No mesmo momento, a Al-Qaeda está implementando o seu plano de jogo no teatro da guerra no sul da Ásia, como parte de sua campanha mais ampla contra a hegemonia global norte-americana que começou com os ataques contra os EUA, dia 11/9/2001.
O alvo da Al-Qaeda sempre é os EUA e seus aliados, como Europa, Israel e Índia, e nada sugere que essa estratégia venha a ser diluída em alguma espécie de aliança sob parâmetros estreitos com as resistências muçulmanas. Nesse contexto, a atividade militante dos combatentes paquistaneses é vista mais como uma complexidade extra, do que como parte da estratégia da Al- Qaeda.
Os combatentes militantes têm estado particularmente ativos nos últimos dias. Na 5ª-feira passada, um carro carregado de explosivos invadiu a muralha da embaixada indiana em Kabul, capital do Afeganistão, fazendo pelo menos 17 mortos. No sábado seguinte, militantes promoveram um audacioso assalto ao quartel-general paquistanês em Rawalpindi, cidade gêmea da capital Islamabad. Na 2ª-feira, um suicida detonou as bombas que carregava, numa cidade-feira na região do vale do Swat, matando 41 e ferindo 45 pessoas.
O Paquistão vive momento crítico, com praticamente todas as suas as forças armadas (quase 60 mil soldados) à volta do Waziristão Sul, para o que esperam que seja o assalto final contra o PTT (Pakistan Tehrik-e-Taliban), a Al-Qaeda e seus aliados das áreas tribais paquistanesas.
Nesses dias tensos, Mohammad Ilyas Kashmiri, um dos líderes que, segundo fontes da inteligência dos EUA seria o cérebro das operações militares da Al-Qaeda e cuja morte os EUA confirmaram erradamente depois de um ataque por teleguiados (aviões não tripulados) contra o Waziristão do Norte, recebeu o Asia Times Online para entrevista exclusiva.
Fui pessoalmente convidado e conduzido a local secreto na fronteira entre o Afeganistão e o Waziristão do Sul – área que é regularmente sobrevoada pelos teleguiados.
É o primeiro contato entre Ilyas e qualquer tipo de mídia, desde que se uniu à Al-Qaeda em 2005. Mohammad Ilyas Kashmiri é veterano comandante militar, ativo desde a luta contra a Índia, na disputa pela Cachemira.
Nos últimos meses, os militantes deram a impressão de estarem sob contenção. Vários dos principais líderes foram mortos em bombardeios pelos teleguiados no Paquistão, inclusive Osama al-Kini, natural do Quênia e chefe das operações externas da Al-Qaeda; Khalid Habib, comandante do Lashkar al-Zil ou "O Exército das Sombras", a força de combate da Al-Qaeda; Tahir Yuldashev, líder do braço da Al-Qaeda ligado ao Movimento Islâmico do Uzbequistão; Baitullah Mehsud, líder do PTT (Taliban do Paquistão), e vários outros.
Os Taliban paquistaneses também sofreram golpes do exército paquistanês nas áreas urbanas e tribais. E há negociações em curso para selar acordos de paz com alguns comandantes Taliban em várias províncias afegãs.
Na última semana, pelo menos nove soldados norte-americanos e várias dúzias de soldados do Exército Nacional Afegão [ing. Afghan National Army (ANA)] foram mortos num posto avançado na província de Nuristão –, além de mais de 30 soldados e oficiais afegãos, capturados e feitos prisioneiros pelos Taliban.
Esse ataque foi complementado por uma série de outros ataques contra bases da Otan nas províncias do sudeste, em Khost, Paktia e Paktika, que obrigaram o general Stanley McChrystal, comandante dos EUA na Região, a retirar todos os seus soldados de postos localizados em áreas remotas e realocá-los em centros urbanos mais populosos.
Assim se criaram enormes espaços de ação para os Taliban, nos quais podem operar livremente – ou, dito de outra forma: se o exército paquistanês insistir em conduzir operações no Waziristão Sul, os militantes estarão em condições de cruzar facilmente a fronteira para obter direitos de "santuário".
