“Não acredito mais na generosidade e nos bilhões do G8. Nesta fase em que os
próprios países ricos estão em plena tempestade, seria mais útil admitir os
erros passados na cooperação com a África e tentar uma mudança de rota nas
relações recíprocas”.
Essa é dura a opinião de Aminata Traoré,
ex-ministra da Cultura de Mali e há muito tempo entre as vozes emblemáticas da
África em busca de resgate. Os seus livros, dentre os quais o recente “L’Africa
umiliata”, estão traduzidos também na Itália.
A reportagem é de Daniele
Zappalà, publicada no jornal Avvenire, dos bispos italianos, 10-07-2009. A
tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
De
que nasce o seu ceticismo?
Diante do G8, tenho uma
impressão de déjà vu. No entanto, muitos países africanos atravessam uma fase
extremamente grave. Ainda mais do que o dinheiro, é preciso uma outra forma de
cooperação. Diante da crise econômica em curso, muitos africanos não compreendem
por que os países mais industrializados continuam se recusando a corrigir o seu
modelo econômico. Porém, já está claro que a política de cooperação do passado
provocou muitas vezes mais problemas do que os que deveria
resolver.
A que a senhora se refere?
O
problema não é tanto acumular ajudas velhas e novas, mas o paradigma que eles
ofereceram. Como contrapartida das ajudas e em nome de uma concepção absoluta ou
extremamente rígida do mercado, foi pedido que muitos Estados desmantelassem os
serviços públicos e privatizassem diversos setores, favorecendo assim as
multinacionais. Mas as chamadas reformas acabaram, em muitos casos, com a
extensão ainda maior da miséria das pessoas.
O que a senhora
denuncia, portanto, é um certo egoísmo escondido por trás da
cooperação?
As ajudas à África foram vistas muito
frequentemente só como um modo para proteger ou dissimular certos interesses
estratégicos dos próprios países ricos. As riquezas minerais do continente
continuam tentando muitos, sobretudo nestes tempos de crise. Sempre se disse aos
africanos que exportar matérias-primas equivale a uma relação vencedora para
todos. Mas o crescimento e a competitividade permaneceram apenas como belas
palavras, enquanto as pessoas do continente repetidamente conheceram crises
alimentares, em parte ligadas justamente a um modelo de desenvolvimento
distorcido e orientado para servir sobretudo aos interesses dos países do
Norte.
Mas muitos economistas defendem que outras vias de
desenvolvimento alternativo falharam.
Acredito que a África
já possui os recursos fundamentais para o seu próprio desenvolvimento. Mas as
regras para que eles deem fruto não são diferentes com relação aos outros
continentes. A propósito, eu combato há muito tempo a ideia de uma
especificidade africana. Sobretudo, seria necessário deixar de extrair urânio,
petróleo, gás, coltan [columbita-tantalita] e outros, sem que haja retornos
positivos para as populações. Em outros termos, é preciso denunciar como
inaceitável, também na África, o que é inaceitável em todos os outros lugares.
Sem esquecer que, em nível ambiental, particularmente no Sahel, já pagamos
severamente as consequências de muitos erros do modelo econômico
internacional.
A presença de chefes de Estado africanos no G8
não lhe parece ser um sinal positivo?
Também no passado
houve convites do gênero. Mas isso não impediu que se continuasse estigmatizando
a África. O dinheiro prometido nessas cúpulas tem o sabor amargo de uma esmola
que não resolve as distorções de fundo das relações entre o Norte e a África.
Posso dizer que cresce na África um certo cansaço também com relação aos apelos
de estrelas como Bono [Vox] ou [Bob] Geldof. Não basta choramingar sobre as
vítimas, se depois não se fala das causas reais dos males, dentre os quais a
renúncia dos Estados africanos à sua soberania em muitos setores. Aquilo que
muitos africanos pedem hoje aos seus dirigentes é que tomem nas mãos as suas
responsabilidades e que não liquidem com as riquezas nacionais em troca de um
prato de lentilhas.
(Envolverde/IHU - Instituto Humanitas Unisinos)