Oakland, julho/2009 – Enquanto os famintos no mundo superam o número recorde de um bilhão, o G-8 realizou uma luxuosa cúpula-gala, na qual foram servidas 25 mil refeições às elites dos países ricos. A cúpula, de 8 a 10 de julho, concluída com a Iniciativa de Segurança Alimentar de L’Aquila, gerou uma intensa cobertura jornalística centrada na promessa do G-8 de destinar US$ 20 bilhões para os programas de segurança alimentar e desenvolvimento agrícola. Com detalhes pouco claros, e alguns dos fundos anunciados que parecem tirados de velhas promessas não cumpridas e apresentados como novos, esta iniciativa é uma cópia carbono de outras anteriores.
Os grandiosos proclamas sobre
combate à fome se converteram em um tema comum na agenda das conferências,
especialmente desde a crise alimentar de 2000. As soluções propostas, tal como a
Iniciativa de L’Aquila, centram-se principalmente em estimular a produção
agrícola por meio de soluções tecnológicas, como a engenharia genética e os
insumos químicos, e/ou em remover restrições à oferta para garantir o acesso aos
alimentos com a liberalização do comércio. Dessa forma, o G-8 reitera seu
continuado apoio ao livre comércio, aos mercados eficientes e à rejeição ao
protecionismo, enquanto recomenda uma ambiciosa, completa e balanceada conclusão
da Rodada de Doha de negociações comerciais globais.
Contudo, afirmar que
o livre comércio ajudará a resolver a fome é um ato de flagrante amnésia
política. Em maio passado, Olivier De Schutter, o Informante Especial das Nações
Unidas sobre o Direito aos Alimentos, destacou de que maneira os países ricos
usam sua altamente subsidiada agricultura para conquistar mercados, inundando
nações em desenvolvimento com importações agrícolas baratas, fazendo, desse
modo, com que a agricultura de subsistência perca competitividade e seja
financeiramente instável. O pior impacto da abertura indiscriminada de mercados
foi sentido nas áreas rurais, onde a agricultura é a principal ocupação para a
maioria dos pobres e a fonte de seu poder aquisitivo. O aumento das importações,
que destruiu meios de sustento, não aumentou a segurança alimentar. Os pobres,
simplesmente, não podem se permitir comprar alimentos.
Além disso, as
medidas previamente à disposição dos governos para suavizar os efeitos da
volatilidade dos preços – tais como limitação das importações e exportações,
administração dos estoques domésticos, controle de preços, subsídios ao
consumidor e sistemas de racionamento – foram criticadas por distorcerem o livre
comércio. As proibições às exportações de alimentos, impostas em 2008 por cerca
de 40 países, incluindo Índia, Egito e Vietnã, foram vistas como uma ameaça ao
livre comércio e apontadas como causadoras do aumento dos preços
agrícolas.
Como a primeira Cúpula Agrícola do G-8, no ano passado, a
Iniciativa de L’Aquila defende uma revolução verde tecnológica baseada nos
cultivos geneticamente modificados (GM), apesar de as promessas de alimentar o
mundo com esses produtos até agora demonstrarem que são vazias. Um informe deste
ano da Union of Concerned Scientists, que analisou quase duas décadas de
colheitas de alimentos e forragens GM nos Estados Unidos, demonstra que a
engenharia genética fracassou em aumentar significativamente as colheitas de
cereais. Enquanto um importante cultivo GM, o milho Bt, conseguiu aumento de 3%
a 4% nas colheitas ao longo dos 13 anos em que foi cultivado, este aumento se
perde na comparação com os alcançados por outros métodos no mesmo período,
incluindo os convencionais.
Outros estudos demonstram que os métodos
agrícolas orgânicos e similares rendem mais que o dobro das colheitas de
transgênicos. Um estudo denominado Agricultura Orgânica e Segurança Alimentar na
África, realizado pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento (Unctad) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(Pnuma), indica que as práticas agrícolas orgânicas e parcialmente orgânicas na
África ultrapassaram as baseadas em intenso uso de produtos químicos,
proporcionam benefícios ambientais e são mais condizentes com a segurança
alimentar na região.
De fato, os reiterados esforços do G-8 para melhorar
a produtividade agrícola por meio de tecnologias como a engenharia genética
servem apenas aos interesses das grandes corporações biotecnológicas. Na Cúpula
Mundial dos Alimentos de 1996, os chefes de governo se comprometeram a reduzir
pela metade o número de pessoas com fome – na época eram 815 milhões – até 2015.
O último número, de 1,020 bilhão de famintos, revela uma crise fora de controle.
A necessidade de alimentar o mundo com uma agricultura ambiental, social e
economicamente sustentável nunca foi mais urgente do que agora.
Se o G-8
está realmente comprometido em acabar com a fome, seus membros devem parar com o
constante proselitismo a favor do livre mercado e das soluções tecnológicas. E o
que é mais importante, um compromisso genuíno exigirá o reconhecimento da
necessidade dos países em desenvolvimento de adotar políticas agrícolas que
atendam as necessidades de suas populações, o direito de realizar uma reforma
agrária que resguarde os direitos dos agricultores à terra, à água, às sementes
e a outros recursos, de sustentar a renda dos agricultores e que se consolide a
segurança alimentar nacional.
Em resumo, em lugar de promover versões
disfarçadas de suas fracassadas fórmulas de desenvolvimento, o G-8 deve ajudar
os governos das nações em desenvolvimento a estabelecer ou restaurar sistemas
agrícolas sustentáveis e flexíveis.
(*) Anuradha Mittal
é diretora-executiva do Oakland Institute (http://www.oaklandinstitute.org e http://www.facebook.com/pages/The-Oakland-INstitute/8974552100?ref=ts).
(Envolverde/IPS)