A troca navega contra a crise

Buenos Aires, 6 de abril (Terramérica) - O antigo sistema de trocas completará, em maio, 14 anos de nova vida na Argentina. Depois do auge que alcançou no colapso econômico de 2001, hoje funcionam cerca de 500 “clubes de troca”, que reúnem dezenas de milhares de pessoas em todo o país. Já não são os quase três milhões que, em 2002, buscavam ansiosamente o sustento nesse sistema econômico, mas duplicam a quantidade de gente implicada em 2008, afirmam seus defensores. Entretanto, os economistas não preveem um bom futuro para esse método de intercâmbio.


O Clube da Troca é um espaço de intercâmbio de alimentos caseiros, roupa, material escolar, trabalho de consertos em casa por carpinteiros, pedreiros e eletricistas, objetos de arte, serviços médicos e odontológicos, educativos e turísticos, entre outros. Os organizadores percebem aumento de 50% na quantidade de participantes desde o ano passado, coincidindo com o início de certa preocupação econômica vinculada ao conflito entre o governo e os sindicatos agropecuários por causa de maiores impostos sobre a exportação. Por essa afluência, o clube mais antigo do país, criado em 1º de maio de 1995, em Bernal, no subúrbio sul de Buenos Aires, está se mudando para um local maior.

“A reabertura será nas próximas semanas”, anunciou Rubén Ravera, um dos fundadores do Clube da Troca, ou Rede Global da Troca (RGT), na Argentina. “É recomendável que o número de participantes de cada unidade não supere os cem, única maneira de estabelecer relações face a face com fortalecimento da confiança e de outros valores de relação entre os membros”, explicou. Ravera acrescentou que é difícil medir o volume dos intercâmbios. Porém, “cresce lentamente desde 1995. A troca ocorre por meio de acordos telefônicos, correio eletrônico e olho no olho”, contou.

Para o funcionamento de um mercado de troca “multirrecíproco”, todos os usuários devem “prossumir”. Isto “tem um efeito formidável sobre a autoestima das pessoas, em especial no caso dos jovens e das donas de casa, que podem estabelecer um valor para habilidades antes não valorizadas”, destacou Ravera. Belén Rodríguez, uma mulher na faixa dos 30 anos que nunca teve emprego formal, primeiro preparou comidas e reciclou roupas. “Esse trabalho com as mãos me deu a capacidade para fazer artesanato que hoje troco por outros serviços”, contou enquanto era atendida por uma cabeleireira interessada em seus objetos.

Ângela Mariño aprecia “essa contribuição simples das pessoas que tem ternura. As tortinhas nem sempre iguais, as empanadas com tempero caseiro, uma blusa com algum fio do tecido solto. Nada perfeito, mas tudo abundante”, descreveu. Mas nem tudo é tão “caseiro”. Esta prossumidora reconhece que a maior utilidade do Clube da Troca, para ela, foi conhecer um grupo de jovens que a ajudam a manter seu computador atualizado. As pessoas também comparecem em família. Fausto Torres e a sua aparecem uma vez por semana. “O resultado é altamente positivo. Levamos pudins, tortas, meia-lua, empanadas, roscas, pão doce e pães de diversos sabores, que trocamos por uma gama inimaginável de coisas, desde alimentos e bebidas, artigos de limpeza e para casa (lâmpadas, lanternas, CDs, pilhas, fone de ouvido), roupa, até produtos óticos”, contou.

Contudo, o mundo não está muito globalizado para voltar ao primitivismo da troca voltada à subsistência? “Este sistema tem futuro no mundo atual na medida em que vemos com novos olhos o atraente negócio da associatividade. A troca não é sinônimo de subsistência, nem de se afastar da economia. É um complemento para incorporar os excluídos do sistema”, afirma Horacio Krell, promotor da União de Permutas da Argentina, que impulsiona a troca de bens e serviços.

O retorno à troca seria possível, segundo Krell, por meio da educação, “revalorizando uma cultura do trabalho, que promova um capitalismo sustentável na economia real e não na renda financeira”. Para Ravera, “o modelo inclusivo” do Clube da Troca tem “um potencial enorme para desenvolver a economia de pequenas comunidades e conter as crises que se aproximam”. Vários economistas consultados, no entanto, consideram o sistema inviável no longo prazo, enquanto o Ministério da Economia não deu resposta a repetidas consultas.

