Nova York, 18/02/2009 – Cada vez mais norte-americanos reclamam uma investigação oficial dos crimes que o governo do ex-presidente George W. Bush possa ter cometido em sua "guerra contra o terrorismo". Mas, políticos e advogados se mostram divididos a respeito. E o presidente Barack Obama parece ambivalente. "Ninguém está acima da lei, e se há indícios claros de faltas, essa gente deve ser julgada como qualquer cidadão comum", disse, acrescentando: "Porém, falando em geral, estou mais interessado em olhar para frente do que olhar para trás". Antes de sua nomeação como procurador-geral de Obama, Eric Holder parecia mais firme a respeito da eventualidade de julgamentos.
"Nosso governo autorizou o uso da tortura, aprovou a vigilância eletrônica secreta contra cidadãos norte-americanos, deteve em segredo cidadãos norte-americanos sem o devido processo legal, negou hábeas corpus a centenas de acusados de serem combatentes inimigos e autorizou os procedimentos que violam tanto o direito internacional quanto a Constituição dos Estados Unidos. Devemos uma admissão ao povo norte-americano", afirmou. Entretanto, em sua audiência de confirmação no Senado, Holder amenizou suas respostas para aproximar-se da posição de Obama.
O Instituto Gallup
indicou esta semana que dois terços dos norte-americanos entrevistados são a
favor de uma investigação oficial sobre as faltas cometidas na era Bush. Do
total, 38% se inclinam por uma investigação penal e 25% por uma comissão
independente. Inicialmente, o presidente não comentou sobre uma proposta do
presidente do Comitê Judiciário do Senado, o democrata Patrick Leahy, de formar
uma "comissão da verdade" semelhante às criadas após o apartheid na África do
Sul ou no fim de ditaduras na América Latina.
Essa comissão investigaria
abusos contra presos e outros mecanismos que tenham violado os direitos humanos
inspirados politicamente no Departamento de Justiça durante o governo Bush.
Obama disse desconhecer a proposta de Leahy, embora não a descartasse
explicitamente. Tal "comissão da verdade" é uma das várias idéias dos que
pretendem revisar o passado, limpar o sistema judicial e restaurar a reputação
dos Estados Unidos no mundo.
Leahy disse que o objetivo principal da
comissão será conhecer a verdade, mais do que julgar ex-funcionários, mas
acrescentou que a investigação deveria ir muito além dos crimes no Departamento
de Justiça, para incluir a inteligência antes da guerra do Iraque e ações do
Departamento da Defesa. Tal comissão, como a sul-africana, teria poder para
intimar testemunhas e acusados, mas não para determinar condenações,
explicou.
Esta equipe investigaria a demissão de promotores
norte-americanos que resistiam em aceitar ordens que consideravam ilegais,
maus-tratos e torturas contra suspeitos de terrorismo a autorização de escutas
telefônicas sem ordem judicial, segundo Leahy. O senador também disse que se
poderia conceder às testemunhas uma imunidade judicial limitada para facilitar
seu depoimento. Outros democratas exigiram o processo penal contra os que
autorizaram mecanismos questionados na guerra contra o terrorismo.
Os
republicanos responderam que as decisões adotadas após os atentados de 11 de
setembro de 2001 – que mataram três mil em Nova York e Washington – não devem
ser questionadas a posteriori. Uma medida possivelmente mais forte foi proposta
pelo presidente do Comitê Judicial da Câmara de Representantes, o democrata John
Conyers, e outros nove legisladores. O projeto implicaria a criação de uma
Comissão Nacional sobre Poderes Presidenciais de Guerra e Liberdades Civis, com
poder de intimar testemunhas e orçamento de aproximadamente US$ 3
milhões.
Essa comissão investigaria assuntos que vão de maus-tratos a
presos até uso de métodos de tortura como o submarino, passando pelas "entregas
extraordinárias" clandestinas de prisioneiros a países conhecidos por violarem
os direitos humanos. Os membros dessa equipe viriam de fora do governo e seriam
designados pelo presidente e por líderes parlamentares dos dois partidos. Seria
um organismo semelhante à Comissão 9/11, criada para examinar o fracasso do
governo em prever os atentados de 2001. A investigação dessa comissão não levou
ao julgamento de nenhum funcionário.
Organizações de direitos humanos e
advogados propõem iniciativas mais contundentes. A Anistia Internacional lançou
uma campanha de pressão sobre os legisladores para que investiguem os abusos do
governo dos Estados Unidos na guerra contra o terrorismo e levem os responsáveis
a julgamento. A organização pede a Obama e ao Congresso que criem uma comissão
independente e imparcial para examinar o uso das torturas, as detenções
indefinidas, as entregas extraordinárias e outras políticas antiterroristas
ilegais. A Anistia não vê contradições entre um órgão com a Comissão 9/11 e
outro "de verdade e reconciliação". "Não creio que os dois enfoques sejam
excludentes. Ambos podem avançar ao mesmo tempo. As imunidades não devem ser
absolutas", disse à IPS Tomparker, da Anistia.
Marjorie Cohn, presidente
do Colégio Nacional de Advogados, rejeita a criação de uma comissão da verdade.
"Como disse o presidente Obama, ninguém está acima da lei. O promotor-geral
deveria designar um juiz especial que investigue e julgue funcionários do
governo Bush e advogados que estabeleceram a política que propiciou crimes de
guerra', disse Cohn à IPS. "As comissões de verdade e reconciliação são usadas
por democracias nascentes ou em transição. Dar imunidade a testemunhas assegura
que os responsáveis por torturas e abusos e as escutas ilegais nunca serão
levados perante a justiça", acrescentou.
"As imunidades poderiam
comprometer um julgamento penal, como demonstra a experiência do caso
Irã-Contras", afirmou à IPS Peter M. Shane, professor de direito da Universidade
Estatal de Ohio. "As democracias dependem de uma impassível compreensão do
passado". Uma comissão da verdade para investigar poderosos funcionários
constituiria uma "leviandade judicial" diante do rigoroso julgamento de
"acusados por tráfico de drogas e crimes não violentos jogados promiscuamente em
prisões superlotadas", disse à IPS Brian J. Foley, professor da Faculdade de
Direito da Universidade de Boston.
O constitucionalista David Cole, da
Universidade de Georgetown, acredita que o governo Obama ou o Congresso
"deveriam, no mínimo, designar uma comissão independente, bipartidária e seleta,
para investigar e determinar responsabilidades pela adoção de políticas
coercitivas de interrogatórios dos Estados Unidos". Esta divergência de pontos
de vista coloca Obama em uma posição incômoda.
(IPS/Envolverde)
(Envolverde/IPS)