Washington, 03/02/2009 – A retirada das tropas do Iraque coloca frente a frente o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e altos oficiais militares. Apoiado pelo secretário de Defesa, Robert Gates, o chefe do Comando Central norte-americano (Centcom), general David Petraeus, tentou convencer Obama a renunciar ao seu compromisso pré-eleitoral de retirar todos os efetivos de combate do Iraque no prazo de 18 meses. A discussão aconteceu no dia 21 de janeiro, segundo dia do governo do novo presidente, no escritório oval da Casa Branca.
Porém, Obama ordenou a Gates, Petraeus e ao almirante Mike Mullen, comandante do Estado Maior Conjunto, que retornassem em breve ao seu escritório com um plano detalhado para retirar todas as tropas em 16 meses, segundo fontes que conversaram com participantes da reunião. No entanto, a ordem não pôs fim ao conflito entre o presidente e altos oficiais militares. Petraeus e seus aliados no exército e no Departamento de Defesa, entre eles o general Ray Odierno - atual máximo comandante no Iraque – voltaram a pressionar Obama para que mude sua política de retirada.
Observadores asseguram que já se
formou uma rede de altos oficiais militares que se preparam para apoiar Petraeus
e Odierno perante a opinião pública em oposição à determinação presidencial.
"Petraeus cometeu o erro de pensar que ainda estava tratando com o ex-presidente
George W. Bush", disse um funcionário da Casa Branca presente na reunião, contou
uma das fontes. Petraeus, Gates e Odierno esperavam convencer Obama de um plano
criado em novembro e apresentado em dezembro a Bush redesenhando grandes
contingentes de tropas de combate com tropas de apoio.
Este subterfúgio
foi previsto pelos Estados Unidos em novembro, permitindo a Obama cumprir a
promessa que havia feito durante a campanha. Gates e Mullen discutiram o plano
com o novo presidente com se fosse o programa de retirada, informou em 18 de
dezembro o jornal The New York times. Obama decidiu não fazer nenhuma referência
pública à sua ordem, ao que parece com a intenção de anunciá-la após consultar
os comandantes no terreno e o Pentágono.
O primeiro sinal claro do choque
entre Petraeus, Odierno e seus aliados com Obama apareceu em 29 de janeiro. O
The New York Times público nesse dia uma entrevista com Odierno, ostensivamente
baseada na premissa de que o novo presidente havia indicado que estava "aberto a
alternativas". O jornal informou que Odierno havia "desenvolvido um plano que
avançaria mais lentamente do que o calendário" formulado por Obama em sua
campanha. O oficial sugeriu em uma entrevista que "determinar exatamente em
quanto se poderia reduzir de modo significativo as forças dos Estados Unidos no
Iraque demoraria o restante do ano".
Na noite de 21 de janeiro, o general
da reserva do exército Jack Keane, um dos arquitetos da política de aumento de
efetivos de Bush e aliado político e mentor do general Petraeus, comentou no
programa de televisão Lehrer News, após falar com Petraeus, que a retirada
aumentaria "o risco drasticamente ao longo de 16 meses". Também afirmou que isso
trairia a "estável situação política no Iraque" e que esse risco é
"inaceitável". Segundo os militares dissidentes quanto à retirada prometida por
Obama, a operação ameaça os supostos triunfos do aumento de tropas determinado
por Bush e implementado por Petraeus.
Keane, subchefe do Estado Maior
Conjunto do exército entre 1999 e 2003, possui estreita ligação com uma rede de
generais de quatro estrelas da ativa e da reserva, alguns dos quais participaram
do desenho de uma campanha pela "estabilidade" no Iraque e contrária à ordem de
Obama, segundo uma fonte militar próxima a esses oficiais. O informante disse
que esta rede, que inclui altos funcionários em atividade no Pentágono, começará
apresentando o argumento a jornalistas especializados. Se Obama não mudar sua
política, segundo a fonte, o grupo culpará sua política de retirada pelo
"colapso" que esperam em um Iraque sem soldados norte-americanos.
Em
geral, os meios de comunicação tratam a proposta de retirada como uma concessão
ao sentimento anti-bélico que deveria se ajudar à "realidade", com disseram a
Obama Gates, Petraeus e Odierno. Foi Keane, com ajuda do então vice-presidente
Dick Cheney, que conseguiu a nomeação de Petraeus como alto comandante do Iraque
no final de 2006, pois quem ocupava o cargo, general George W. Casey, não
apoiava o aumento de tropas. Keane também garantiu obter a maior quantidade de
soldados no Iraque contra os esforços de outros chefes militares para acelerar a
retirada em 2007 e 2008.
O jornalista Bob Woodeward diz em seu livro "The
War Within" (A guerra por dentro) que Keane persuadiu Bush a ignorar as
preocupações dos comandantes pela prolongada ocupação do Iraque e por seu
impacto em prejuízo do Afeganistão. Em setembro de 2007 Bush garantiu a Petraeus
tantos soldados quantos precisasse e pelo tempo que desejasse, segundo Woodward.
Em abril de 2008, Keane também convenceu Gates a designar Petraeus como novo
titular do Centcom, com jurisdição sobre todo Oriente Médio.
O militar
retirado alegou que manter Petraeus com comando sobre as tropas em território
iraquiano era a melhor garantia contra a possibilidade de um governo democrata
tentar anular a política de Bush para o Iraque. Keane havia trabalhado com base
na suposição de que provavelmente um presidente democrata não assumiria o risco
político de rechaçar as recomendações de Petraeus sobre a retirada de tropas do
Iraque. "Temos um governo democrata e que quer retirar rapidamente. Agora tem de
tratar com o general Petraeus e com o general Odierno. Terá de pagar um preço"
para evitá-los, disse Keane a Gates, segundo Woodward.
Em julho, Obama
disse a Petraeus que se fosse eleito iria privilegiar a saúde do exército e da
marinha de guerra e a situação no Afeganistão frente ao Iraque, segundo o
jornalista Joe Kelin, da revista Time. Porém, a julgar pela comoção de Petraeus
diante da decisão de Obama no dia 21 de janeiro, não se levou a sério o anterior
rechaço de Obama aos seus argumentos. Este cálculo errado sugere que Petraeus
acreditou, como Keane, que um presidente democrata não se atreveria em seus
primeiros dias como comandante ignorar suas recomendações.
(IPS/Envolverde)
* Gareth Porter é historiador e
especialista em políticas de segurança nacional dos Estados Unidos. "Perigo de
domínio: Desequilibrio de poder e o caminho para a guerra no Vietnã", seu último
livro, foi publicado em junho de 2005 e reeditado no ano
seguinte.
(Envolverde/IPS)