrabandeados foi agora complementada por equipamento de combate do exército dos EUA, uniformes de serviço, óculos para visão noturna, facas e coletes à prova de balas.

Depois do mercado há um posto de controle que separa a cidade e a região tribal semiautônoma de Khyber. Em outros tempos, sempre que alguém se aproximava da barreira, imediatamente aparecia alguém, do outro lado, para vender haxixe, álcool, armas e até foguetes lançadores de granadas. Hoje, pode acontecer de esses caixeiros viajantes oferecerem armas norte-americanas semiautomáticas, rifles e pistolas. Os que compram, interessam-se menos pela qualidade da arma – a preferida por aqui ainda é a AK-47 –, do que pela oportunidade de guardar uma lembrança de um império agonizante.


O diagnóstico talvez ainda seja duro de engolir para os EUA e seus aliados, mas fato é que, por aqui, todos estão convencidos de que as forças ocidentais já perderam a guerra. Ao mesmo tempo em que, no Afeganistão, questiona-se cada vez mais a eficácia da luta armada como instrumento da contrainsurgência, o prestígio da via armada cresce dia a dia no Paquistão.

Pesquisa conduzida pelo Instituto Republicano Internacional (IRI), financiado pelos EUA, em julho de 2009, que excluiu as Áreas Tribais sob Administração Federal [ing. Federally Administered Tribal Areas (FATA)] e partes da Província da Fronteira Noroeste [ing. North-West Frontier Province (NWFP)] – as regiões diretamente afetadas pela guerra – mostrou que 69% dos respondentes haviam apoiado a operação militar no [vale do rio] Swat (na NWFP) em maio.

Outra pesquisa, feita pelo Instituto Gallup (EUA) aproximadamente na mesma época e que cobriu todo o território do Paquistão, mostrou que apenas 41% apoiavam a operação. O Gallup também encontrou outra alta porcentagem – 43% –, dos que preferem que se busque uma solução política, pelo diálogo, para o país.

As duas pesquisas oferecem informações muito úteis sobre o modo como os paquistaneses veem a ameaça terrorista. Se o país entende que seja indispensável fazer parar os movimentos de militantes, a mesma unanimidade aparece, também, na aversão à ocupação pelo exército dos EUA. Mas as duas ameaças não são vistas como equivalentes: a pesquisa do Gallup descobriu que 59% dos paquistaneses consideram os EUA como ameaça maior, comparada aos 11% que temem os Taliban. Segundo a pesquisa do IRI, 13% dos paquistaneses temem mais os Taliban; e 40% deles temem, sim, muito, a inflação galopante que está destroçando a economia.

Em 2001, quando os EUA lançaram sua “guerra ao terror”, encontraram muita solidariedade na elite e na intelligentsia paquistanesas ricas – e assim deram pouca atenção à opinião pública geral – sempre acentuadamente hostil aos EUA. Isso levou ao voto de protesto que levou ao poder a aliança religiosa Muttahida Majlis-e-Amal (MMA) em duas das províncias de fronteira. De início, essa aliança MMA fez, só ela, aberta oposição à intervenção pelos EUA.

Quando o Afeganistão foi invadido, as coisas se aquietaram e as paixões acalmaram-se. Pervez Musharraf, o militar ditador, conseguiu apresentar sua decisão de participar na “guerra ao terror” como decisão difícil mas inevitável. Internacionalmente, o isolamento acabou e, como uma espécie de recompensa, levantaram-se várias das sanções impostas ao Paquistão depois dos testes nucleares de 1998.

A economia cresceu e, com ela, a popularidade de Musharraf. Quando, sob intensa pressão dos EUA, em 2004, Musharraf mandou militares paquistaneses para as Áreas Tribais sob Administração Federal (FATA), as pessoas praticamente nem perceberam. Musharraf conseguiu preservar a própria imagem, apesar das muitas atrocidades reportadas, entre as quais, segundo a ONG Human Rights Watch, uso indiscriminado de força, demolições de casas, assassinatos, seqüestros, tortura e ‘desaparecimentos’. De fato, Musharraf foi acusado, no máximo, por não ter feito mais.

As coisas mudaram quando, por ordem de Musharraf, os soldados invadiram uma mesquita em Islamabad mantida por simpatizantes dos Taliban em agosto de 2007, operação que resultou na morte de muitos alunos e seminaristas. Os Taliban retaliaram: levaram a guerra para o interior do país, e seus ataques terroristas para várias grandes cidades.