Os ataques dos últimos dias também mostraram que os militantes ainda têm capacidade para atacar alvos importantes, praticamente quando e onde queiram. E mostram também que o teatro da guerra está sendo redesenhado; no novo desenho, o Paquistão terá de realocar seus soldados, tirando-os do front leste (Índia) para pô-los no front oeste (Afeganistão), onde o Taliban é hoje o inimigo n.1.
Washington planeja mandar pelo menos mais 40 mil soldados para o Afeganistão – e a Índia complementará esses esforços com serviços de inteligência e especialistas militares contra o inimigo comum: os grupos de guerrilheiros muçulmanos.
A próxima batalha
Nessa entrevista, Ilyas Kashmiri fala sobre o que pensa sobre a próxima batalha, a que alvos visará, e como a próxima batalha terá consequências para o ocidente (na medida em que levará à desestabilização de um Estado muçulmano, como o Paquistão).
O contato com o jornal Asia Times Online começou por um telefonema de militantes, dia 6/10, convidando esse correspondente para a cidade de Mir Ali, no Waziristão Sul. Sem explicações nem motivos. Dia seguinte, viajei para Mir Ali, cidade que ao longo de todo o ano passado foi pesadamente atacada por bombas lançadas pelos teleguiados dos EUA. Sete horas de viagem ininterrupta e fui recebido por um comando de homens armados, que me levaram para uma casa de um dos grupos tribais locais.
"O comandante [Ilyas Kashmiri] está vivo. Você sabe que o comandante jamais antes falou à mídia, mas, dado que todos parecem convencidos de que teria morrido num bombardeio pelos teleguiados [em setembro], o Conselho [Shura] da al-Qaeda decidiu que essa entrevista aconteceria para desmentir definitivamente o noticiário sobre sua morte. Escolhemos um jornal independente, e a Shura aprovou o seu nome" – disse-me, logo que chegamos à casa, uma pessoa que eu conheci como o braço direito de Ilya na famosa Brigada 313. Essa Brigada, reunião de vários grupos jihadistas, combateu durante vários anos contra a Índia, na Cachemira administrada pela Índia.
"Você terá de ficar nessa sala, até que voltemos para informá-lo sobre o passo seguinte. Aqui, você escutará o som dos teleguiados. Portanto, é mais seguro que permaneça nessa sala. Toda a área está cheia de Taliban, mas também de informantes. Qualquer informação sobre a presença de estrangeiros numa casa dessa área provocará ataque massivo dos teleguiados" – disse ele.
Dia seguinte, fui transferido para outra casa em local que não vi; cerca de três horas de viagem. Durante todo o tempo fui acompanhado por escolta armada. Fui informado de que não deveria falar com eles; e eles estavam proibidos de falar comigo. Ali é o mundo interno da Al-Qaeda. Finalmente, na manhã do dia 9/10, alguns homens armados chegaram num carro branco.
"Por favor, deixe aqui todos os seus aparelhos eletrônicos. Nem celulares, nem câmeras, nada. Providenciaremos papel e caneta para anotar a entrevista" – instruções claras. Mais várias horas de jornada nada confortável (estradas e trilhas de lama, desfiladeiros entre montanhas) e chegamos a uma sala na qual Ilya nos encontraria.
Depois de algumas horas, de repente, ouvi o ruído de um motor de carro grande. A minha escolta e todos os homens presentes na sala perfilaram-se em posição de "sentido" (todos armados com [metralhadora] AK-47s e cinturões de munição).
Ilyas entrou. Um homem alto (mais de 1,80m), com turbante bege e qameez shalwar (camisa e calças tradicionais) brancas, com a AK-47 ao ombro e um cajado de madeira à mão; e cercado por uma escolta pessoal dos famosos soldados da invencível Brigada 313.
Ilyas usa agora uma longa barba branca, tingida com henna avermelhada. Aos 45 anos, ainda é ágil e musculoso, apesar das cicatrizes de guerra – perdeu um olho e falta-lhe um dos dedos. Apertou-me a mão com firmeza.
O dono da casa serviu imediatamente o almoço – e sentamos sobre o tapete para comer.
