A fome cresce e reclama urgência

Caracas, 22/09/2009 – Na América Latina e no Caribe há 52 milhões de famintos, seis milhões a mais do que em2008, e esse lado da crise global se converte em demanda prioritária para as políticas nacionais e de cooperação, concluíram os presentes à reunião de análise do Sistema Econômico Latino-americano (Sela) encerrada sexta-feira em Caracas. A região “apresenta uma produção ampla e suficiente e, em contraste, temareas com insuficiências crônicas de alimentos”, disse à IPS o mexicano José Rivera Banuet, secretário permanente do Sela.


O que desde 2008 se apresenta como um problema financeiro, “na realidade é uma crise estrutural que toca as finanças, o emprego, a alimentação, o meio ambiente, o déficit de energia e a mudança climática, mas o aspecto alimentar exige prioridade porque incide diretamente na vida das pessoas”, afirmou a direção do Sela. Se um em cada 10 latino-americanos deita todas as noites com fome, no mundo já são 1,020 bilhão de pessoas, cem milhões a mais do que em 2008, segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO).

A FAO duvida que seja possível cumprir o objetivo de, até 2015, reduzir para 420 milhões de pessoas o número de famintos no planeta, segundo a meta fixada pela Cúpula da Alimentação de 1996, quando pouco mais de 800 milhões de pessoas passavam fome. Na região “deve-se comprometer todas as instâncias nacionais, incluindo o setor privado, as entidades governamentais, os esquemas de integração e os organismos internacionais nas estratégias para garantir a segurança alimentar e nutricional”, disseram os representantes dos 27 Estados-membros do Sela na “Reunião de consulta e coordenação sobre o preço dos alimentos e a segurança alimentar na América Latina e no Caribe”.

O desafio destes países “supõe incrementar a oferta, aumentar a produtividade, incorporar as populações vulneráveis e favorecer o correto funcionamento dos mercados agrícolas locais, dando prioridade às cooperativas e aos pequenos e médios produtores agrícolas”, acrescentaram os representantes. “Há experiências que valem a pena valorizar, como os esforços de Bolívia e Equador para resgatar conhecimentos e variedades nativas, conhecidas pelas comunidades indígenas e camponesas, de alto valor nutritivo e que não são capitalizadas pelos circuitos comerciais”, disse à IPS o boliviano Diego Montenegro, representante do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura na reunião de Caracas.

Este encontrou reviu o impacto sobre o problema alimentar e a sustentabilidade agrícola da alta mundial dos preços dos alimentos, que no período 2005-2008 foi, em média, de 40%, segundo Montenegro. As altas se concentraram em alguns produtos: óleos e gorduras subiram 153% entre 2006 e 2008; os cereais 126% e os lácteos 88%. Um caso que chamou a atenção foi o do arroz, que aumentou 140% em apenas cinco meses de 2008 (de US$ 376 a tonelada em janeiro para US$ 900 em maio), enquanto a carne bovina aumentou apenas 28% entre 2006 e seu valor máximo em setembro de 2008.

“A especulação foi um dos fatores que mais castigou o mercado de alimento”, disse Rivera, em alusão aos capitais que participaram das bolhas financeiras desde meados desta década até o ano passado e com suas compras pressionaram para cima os preços das matérias-primas. Rivera propôs, para procurar a estabilização dos mercados vinculados aos alimentos, a formação de sistemas regionais de estoques que evitem flutuações excessivas dos preços, e apoiar iniciativas dos países industrializados para limitar a especulação financeira nos mercados internacionais de produtos básicos.

A reunião no Sela adotou essa proposta e pediu o fortalecimento dos demais esquemas, programas e redes de cooperação regional em matéria de segurança alimentar e desenvolvimento agrícola, seja de intercâmbio de insumos, uso de laboratórios, melhoria de sementes, desenvolvimento de variedades resistentes ou para proteção de consumidores pobres e vulneráveis. Em particular, destacaram a iniciativa adotada em fevereiro deste ano pelos países-membros da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba), integrada por Antigua e Barbuda, Bolívia, Cuba, Dominica, Equador, Honduras, Nicarágua, San Vicente e Granadinas e Venezuela.

A chamada Alba-alimentos destinou em abril US$ 9 milhões a um projeto agrícola no Haiti, para outros 10 planos em oito países do Caribe US$ 13 milhões, e um estudo do Sela destacou que a iniciativa insiste “em setores com carências, comunidades indígenas e camponesas e afrodescendentes”. Também recebeu apoio o esquema Petrocaribe pela qual a Venezuela vende combustível com facilidades de pagamento a cerca de 15 países da região e a criação de um fundo de desenvolvimento de US$ 50 milhões.

A Petrocaribe destinará US 0,50 para projetos de segurança alimentar na região para cada barril de petróleo vendido acima dos US$ 100, mas essa circunstância não está presente nos atuais valores do óleo. Por fim, a reunião mencionou como necessário “evitar que a produção de biocombustíveis provoque um conflito com o meio ambiente, a agricultura e o comércio”.

Montenegro disse que, “felizmente, muitos países interessados na agrobioenergia identificaram cultivos que são de alto valor energético e não competem com a produção de alimentos, e outros, consumidores desses combustíveis, como os Estados Unidos, reconhecem que competir com a produção de alimentos não é adequado em uma conjuntura como a atual”. Conjuntura que, segundo Rivera, na América Latina e no Caribe ainda não registrou o impacto da crise econômica global com toda sua força, por isso a situação alimentar poderá piorar nos próximos meses. Isso apesar de ser uma região que, com menos de 10% da população mundial, possui 15% das terras do planeta usadas em agricultura, 33% dos recursos hídricos renováveis, cultiva 30% do total global de oleaginosas e produz 21% da carne de ave e 26% da carne bovina. IPS/Envolverde


(Envolverde/IPS)
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