O desenvolvimento sustentável tem a ver com o nível de consumo, que é muito difícil de reduzir, disse o economista e professor da Universidade de Buenos Aires (UBA), Carlos Leyba. “Se o consumo fosse deixado de lado, cresceria o exército de desempregados”, afirmou. Leyba, que dirige a equipe de pesquisa do Centro e Estratégias de Estado e Mercado, acredita que analisar a volta da troca é entrar no terreno filosófico. “Soa como um forte retrocesso, porque ocorre quando a moeda deixa de ter sentido. Em um mundo que avança em função do comércio internacional, com multinacionais que fragmentam a produção e fabricam em diferentes países, as compensações físicas são impossíveis sem dinheiro”, afirmou.

O economista da UBA Carlos Melconian, fundador e diretor da M&S Consultores, foi categórico. “A troca não tem nem espaço nem futuro”. O consultor e assessor Roberto Cachanosky, formado pela Universidade Católica Argentina, aderiu a essa postura. A troca “é um mecanismo pré-histórico. No caso de um colapso monetário internacional, qualquer tentativa de restabelecê-la seria transitória”, afirmou. Antonio Brailovsky, economista, historiador e professor universitário, apresentou outra dimensão.

“A troca funcionou na Argentina em um momento de emergência. As pessoas aceitam uma economia sem dinheiro ou preferem ser escandalosamente pobres e manejar alguma moeda? O manejo do dinheiro tem a ver com a identidade, é um aspecto cultural muito forte”, afirmou. Por isso, “a idéia da troca em uma economia de pobres sem dinheiro é instável”, prosseguiu Brailosvky. Em contraste com essa instabilidade, estão as redes sociais de microcréditos, acrescentou, concebidas no Banco Grameen, pelo economista de Bangladesh Muhammad Yunus, prêmio Nobel da Paz de 2006, como um projeto de longo prazo.

Contrariando os prognósticos, os clubes não se esvaziaram. E as razões nem sempre são econômicas. Ricardo Jordán é prossumidor há muitos anos. Dessa forma cobre 25% de suas necessidades básicas. Descendente de escoceses, é um hábil artesão, mas sua especialidade atual é horta orgânica e carpintaria. “Quando cheguei ao Clube da Troca havia perdido tudo: meu trabalho, meu amor próprio e minha dignidade. Estava morto. Agora, encontrei vida novamente”, afirmou.

* Este artigo é parte de uma série produzida pela IPS (Inter Press Service) e pela IFEJ (Federação Internacional de Jornalistas Ambientais) para a Aliança de Comunicadores para o Desenvolvimento Sustentável (http://www.complusalliance.org). 

publicidade
publicidade
Crochelandia

Blogs dos Colunistas

-
Ana
Kaye
Rio de Janeiro
-
Andrei
Bastos
Rio de Janeiro - RJ
-
Carolina
Faria
São Paulo - SP
-
Celso
Lungaretti
São Paulo - SP
-
Cristiane
Visentin

Nova Iorque - USA
-
Daniele
Rodrigues

Macaé - RJ
-
Denise
Dalmacchio
Vila Velha - ES
-
Doroty
Dimolitsas
Sena Madureira - AC
-
Eduardo
Ritter

Porto Alegre - RS
.
Elisio
Peixoto

São Caetano do Sul - SP
.
Francisco
Castro

Barueri - SP
.
Jaqueline
Serávia

Rio das Ostras - RJ
.
Jorge
Hori
São Paulo - SP
.
Jorge
Hessen
Brasília - DF
.
José
Milbs
Macaé - RJ
.
Lourdes
Limeira

João Pessoa - PB
.
Luiz Zatar
Tabajara

Niterói - RJ
.
Marcelo
Sguassabia

Campinas - SP
.
Marta
Peres

Minas Gerais
.
Miriam
Zelikowski

São Paulo - SP
.
Monica
Braga

Macaé - RJ
roney
Roney
Moraes

Cachoeiro - ES
roney
Sandra
Almeida

Cacoal - RO
roney
Soninha
Porto

Cruz Alta - RS