"Então, o senhor sobreviveu a um terceiro ataque de teleguiados. Por que a CIA está sempre no seu encalço?" – perguntei.
Uma pergunta retórica. Mohammad Ilyas Kashmiri é um dos mais altos comandantes da Al-Qaeda. O Paquistão oferece 50 milhões de rúpias (600 mil dólares) por sua cabeça. Sua posição varia, conforme o veículo de mídia ou a agência de informações. Para uns, seria o comandante-em-chefe das operações globais da Al-Qaeda; para outros, seria o comandante da ala militar da Al-Qaeda.
A Al-Qaeda está hoje dividida em três esferas; Osama bin Laden é sem dúvida símbolo do movimento; a ideologia e a estratégia política geral são definidas por Ayman al-Zawahiri. E cabe a Ilyas, com sua incontestável vastíssima experiência como chefe guerrilheiro, converter em realidade a visão estratégica, obter recursos e acertar os alvos; é homem que prefere operar nas sombras, sem chamar a atenção.
Suas bases, suas atividades, seus movimentos sempre foram protegidos por segredo absoluto. Mas a prisão de cinco de seus homens no início do ano, no Paquistão, ajudaram a levantar uma ponta do véu. As informações obtidas desses prisioneiros orientaram os ataques da CIA (e seus teleguiados não tripulados) contra ele: o primeiro em maio; depois, dia 7/9, quando a inteligência paquistanesa anunciou sua morte; e novamente dia 14/9, quando a CIA declarou-o morto e festejou o sucesso do atentado como uma das grandes vitórias de sua "guerra ao terror".
"Eles estão certos. Conhecem bem o inimigo deles. Sabem quem sou e o que quero" – Ilyas respondeu com orgulho.
Nascido em Bimbur (ex-Mirpur) no vale do Samhani na Cachemira administrada pelo Paquistão, dia 10/2/1964, Ilyas completou o primeiro ano do curso de comunicações da Universidade Aberta de Allama Iqbal, em Islamabad. Abandonou os estudos quando as atividades da Jihad passaram a exigir dedicação integral.
O Movimento de Libertação da Cachemira foi seu primeiro campo de militância; daí passou para o movimento Harkat-ul Jihad-i-Islami (HUJI), até chegar ao comando da legendária Brigada 313. A Brigada converteu-se no mais poderoso grupo ativo no sul da Ásia, uma rede que inclui Afeganistão, Paquistão, Cachemira, Índia, Nepal e Bangladesh. Segundo informes da CIA, encontram-se pegadas da Brigada 313 também na Europa; e são considerados capazes de organizar o ataque que aterrorizou Mumbai em novembro último.
Não há qualquer documento sobre a vida de Ilyas – e o que há são informações contraditórias. Mas todas as agências de inteligência do mundo descrevem-no como o líder guerrilheiro mais eficaz, mais bem-sucedido e mais perigoso do mundo.
Deixou a Cachemira em 2005, depois de, pela segunda vez, ser libertado das prisões da ISI (Inter-Services Intelligence) e seguiu para o Waziristão Norte. Já havia sido preso por forças indianas, mas fugiu. Foi então preso pela ISI, suspeito de ter organizado um ataque ao então presidente Pervez Musharraf, em 2003, mas foi absolvido e libertado. A ISI novamente prendeu Ilyas em 2005, depois de ele ter-se recusado a encerrar suas operações na Cachemira.
Sua reinstalação na difícil região da fronteira causou calafrios em Washington – quando os relatórios da inteligência alertaram para o risco de ele, pela impressionante experiência naquela região, ser capaz de converter padrões simplórios de combate tradicional no Afeganistão, em audaciosa e moderna guerra de guerrilhas.
