A fome mata uns e engorda outros

Madri, 22/09/2009 – O mar Mediterrâneo é o cenário onde se pode ver como a fome mata, dia sim e outro também, os que buscam escapar dessa maldição que na África afeta os que fazem essa tentativa, suas famílias e seus compatriotas. Aqueles famintos que conseguem cruzar o mar podem constatar que no lado europeu deste mar, alem de um notório e generalizado melhor nível de vida, existe uma minoria cuja renda é multimilionária e não há crise global que os afete.


Ontem, equipes oficiais e da Cruz Vermelha continuavam procurando pessoas que desapareceram no domingo quando naufragou uma lancha com cerca de 60 imigrantes perto da costa de Ceuta, enclave espanhol no norte da África, em águas do estreito de Gibraltar, que une o mar Mediterrâneo com o oceano Atlântico. Na lancha viajavam famílias inteiras, cujos mais velhos não tinham mais do que 30 anos de idade, e com menores, três deles bebês, segundo informou a organização não-governamental Caminhando Fronteiras, onde os imigrantes foram atendidos antes de partirem. No total foram resgatados 11 sobreviventes e oito corpos, sendo sete de mulheres.

Assim, dos 60 náufragos somente quatro mulheres e sete homens foram resgatados com vida das águas e presos pela polícia do Marrocos, e o mais provável é que, como sempre, sejam levados para a fronteira desse país com a Argélia, uma região desértica onde foram instalados acampamentos em que vivem milhares de frustrados imigrantes subsaarianos. Na madrugada de ontem a polícia marítima espanhola detectou próximo de suas costas, também na zona de Gibraltar, dois pequenos botes de borracha com seis e quatro pessoas a bordo, que foram detidas e levadas para delegacias espanholas para depois serem transferidas a centros de internação de onde serão expulsos do país por via aérea.

O desespero pelas baixas condições de vida que leva as pessoas a emigrarem teve uma patética prova na última sexta-feira, quando a polícia marítima espanhola deteteve seis crianças, o mais velhos com 11 anos, que tentavam atravessar o Mediterrâneo para a Espanha a bordo de uma pequena embarcação de brinquedo. No outro extremo social situam-se os multimilionários, tanto de um lado quanto de outro do Mediterrâneo. Na Espanha, embora seja difícil precisar os que possuem maiores fortunas e investimentos, pois quase todos os multimilionários têm conta bancária em paraísos fiscais, pode-se citar, entre os banqueiros, Emilio Botín, do Grupo Santander, uma organização espanhola conhecida por seus investimentos na América Latina, no Caribe, na África, Ásia e Austrália.

Segundo os últimos dados disponíveis, Botín recebeu 3,9 milhões de euros (US$ 5,71 milhões) como diretor do banco em 2007, além dos ganhos que consegue por ações e outros investimentos que possui, dentro e fora do país. Cada um dos cinco conselheiros-executivos desse banco receberam mais emolumentos do que Botín, e entre eles somam direitos de aposentadoria no valor de US$ 230,51 milhões), segundo informação oficial da instituição. Estes empresários não são exceções, mas, simplesmente, uma mostra de como vivem os milionários deste país.

A Rede Estatal Pelos Direitos dos e das Imigrantes (Redi) se dirigiu ao governo e à oposição reclamando que suspendam a reforma da Lei de Estrangeiros proposta pelo primeiro-ministro, José Luis Rodríguez Zapatero, e que a principal força opositora, o Partido Popular (PP, de centro-direita) pretende endurecer. A Redi afirma que essa lei fere gravemente os direitos e as liberdades da população estrangeira e prejudica os valores de convivência da sociedade espanhola em sua globalização. Também destaca que, se for aprovada, a lei aprofundará a visão da imigração como um problema eminentemente policial, em lugar de estabelecer uma política de integração social.

Mahamud Asai, um marroquino que há mais de um ano trabalha na Espanha sem ter os papeis legalmente em ordem, disse à IPS que “é incompreensível” rejeitarem os imigrantes, já que todos eles vêm à Europa para trabalhar. Sobre alguns detidos sob acusação de roubo, disse que “é verdade, pode haver ladrões entre os imigrantes, mas, duvido que a porcentagem seja maior do que a dos próprios europeus”. Em sua opinião, “há bons e maus em todo o mundo, mas, a enorme maioria dos imigrantes vem para trabalhar, e não nas melhores condições, nos setores em que os europeus não querem trabalhar”.

Assim com se discute endurecer ou não as leis sobre imigração, também entra em discussão a renda dos banqueiros. O tema será discutido na cúpula do Grupo dos 20, cujos membros somam 85% da economia mundial ao contar com os oito Estados mais industrializados do mundo. O G-20 é integrado por Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Brasil, Austrália, Canadá, China, Coréia do Sul Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Rússia, África do Sul e Turquia, além de um representante do país que ocupar a presidência da União Européia. Das reuniões também participarão governantes da Espanha e da Holanda, bem como chefes de várias agências multilaterais.

Nessa reunião, convocada para os dias 24 e 25 próximos em Pittsburgh, nos Estados Unidos, a delegação européia proporá restringir os bônus multimilionários que os bancos pagam aos seus diretores e dentro dela a Espanha levará a posição mais dura junto com a França, cujo presidente, Nicolas Sarkozy, ameaçou retirar seu país do G-20 se não se chegar a um acordo para por um limite aos bônus dos banqueiros.

Outras posições vão além, afirmando que mais do que resolver a questão dos bônus está a necessidade de reformar profundamente o sistema financeiro, visando especialmente os paraísos fiscais e estabelecendo normas que permitam ver claramente as contas. Enquanto Washington insiste em nada modificar, os países europeus chegaram a um acordo para propor multa aos bancos que não puserem limites aos grandes salários.

Os ministros da Economia de Espanha, Alemanha, França, Luxemburgo, Itália, Suécia e Países Baixos assinaram na semana passada um artigo propondo acabar com os bônus com o estão estabelecidos atualmente, para acabar com a “insaciedade” de seus receptores, que nunca consideram suficientes esses fundos e sempre querem aumentá-lo. IPS/Envolverde


(Envolverde/IPS)
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