Musharraf foi acusado e, com um desafio que então emergia da sociedade civil, sob a forma de um movimento de advogados e de uma mídia pró-insurgência, sua reputação entrou em decadência terminal. Simultaneamente, as regiões de Malakand, Swat e Dir emergiram como novos pontos focais. Já não era possível ignorar a ameaça dos militantes Taliban, mas havia diferentes ideias sobre como enfrentá-la. A maioria apoiava a busca de um acordo negociado.

O ponto de virada aconteceu em maio, quando, depois de quebrado um acordo de paz entre o governo e militantes, os militares partiram para uma ampla ofensiva em Malakand. Embora a trégua tenha temporariamente acalmado a Região, os dois lados haviam quebrado compromissos assumidos.

Apesar de tudo, só os Taliban foram acusados de não honrar compromissos, e desenvolveu-na na mídia um consenso contra qualquer futura negociação com os militantes. A operação militar foi considerada sucesso total, apesar do grande número de mortos e do deslocamento de quase três milhões de pessoas.

Com tudo isso, na fronteira propriamente dita, os analistas mostraram-se mais contidos. Para Rahimullah Yusufzai, considerado o mais bem informado comentarista da política da região da fronteira, teria sido guerra “inevitável”. Outro importante analista, Rustam Shah Mohmand, aventou a hipótese de que não se tratasse de guerra contra os pashtun – o maior grupo étnico do Paquistão – e a NWFP, posto que não ocorreram ações militares semelhantes em outras regiões igualmente sem-lei.

Roedad Khan, ex-secretário federal, falou de “uma guerra desnecessária”, que “poderia ter sido facilmente evitada”, além de “difícil de justificar e ainda mais difícil de vencer”. Nos grupos da política dominante, todos os grandes partidos sentiram-se obrigados a apoiar a guerra, por medo de serem acusados de antipatriotismo. A oposição veio, de fato, dos partidos religiosos, e do Movimento Paquistanês pela Justiça [ing. Pakistan Tehreek-e-Insaf] de Imran Khan, jogador de críquete convertido em líder político.

A opinião a favor da solução militar foi reforçada quando os militantes lançaram uma onda de ataques terroristas, antecipando uma nova operação do exército paquistanês nas áreas [tribais] da fronteira noroeste [FATA].

Falou-se muito das atrocidades, e muito menos das consequências de meses de massivos bombardeios aéreos e ataques de artilharia.

Um terço da população total do Waziristão do Sul – local da nova operação anti-Taliban lançada pelo governo paquistanês – foi deslocada e praticamente jamais recebeu qualquer tipo de apoio. Quando uma equipe da Associated Press entrevistou esses refugiados, eles manifestaram sua fúria contra o governo do Paquistão cantando “Longa vida aos Taliban”.

Muito diferente de conquistar corações e mentes, o governo paquistanês continua, até hoje, a entregá-los ao inimigo.
Apesar dos muitos esforços de vários grupos da elite paquistanesa para mostrar que o Paquistão controla a guerra, persiste a ideia de que o Paquistão está guerreando a guerra dos EUA. A evidência de que a operação militar no Waziristão Sul é desdobramento de um estímulo anual de 1,5 bilhão de dólares vindo do governo Obama e conta com o apoio da vigilância aérea dos teleguiados dos EUA, não contribui para alterar a percepção dos mais céticos.

Depois do bombardeio contra a Universidade Islâmica Internacional em Islamabad, semana passada, um correspondente da rede al-Jazeera foi atacado por um estudante indignado, que supôs que se tratasse de um norte-americano e o responsabilizou pelo ataque.

Os paquistaneses estão hoje muito agudamente conscientes de que, antes de 2002, não havia qualquer tipo de ameaça terrorista; também continuam convencidos de que qualquer ameaça que haja desaparecerá com a retirada dos soldados dos EUA. Mas muitos paquistaneses já temem que, antes de que a retirada aconteça, qualquer possibilidade de estabilidade de longo prazo já estará arruinada no Paquistão.


4/11/2009, Muhammad Idrees Ahmad, Asia Times Online
Muhammad Idrees Ahmad é co-fundador de Pulsemedia.org.  Escreve de Peshawar, Paquistão. (Inter Press Service)
O  artigo original, em inglês , pode ser lido em:
http://www.atimes.com/atimes/South_Asia/KK03Df01.html 

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