A folha corrida de Ilyas fala por si só. Em 1994, lançou a operação al-Hadid na capital indiana, Nova Delhi, para libertar alguns de seus companheiros jihadistas presos. Sua célula, de 25 combatentes, incluía Sheikh Omar Saeed (que sequestrou o jornalista norte-americano Daniel Pearl em Karachi em 2002) como porta-voz. O grupo sequestrou vários estrangeiros, entre os quais turistas norte-americanos, israelenses e britânicos e levou-os para Ghaziabad, próximo de Delhi. Exigiram então que as autoridades libertassem seus companheiros, mas as autoridades optaram por atacar o quartel-general dos jihadistas. Sheikh Omar foi ferido e preso (mais tarde, foi libertado, em troca dos passageiros de um avião indiano sequestrado). Ilyas escapou incólume.
Dia 25/2/2000, o exército indiano matou 14 civis na vila de Lonjot, na Cachemira administrada pelo Paquistão, depois que grupos guerrilheiros cruzaram a Linha de Controle [ing. Line of Control (LoC)] que divide as duas Cachemiras. Os guerrilheiros voltaram para o território indiano com três meninas paquistanesas sequestradas e jogaram as cabeças decepadas das três sobre o acampamento dos soldados paquistaneses.
No dia seguinte, Ilyas comandou uma operação de guerrilha contra o exército indiano em Nakyal, depois de novamente cruzar a Linha de Controle com 25 soldados da Brigada 313. Sequestraram um oficial do exército indiano que depois foi decapitado. De volta ao território paquistanês, a cabeça foi exibida no bazaar de Kotli, Paquistão.
A operação mais importante do currículo de Ilyas aconteceu no acampamento de Aknor, da Cachemira administrada pela Índia, contra forças do exército indiano, logo depois do massacre de muçulmanos na cidade indiana de Gujarat, em 2002. Em movimento milimetricamente planejado, envolvendo dois grupos de combatentes da Brigada 313, generais, brigadeiros e outros altos oficiais indianos foram levados à cena do massacre dos muçulmanos. Dois generais foram feridos (em três guerras, jamais o exército paquistanês conseguiu ferir um único general indiano) e vários brigadeiros e coronéis foram mortos. Essa foi a derrota mais fortemente simbólica que a Índia sofreu, em toda a longa luta pela Cachemira.
Apesar do que dizem relatórios e jornais, Ilyas jamais serviu como soldado, nem das forças especiais nem do exército paquistanês. Jamais teve treinamento formal de estratégia ou combate. Mas há 30 anos, desde quando abraçou a Jihad afegã contra os soviéticos, a partir do movimento HUJI, dedica-se a acumular expertise em guerra de guerrilhas; hoje, é especialista também em explosivos.
Em 2005, imediatamente depois de chegar ao teatro da guerra do Afeganistão, os grupos de combatentes da Cachemira redefiniram o movimento de resistência liderado pelos Taliban, a partir dos ensinamentos de estratégia "do tripé", do general vietnamita Vo Nguyen Giap. Para os Taliban, o fundamento da luta teria de ser cortar as linhas de suprimento da Otan, separando-as dos quatro lados do Afeganistão.
Ao longo dos anos, Ilyas tem-se deliberadamente preservado nas sombras, sem buscar qualquer destaque na hierarquia dos militantes. Na ação, é exatamente o contrário, mas jamais fez qualquer pronunciamento político nem reivindicou méritos ou responsabilidade por qualquer operação.
Sua Brigada 313 é sempre lembrada em todas as ações de alto impacto, como no ataque em Mumbai e outros no Afeganistão; nas operações da Al-Qaeda na Somália; e também, em vários casos, também no Iraque.
"O senhor acredita que a operação no Waziristão Sul será 'a mãe de todas as operações' na região, como alguns analistas têm dito?" – perguntei-lhe depois do almoço, quando só estávamos na sala ele, eu e seu guarda-costas pessoal.
"Não sei brincar com as palavras como fazem os jornalistas em entrevistas" – respondeu ele. "Sou comandante de campo, sempre fui comandante de campo e só conheço essa linguagem. Portanto, responderei na linguagem que conheço melhor." (Ilyas falou quase sempre em Urdu, com um pouco de Punjabi.)
"Saleem, explicarei então os elementos básicos do cenário de guerra em que estamos e, com isso, explicarei toda a estratégia dos combates futuros, aqui. Os que planejaram a guerra em que estamos trabalharam para trazer o grande Satã [os EUA] para uma armadilha, para um pântano [o Afeganistão]. O Afeganistão é o único local no mundo no qual o caçador pode escolher sua armadilha preferida".
