Havana, 4 de maio (IPS/IFEJ) - A milhares de quilômetros da Ucrânia, onde há 23 anos aconteceu o pior acidente nuclear da história, o sol e o ar puro de uma praia de Cuba ajudam a recuperar crianças que continuam nascendo com sequelas do desastre. Apenas começava o dia 26 de abril de 1986 quando explodiu o reator quatro da central nuclear de Chernobyl, na então República Soviética da Ucrânia. Segundo testemunhos, a explosão elevou a temperatura a 2.500 graus, derretendo tudo à sua volta. Uma nuvem de pó radioativo se espalhou por boa parte da Europa. A radiação causou uma ampla gama de doenças na população, como câncer e deformações congênitas.
Quatro anos depois, começaram a chegar a Havana
crianças e adolescentes procedentes da área da catástrofe. Aqueles foram os 139
primeiros de um vasto projeto de ajuda que beneficiou mais de 24 mil pessoas.
Segundo as autoridades cubanas, esta assistência será mantida enquanto a Ucrânia
necessitar. O Programa Cubano Crianças de Chernobyl – que até 1992 também
recebeu pacientes da Rússia e da Bielorússia – dispõe em Tarará, 20 quilômetros
a leste da capital, de um pequeno hospital, escola com professores ucranianos e
várias dezenas de confortáveis casas para os pacientes e seus
acompanhantes.
“Daqui se movimentam por todo nosso sistema de saúde,
segundo suas necessidades”, explicou seu diretor, Julio Medina. Essa é sua
desculpa para não fazer estimativas do custo dessa assistência que Cuba presta
gratuitamente. “O importante é dar toda atenção de que precisam essas crianças e
esses jovens”, afirmou. O projeto funciona por meio de convênios entre os
Ministérios da Saúde dos dois países. Medina também mencionou a participação do
Fundo Internacional de Chernobyl, uma organização não-governamental ucraniana
que calcula em US$ 350 milhões os gastos cubanos, apenas com remédios.
A
Ucrânia se encarrega do transporte, enquanto a estadia e os serviços médicos
prestados em território cubano correm por conta dos anfitriões. Os próprios
pacientes fazem as contas. “Em meu país, o tratamento que meu filho recebe
custaria 80 mil euros (US$ 105.362)”, disse Natalia Kisilova. Mãe de Mikhail
Kisilov. O jovem de 15 anos nasceu com uma orelha sem o pavilhão auricular e sem
duto auditivo, além da perda de audição. Médicos ligados ao programa que
trabalham na Ucrânia avaliaram seu caso e o enviaram para Cuba há dois anos.
Como verdadeiro ourives, profissionais cubanos iniciaram de imediato um
tratamento para corrigir a má-formação.
“Vivíamos na área do acidente e
nos últimos anos nasceram pelo menos quatro crianças com problemas semelhantes
aos do meu filho. Não tenho dúvidas de que é consequência do acidente”, disse
Kisilova, que considera este programa médico “o mais humanitário do mundo”.
Porém, Medina e o pediatra Aristides Cintra concordam que nem sempre existe
certeza científica de que os problemas atendidos foram provocados pelo desastre
nuclear, pois se comportam da mesma maneira em pessoas não expostas à radiação.
“Em todo caso, o nível de recuperação passa de 90%”, assegurou Medina.
As enfermidades mais comuns são câncer de tireóide, leucemia, atrofia
muscular, transtornos psicológicos e neurológicos, além de doenças
dermatológicas que não são curadas na Ucrânia, como vitiligo, psoríase e
alopecia. A explosão do reator liberou, entre outras substâncias, césio-137, que
permanece ativo muito mais tempo do que as outras. “As pessoas expostas a ele
estão em risco de contrair alguma doença, por isso atendemos inclusive crianças
aparentemente sãs que vivem em áreas contaminadas”, explicou
Cintra.
Somente em 2000 foi fechada a central de Chernobyl, com o
compromisso internacional de ajuda financeira à Ucrânia, para terminar o
trabalho de confinamento do material radioativo e construir reatores mais
modernos para compensar o déficit de eletricidade. O orçamento para um novo
envoltório, destinado a cobrir o núcleo radioativo, está entre US$ 1,3 bilhão e
US$ 1,4 bilhão.
Naquele mesmo ano, Cuba desistiu de terminar a
construção de uma central nuclear iniciada na era soviética, que lhe permitiria
economizar cerca de 700 mil toneladas de petróleo na geração de energia
elétrica, e optou por soluções “mais eficientes e menos caras”, como o gás
derivado do petróleo nacional. A estratégia levada adiante nesta década se
sustenta na busca de petróleo, na economia e no desenvolvimento de fontes
renováveis. Se fosse construída a central, este país caribenho seria o quarto da
América Latina a contar com energia nuclear, depois de Brasil, Argentina e
México.
Apesar do ocorrido em Chernobyl, “esta é uma fonte rentável,
segura e extremamente econômica”, afirmou em uma entrevista o encarregado de
negócios da Ucrânia, Oleksandr Khrypunov. A Ucrânia conta hoje com 15 usinas
nucleares, que garantem 30% da eletricidade que consome, e está construindo
outras duas, segundo a Associação Nuclear Mundial.
Um informe dessa
associação contabiliza 436 centrais atômicas em operação em 30 países e outras
44 em construção. Do total, 104 pertencem aos Estados Unidos (tenaz opositor ao
projeto cubano de instalar reatores de tecnologia soviética), 59 à França, 51 ao
Japão e 31 à Rússia. Khrypunov assegura que entre 1987 e 2004 morreram 504 mil
pessoas pelo efeito da radiação, entre elas 6.769 crianças. Apenas em seu país,
sofreram danos à saúde 2,3 milhões de pessoas, e meio milhão delas eram menores
de idade. “A maioria dos que vêm para Tarará é vítima desse desastre”,
afirmou.
Até 2015, as perdas econômicas para esse país terão somado cerca
de US$ 180 bilhões, afirmou o diplomata ucraniano. Porém, os riscos para a
população baixaram consideravelmente e a juventude praticamente não fala do
assunto, acrescentou. “Chernobyl passou a segundo, ou terceiro, plano no nível
de preocupação das pessoas”, disse.
* Este artigo é parte de uma série
produzida pela IPS (Inter Press Service) e pela IFEJ (Federação Internacional de
Jornalistas Ambientais) para a Aliança de Comunicadores para o Desenvolvimento
Sustentável (www.complusalliance.org).
Crédito da imagem: José Luis
Baños/IPS
Legenda: Ana Pachenko, de 11 anos, vítima de
Chernobyl, no centro médico de Tarará, Cuba.