Santiago, 11 de maio (Terramérica) - Você e eu sabemos que toda estrutura de lucro, neste caso o negócio da energia nuclear, precisa atualizar seus discursos promocionais para nos seduzir e, assim, nos levar a comprar seus produtos. Se na década de 60 a indústria do setor e seus grupos de pressão diziam que esta tecnologia era uma “fonte inesgotável e segura” para a América Latina – publicidade desmentida por fracassos econômicos e acidentes radioativos conhecidos –, hoje aproveitam a nova conjuntura planetária para mudar de roupas e mostrar a energia nuclear como “a solução” aos imperativos da mudança climática.
Isso ocorre porque no Ocidente as centrais nucleares chegam ao
final de sua vida útil, razão pela qual estas companhias precisam vender novos
reatores para, pelo menos, manterem suas cotas de mercado. Com essa finalidade
se concentram em países onde há democracias novas e pouco profundas, escassa (ou
não vinculante) participação da cidadania e classes políticas tendentes ao
cogoverno com grandes grupos empresariais, devido ao poder destes para financiar
campanhas políticas e pressionar em nome da “confiança dos investidores”. Com
pequenas modificações no discurso, vários governos sul-americanos estão cedendo.
O do Brasil alega interesse pela “liderança em pesquisa científica”. Se o Brasil
diz que sim, a Argentina não quer ser menos e acrescenta razões
geopolíticas.
O governo de Alan García, por sua vez, apela para um
excepcional e transitório crescimento do Peru para aprovar um enfoque
extrativista dos recursos naturais, e dessa forma cede a interesses da mineração
sobre novas jazidas de urânio. No Chile, membros dos partidos que formam o
governo de Michelle Bachelet forçaram a presidente a ignorar um compromisso com
a cidadania contrário à opção nuclear. Já no Uruguai, o presidente, Tabaré
Vázquez, aproveita um apoio nas pesquisas de opinião para desviar as críticas de
especialistas e organizações civis locais para essa forma de
energia.
Segundo a indústria nuclear, esta opção “não emite dióxido de
carbono” e por isso deteria o aquecimento global, causado pela emissão de gases
estufa. O cálculo, porém, parcela a produção de uma central nuclear. Qualquer um
pode ter acesso aos sites da Agência Internacional de Energia (AIE); do Energy
Watch Group, uma rede internacional de cientistas e parlamentares, e do Oxford
Watch Group, da Grã-Bretanha, dedicado a promover soluções não militares aos
conflitos. Ali poderá ver estudos demonstrando que a energia nuclear produz até
122 gramas de dióxido de carbono por quilowatt/hora gerado, considerado o ciclo
completo do combustível nuclear, o urânio.
Esse ciclo inclui trabalhos de
extração do urânio – de alta pureza, pois de outro modo as emissões superam as
de uma central movida a gás –, a mineração ou separação do mineral da rocha,
traslado, construção e desmantelamento da central nuclear e processamento de
resíduos radioativos para seu posterior armazenamento. Quanto ao preço, a
energia nuclear é a mais cara e sempre exige enormes subsídios fiscais. Entre
2004 e 2007, o preço do urânio subiu mais de 570% e chegou a US$ 113 a
libra.
Desde então, como o petróleo, este mineral registra notáveis
flutuações pela sustentada baixa na produção mundial. A AIE identifica reservas
provadas de urânio para mais 85 anos, desde que não se expanda o atual parque
atômico mundial. Por isso, a geração nuclear de eletricidade já é obsoleta e sem
futuro. Os cidadãos devem exigir que a política energética seja um reflexo do
entendimento que hoje temos: a eficiência energética e as energias renováveis
não convencionais devem sustentar majoritariamente a matriz elétrica do
continente, para garantir sustentabilidade ambiental e democrática.
A
energia nuclear, as termoelétricas a carvão e petróleo, e as grandes represas
hidrelétricas forçam o pagamento de subsídios de fato, por parte da saúde das
pessoas, de outras economias locais, como a agricultura e o turismo, e do
patrimônio natural. Com o contexto da mudança climática. O cuidado que exigem
nossos recursos hídricos é incompatível com a grande demanda de água da
mineração do urânio. Por isso, a sociedade civil organizada observa de maneira
positiva a liderança do Uruguai, que incluiu em sua Constituição a consideração
do acesso à água como um direito humano e assentou as bases para que sua gestão
seja pública e baseada em critérios de participação social e sustentabilidade.
Igualmente louvável é o caminho iniciado pela Colômbia para adotar o acesso à
água como direito fundamental.
Se nossos países cedem à pressão para
concentrar enormes investimentos fiscais no desenvolvimento nuclear, sofreremos
novas perdas democráticas, que limitarão o acionar da cidadania na definição de
uma política pública, em um cenário marcado por restrições drásticas, derivadas
dos múltiplos desafios ambientais da América Latina.
* Sara Larraín é
diretora do não-governamental Programa Chile Sustentável. Direitos exclusivos
Terramérica.
Crédito da imagem: Fabrício Vanden
Broeck