"Há desertos, rios, montanhas, além dos centros urbanos. Assim pensaram os planejadores dessa guerra, que já estavam cansados e enojados das intrigas globais do grande Satã; os que planejaram essa guerra querem o fim do grande Satã, para que esse mundo seja lugar de paz e justiça. Mas o grande Satã está cheio de arrogância, sente-se superior, e pensou que os afegãos seriam como estátuas indefesas, nas quais se pode bater pelos quatro lados, com as grandes máquinas de guerra do grande Satã; que os afegãos não teriam nem poder nem capacidade para retaliar".
"Com essa ilusão, uma grande aliança dos poderes do mundo moveu-se para o Afeganistão. Contudo, porque suas concepções são erradas, aos poucos foram sendo enredados aqui, na armadilha que é o Afeganistão. Hoje, a Otan não tem qualquer significado ou qualquer importância. Já perderam a guerra no Afeganistão. Mas, ao perceberem a própria derrota, desenvolveram uma ideia de que a batalha não seria lutada no Afeganistão, mas de fora do Afeganistão, quero dizer, nos dois Waziristãos, do norte e do sul. Na minha opinião, essa tese militar é uma miragem que criou uma situação complexa nessa Região e desencadeou reações e contrarreações. Não gostaria de entrar em detalhes, mas, para mim, houve um tipo de desvio. Como comandante militar, vejo que a armadilha que é o Afeganistão funcionou bem, mais uma vez. Acertamos todos os nossos alvos militares" – disse ele.
Respondi que a Brigada 313 é da Cachemira. Que nada tem a ver com o Afeganistão. Que o fato de a Brigada 313 ter saído da Cachemira foi, só ele, prova de que há mãos estrangeiras envolvidas no Afeganistão.
"Seu raciocínio está errado desde a base. Essa guerra está sendo lutada de fora do Afeganistão. Sua visão é uma compreensão descontextualizada de toda a situação. Se você considera minha história e a Brigada 313, veja que eu decidi unir-me individualmente à resistência afegã; e tinha razões para isso. Todos sabem que há apenas dez anos, eu combatia uma guerra de libertação pelo meu país, a Cachemira .
"Depois, percebi que décadas de lutas políticas e armadas não fariam avançar uma polegada na direção de resolver aquela questão. Mas a questão do Timor Leste foi resolvida rapidamente. Por quê? Porque todo o jogo estava nas mãos do grande Satã, os EUA. Organizações como a ONU e países como a Índia e Israel são simples extensões dos recursos do grande Satã. Por isso, a questão palestina continua sem solução, como a Cachemira e o suplício do Afeganistão também continuam sem solução".
"Então, eu e vários outros em todo o mundo percebemos que analisar a questão sob esse prisma político regional estreito era uma abordagem errada. O jogo aqui é completamente diferente; nesse caso, uma estratégia unificada é obrigatória. Se eu desejo libertar minha terra natal, a Cachemira, então sou obrigado, antes, a derrotar a hegemonia global dos EUA. Pensando assim, decidi que tinha de participar dessa guerra do Afeganistão. Por isso vim para cá."
Ilyas continuou: "Quando vim para cá, vi que meu movimento fora acertado; vi como os poderes regionais do mundo operam sob o guarda-chuva do grande Satã e como todos eles se ajudam nos seus grandes planos. Vê-se isso bem claro aqui no Afeganistão" ". Acrescentou também que "a estratégia regional de guerra da Al-Qaeda, e o ataque a alvos na Índia visam, simplesmente, a minar a força dos norte-americanos".
"A RAW [Ala Indiana de Pesquisa e Análises] tem centros de comando nas províncias afegãs de Kunar, Jalalabad, Khost, Argun, Helmand e Kandahar. As empresas de construção de estradas servem para dar cobertura às operações militares. Por exemplo, o contrato para construir estradas da cidade de Khost até a área tribal de Tanai é controlado por uma empresa cujo presidente é coronel do exército indiano. Em Gardez, as empresas de telecomunicações dão cobertura a operações da inteligência indiana. Os empregados operam com nomes muçulmanos, mas todos, de fato, são indus."
