Não à Páscoa Judaica
A observação da Páscoa judaica, o feriado que celebra a libertação dos escravos judeus do Egito, cerca de 3.200 anos atrás, se tornou um problema para muitos judeus neste ano.
A observação da Páscoa judaica, o feriado que celebra a libertação dos escravos judeus do Egito, cerca de 3.200 anos atrás, se tornou um problema para muitos judeus neste ano.
No passado, pesquisas indicavam que mais judeus participavam do Sêder de Pessach[1] do que em qualquer outro feriado judeu. Religiosos ou ateus, os judeus se sentavam ao redor da mesa do Sêder na primeira noite do feriado de oito dias (que neste ano começou na noite de quarta-feira, dia 08) e falavam sobre o significado da liberdade e da libertação, às vezes com a família, às vezes com os amigos, às vezes esperando impacientemente pelo jantar, às vezes com sérias intenções de cumprir a ordem de contar a história aos filhos e de experimentar como se eles mesmos tivessem participado pessoalmente do grande Êxodo.
A história mesma é tão persuasiva que se tornou uma metáfora para muitas outras lutas. Os escravos afroamericanos negros cantavam canções sobre Moisés e os filhos de Israel como uma forma de se identificar com a possibilidade de que, algum dia, eles também seriam livres, e o movimento dos direitos civis usou muitas vezes essa história como um desafio à maneira pela qual a sociedade norte-americana ainda não havia cumprido a sua promessa de se tornar uma terra de pessoas livres. Com razão, ao longo dos anos, mesmo os judeus que questionavam a existência de Deus chegavam em números maiores ao Sêder.
Neste ano, eu tenho ouvido uma história muito diferente dos meus colegas rabinos e de muitos judeus que não fazem parte de nenhuma comunidade religiosa. Neste ano, milhões de judeus acompanharam o papel de Israel em Gaza e na Cisjordânia com particular horror. Muitos compartilham a raiva pelo terrorismo em curso que tornou a vida na cidade israelense de Sderot tão difícil. Poucos simpatizam com o Hamas. Eles estão cientes de que, ao longo dos últimos anos, muitos israelenses foram mortos pelo terror. Porém, a resposta largamente desproporcional do Exército israelense, que levou à morte de mais de 1.200 habitantes de Gaza, centenas deles crianças e mulheres civis, chocou e desanimou muitos judeus cuja identificação com o seu judaísmo surgiu primeiramente por meio do seu compromisso com os ensinamentos éticos.
Além disso, números crescentes de judeus em Israel e no resto do mundo se deram conta de que o núcleo do problema está na forma como a criação de Israel em 1948 levou à expulsão de cerca de 800 mil palestinos das suas casas. Muitos fugiram antecipadamente de uma rápida destruição pelos exércitos invasores do recém formado Estado de Israel.
Mas os historiadores israelenses, nas últimas duas décadas, documentaram que centenas de milhares desses refugiados deixaram seus lares por causa do medo gerado pelos terroristas israelenses de que os civis árabes seriam atingidos durante a guerra, ou para escapar de uma zona de guerra como os civis tradicionalmente fizeram durante as hostilidades em ação, ou, no caso de mais de 80 mil deles, porque o próprio Exército israelense desalojou-os de suas casas à força e empurrou-os para fora de Gaza e da Cisjordânia.
E então, em 1967, quando Israel atacou o Egito, a Síria e a Jordânia em uma guerra preventiva (com base em uma percepção genuína de ameaça), ele conquistou a Cisjordânia e Gaza e herdou o controle sobre as vidas de muitos desses refugiados. Hoje, cerca de 2,5 milhões de palestinos vivem sob as regras israelenses, sem o direito de votar nas eleições israelenses e exigir a sua liberdade.
A recente eleição de Benjamin Netanyahu, cuja promessa de campanha central foi a de nunca permitir um Estado palestino independente, e a escolha de Avigdor Lieberman – cuja campanha foi cheia de ataques racistas contra cidadãos árabes do Estado de Israel – como o novo ministro do Exterior israelense fizeram com que muitos judeus norte-americanos questionassem como eles poderiam celebrar a Páscoa judaica com todo o seu coração neste ano. Como diversos fiéis judeus me disseram: “Nós, judeus, nos tornamos Faraós para o povo palestino – então, estaríamos sendo hipócritas se sentássemos ao redor de nossa mesa de Páscoa para celebrar a nossa própria liberdade, regozijando-nos pela forma como os egípcios foram atingidos com as pragas e com a morte dos seus primogênitos, enquanto ignoramos o que Israel está fazendo hoje em nome do povo judeu”.
Eu argumentei que esse é, precisamente, o tipo de discussão que é apropriado para a mesa do Sêder neste ano. Mas o que eu temo é que números crescentes de jovens judeus não concordam com essa realidade e estão optando por se distanciar desse que é um dos mais belos rituais do ano judeu.
Notas:
1. O Sêder de Pessach refere-se ao jantar cerimonial judaico em que se recorda a história do Êxodo e a libertação do povo de Israel. O Sêder é realizado na primeira noite de Pessach em Israel e na primeira e segunda noites fora de Israel.