Racismo: A hora da ação

Genebra, 27/04/2009 – A Organização das Nações Unidas adotou um novo instrumento para combater o racismo, a declaração da Conferência de Exame de Durban, que reforça pontos críticos como a condenação ao antissemitismo e a islamofobia, a recordação do Holocausto judeu e a defesa da liberdade de expressão. O texto final, que também elimina aspectos controversos como as referências à difamação da religião, omite questões incorporadas à Declaração e ao Programa de Ação de Durban, aprovada em 2001 nessa cidade sul-africana e que criaram polêmicas, como as citações aos sofrimentos da população palestina e ao conflito do Oriente Médio. Por isso, Estados Unidos e Israel abandonaram a conferência de Durban e estiveram ausentes agora da reunião de Genebra.


Em uma conferência de alta tensão política, como a finalizada sexta-feira nesta cidade da Suíça, todos os grupos regionais e políticos fizeram concessões para chegara à adoção da declaração por consenso. Essas mostras de flexibilidade foram difíceis, descreveu a alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a sul-africana Navi Pillay. Por exemplo, os países árabes aceitaram que as questões da Palestina e do Oriente Médio fossem omitidas, disse. Mas, esses dois pontos continuarão nos programas de luta contra o racismo da ONU, porque já figuravam das resoluções de Durban, que agora foram “reafirmadas” no primeiro parágrafo da declaração adotada em Genebra, explicou.

Pillay destacou que a Organização da Conferência Islâmica também demonstrou cooperação na busca do consenso, enquanto africanos, europeus e outros grupos igualmente fizeram concessões, em maior ou menor grau. Mas, essas flexibilidades desapareceram quando se discutiu a inclusão de uma referência à discriminação de pessoas por causa de sua orientação sexual. Em particular, os países da América Latina e do Caribe e as entidades da sociedade civil dessa região haviam reclamado a inclusão de um parágrafo sobre o tema que atinge, entre outros, gays e lésbicas.

O relator especial da ONU para formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e formas conexas de intolerância, Githu Muigai, disse à IPS que essas pessoas poderiam ser amparadas pelo parágrafo 85 da declaração, que “observa com preocupação o aumento dos casos de formas múltiplas ou agravadas de discriminação”. A declaração favorece a participação das organizações não-governamentais e da sociedade civil na luta contra o racismo. Porém, em um ponto declara preocupação pela situação precária dos defensores dos direitos humanos e das ONGs, incluídas as que combatem o racismo.

Em outro parágrafo, acolhe o apoio financeiro que os Estados dão aos projetos da sociedade civil para a luta contra o racismo. Com relação aos povos indígenas, o documento saúda a aprovação da declaração das Nações Unidas sobre o direito dessas comunidades, um texto que ainda era trabalhosamente discutido quando ocorreu a conferência de Durban. Sobre o tema da difamação da religião ou blasfêmia, os parágrafos de condenação desapareceram da declaração, pois entende-se que as formas de incitação ao ódio racial e religioso são regulados pelos instrumentos legais existentes.

Muigai disse que esses tratados são o pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, um dos pilares do sistema de direitos humanos, e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Não precisamos de mais leis. O que falta é ação, mais aplicação das existentes e mais influência das normas internacionais sobre os ordenamentos jurídicos nacionais, disse o especialista. A questão de difamação da religião tomou corpo quanto entre os países islâmicos se estendeu um protesto pela publicação, em um veiculo de comunicação da Dinamarca, de caricaturas de Maomé.

Durante o debate da declaração adotada na semana passada em Genebra, a União Européia sofreu uma cisão no campo dos direitos humanos, pois alguns países, como Alemanha, República checa, Holanda, Itália e Polônia, desertaram da conferência. Por sua vez, a Dinamarca, sacudida pelo incidente das caricaturas, participou do consenso com o resto do bloco. Com relação ao episodio das caricaturas, Muigai destacou que a declaração afirma claramente que a liberdade de expressão é um direito fundamental e determinante para toda sociedade aberta e democrática. Um tema descartado na declaração é o das reparações a vítimas do colonialismo e da escravidão, reclamado em particular pelos países africanos e pelas organizações e comunidades de afro-descendentes da América, Europa e dos Estados Unidos.

O processo de redação do documento e as sessões da conferência mostraram diferenças profundas e às vezes ásperas entre regiões e países. Os momentos mais tensos ocorreram na segunda-feira passada, na abertura do encontro, quando falou o único chefe de Estado participante, o presidente o Irã, mahmoud Ahmadinejad, que fustigou o sionismo e Israel. Durante seu discurso e em dias sucessivos, militantes de ONGs judias protagonizaram incidentes leves na sede da ONU. As manifestações de Ahmadinejad, que não foram contundentes negações do Holocausto judeu como anteriormente, mereceram reprovações do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, e de Pillay. 

A alta comissária afirmou que houve uma campanha para acabar com a conferência, o que levou alguns países a boicotar o encontro. Pillau também falou de uma campanha de desinformação, pois muitas pessoas, incluídos alguns ministros, chegaram a afirmar que a Declaração de Durban de 2001 era “antissemita”. Essa declaração diz em um de seus parágrafos que “o Holocausto nunca deve ser esquecido” e acrescenta outros dois parágrafos nos quais denuncia “o antissemitismo e a islamofobia”, ressaltou Pillay. IPS/Envolverde


(Envolverde/IPS)
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