"Nesse caso, o mundo deve esperar novos ataques como o de Mumbai?" – perguntei.
"De nada adiantará que esperem. Mumbai é nada, comparado ao que já está sendo planejado" – Ilyas respondeu.
"Contra Israel e os EUA?" eu perguntei.
"Saleem, não sou clérigo jihadista tradicional e não gosto de muitas palavras e slogans. Como comandante militar, posso dizer-lhe que cada alvo tem uma história, com motivos e momento específicos. Você terá suas respostas à medida que forem oportunas e necessárias" – disse Ilyas.
Enquanto anotava as suas falas, eu pensava que há apenas alguns anos, aquele homem era o orgulho do exército do Paquistão, sua pérola mais valiosa. Os oficiais de mais alta patente orgulhavam de ser convidados para visitá-lo em sua base na Cachemira; passavam temporadas com ele; ouviam-no falar; ouviam contar e contavam as lendas que o cercavam e seus sucessos guerreiros. Mas ali, naquele dia, eu tinha à minha frente outro homem – um homem condenado como terrorista pelo "establishment" militar paquistanês, com a cabeça a prêmio.
"O que o levou a juntar-se à Al-Qaeda?", perguntei.
"Todos somos vítimas do mesmo tirano. Hoje, todo o mundo muçulmano está em guerra contra os EUA e por isso todos concordam com Sheikh Osama. Se todo o mundo muçulmano fosse chamado a eleger um líder, elegeriam ou Mullah Omar [líder Taliban] ou Sheikh Osama."
"Se é assim, por que há um grupo de militantes que faz guerra contra Estados muçulmanos, como o Paquistão? O senhor acha que isso faz sentido?"
"Nossa batalha não pode ser contra muçulmanos ou crentes. Como já disse, o que hoje acontece no mundo muçulmano é uma nova complexidade, surgida por causa dos jogos de poder dos EUA, que levaram a reações e contrarreações. Esse é outro debate, completamente diferente, e me desviaria do assunto real. O jogo verdadeiro é lutar contra o grande Satã e seus aderentes" – respondeu ele.
Perguntei: "O que aconteceu, para que o senhor passasse, de companheiro bem-amado, a o mais odiado inimigo, aos olhos do establishment militar paquistanês?
"O Paquistão é meu país natal bem-amado e todos que aqui vivem são nossos irmãos, irmãs, parentes. Eu jamais pensaria em lutar contra os interesses deles. O exército do Paquistão jamais se pôs contra mim. Contra mim, são alguns elementos, que me põem como inimigo para encobrir a fraqueza deles mesmos e agradar aos patrões" – foi sua resposta.
"O que é a Brigada 313?"
"Nada lhe posso dizer, exceto que guerra é questão de táticas; e a Brigada 313 é especialista em táticas; ler a mente do inimigo e agir por essa pauta. O mundo pensou que o Profeta Maomé só deixou mulheres. Esqueceram que também há homens que não conhecem derrota. O mundo só tem tido contato com ditos muçulmanos que seguem o vento e não conhecem a própria vontade. Não pensam pela própria cabeça, não seguem a própria vontade, por regra própria. O mundo ainda não conhece muçulmanos reais. Até aqui, só ouviram Osama e Mullah Omar. Há milhares de outros. Os lobos só respeitam a garra de ferro do leão; não se criam leões pela lógica de ovelhas" – disse ele.
Com a chegada da noite, a conversa acabou. Dia seguinte, foi implantado o toque de recolher no Waziristão Norte, preparação para a grande operação na Região, e tive de sair de lá. Mohammad Ilyas Kashmiri também mudou de pouso, como faz regularmente. Assim escapa aos mil olhos dos teleguiados Predator.
O artigo original, em inglês, pode ser lido em:
http://www.atimes.com/atimes/South_Asia/KJ15Df03.html
Syed Saleem
Shahzad é editor-chefe da sucursal no Paquistão de Asia Times Online.
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