Anchorage, 27 de abril (Terramérica) - Enquanto os países industrializados emitem crescentes volumes de gases causadores do efeito estufa, os povos originários precisam adaptar-se a um clima cada vez mais perigoso para sobreviver. Ao longo da história, as comunidades indígenas desenvolveram um grande arsenal de práticas que hoje poderiam servir para lidar com a mudança climática. “Por que não dar um dia de descanso aos automóveis e aos aviões? E depois dois dias de descanso. Isso reduziria a poluição”, sugeriu Carrie Dann, uma anciã da etnia norte-americana dos shoshones ocidentais.
Dann,
ganhadora do Ritght Livelihood Award 1993 – conhecido como o Prêmio Nobel
Alternativo – por seu ativismo na proteção de suas terras ancestrais, fez a
proposta perante cerca de 400 delegados reunidos entre os dias 20 e 24 deste mês
na Cúpula Mundial dos Povos Indígenas sobre Mudança Climática, realizada em
Anchorage, no Estado norte-americano do Alasca. Dann afirmou que é preciso curar
a “febre” da Mãe Natureza. “Meu território está ficando muito quente e há muitos
incêndios nas pradarias”, afirmou.
Na Austrália, para prevenir incêndios
semelhantes, que nos últimos anos devastaram grandes áreas e deixaram centenas
de mortos, os aborígines de Western Arnhem Land, no Território do Norte,
praticam queimadas tradicionais controladas. Ao impedir esses enormes incêndios
também são reduzidas as emissões de gases de efeito estufa. E, pela primeira vez
no mundo, esses aborígines venderam créditos de carbono à indústria, por US$ 17
milhões, gerando uma renda significativa para suas comunidades, segundo um
informe apresentado em Anchorage.
Seguindo a tradição, depois da
temporada chuvosa, os indígenas australianos fazem queimadas controladas para
criar barreiras que depois, na estação seca, agem como corta-fogo dos incêndios
florestais. Os incêndios controlados geram uma grande quantidade das emissões de
carbono da Austrália. Nos últimos anos, pouquíssimos aborígines puderam
continuar vivendo na terra ou fazendo queimadas controladas. Agora, poderiam
assumir um novo papel no combate à mudança climática.
“O mundo tem de
prestar mais atenção às opiniões das comunidades indígenas e à sabedoria do
conhecimento ancestral”, afirmou Sam Johnston, da Universidade das Nações
Unidas, copatrocinadora da Cúpula. Na Ásia, os povos originários desenvolveram
diferentes variedades agrícolas e utilizam distintos modelos de semeadura, disse
na conferência Victoria Tauli-Corpuz. presidente do Fórum Permanente para as
Questões Indígenas da Organização das Nações Unidas. Também participam da
agrossilvicultura sustentável, da geração energética com biomassa e de pequenas
centrais hidrelétricas.
Na ilha de Bali, na Indonésia, os indígenas
reabilitam arrecifes e protegem mangues. Nas Filipinas, a população autóctone
traça mapas das águas de suas terras e desenvolve um plano de manejo integrado.
“Muitos fazem estas coisas por conta própria, sem nenhum apoio”, destacou
Tauli-Corpuz. Em Honduras, sob a freqüente ação de furacões, a etnia quezungal
desenvolveu um método agrícola para plantar sob as árvores, o que permite que as
raízes se prendam melhor ao solo e também reduz a perda de cultivos em desastres
naturais.
Na Guiana, os povos indígenas adotaram um estilo de vida
nômade, mudando para regiões com mais florestas na estação seca, e agora plantam
mandioca (Manihot esculenta), seu principal alimento, em planícies aluviais que
antes eram consideradas muito úmidas para cultivos. Em Belize, os agricultores
estão retomando práticas tradicionais e se mudando para terrenos mais elevados,
informaram outros delegados.
Na África, os pigmeus baka, do sudeste de
Camarões, e os bambendzele, da República do Congo, desenvolveram novos métodos
de caça e pesca, adaptando-se a uma realidade com menos chuvas e mais incêndios
florestais. Embora os povos originários tenham uma grande capacidade de
adequação e existam tratados e leis internacionais que garantem seu direito ao
alimento e às suas formas de vida tradicionais, a mudança climática ameaça tudo
isto, disse Andréa Carmen, da etnia yaqui, dos Estados Unidos.
Quando os
chefes das tribos da província canadense de Alberta declararam que era preciso
acabar com a exploração das areias petrolíferas, foram ignorados, ressaltou
Carmen, que é diretora-executiva do Conselho Internacional de Tratados
Indígenas, uma organização de defesa dos direitos indígenas. A extração de
petróleo das areias alcatroadas é a principal razão pela qual o Canadá aumentou
em 4% suas emissões que contribuem com a mudança climática, entre 2006 e 2007,
estando 33,8% acima do compromisso de redução de emissões que assumiu por ser
parte do Protocolo de Kyoto, em vigor desde 2005.
Entretanto, os povos
indígenas também observam com cautela ações de governos e indústrias em resposta
à mudança climática, como a construção de fazendas eólicas e usinas de
biocombustíveis, normalmente em terras ou lugares onde os afetam, prejudicando
seu sustento, explicou Gunn-Britt Retter, do Conselho Saami, da Finlândia.
“Contamos com os conhecimentos tradicionais para suportar estas mudanças
climáticas, e precisamos usá-los para ajudar outras culturas” a fazerem o mesmo,
afirmou. Os povos indígenas “devem participar plena e efetivamente dos planos
nacionais e internacionais para que nossas culturas sobrevivam a estas
mudanças”, acrescentou.
Já se passaram 17 anos desde a primeira reunião
da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, destacou Sheila
Watt-Cloutier, ex-presidente do Conselho Circumpolar Inuit. “Precisamos agir
rapidamente. Esta é a última oportunidade de assumir o controle”, disse aos
delegados em videoconferência, de sua casa em Iqaluit, na província canadense de
Nunavut. “O mundo necessita da sabedoria de nossas culturas”, concluiu.
* O autor é correspondente da IPS. Sua viagem ao Alasca foi financiada
pela Universidade das Nações Unidas e pelo Project Word, uma organização
não-governamental com sede nos Estados Unidos, que incentiva a cobertura
jornalística dos assuntos indígenas.
Crédito da imagem:
Gentileza da entrevistada
Legenda: Carrie Dann, líder
indígena da etnia norte-americana dos shoshones
ocidentais.