Não responda tão rápido. Em países que têm pena de morte os carrascos apenas mudaram de nome.
Existem limites para uso da força, pelo Estado, contra atos criminosos? E contra atos de terrorismo?
Se retirarmos o manto de farsa com o qual a mídia ocidental recobre o mundo árabe, é legítima a imposição de hegemonia pela força por parte dos EUA e Israel àqueles povos? Foram legítimas suas guerras?
Israel é um Estado Soberano, ou um Estado Terrorista?
E Cesare Battisti é um criminoso, um terrorista ou um insurgente?
Parece impossível que a humanidade chegue a um acordo sobre como encarar e tratar as diversas expressões de violência que orbitam o mundo institucional.
Por que é necessário que Israel pratique mais uma chacina para que alguns percebam tratar-se talvez do principal Estado terrorista do mundo? Se entendemos o contexto como uma aliança praticamente irrestrita e duradoura entre EUA e Israel temos seguramente uma potência terrorista maior e muito pior do que todo o terrorismo que afirma combater.
O genocídio é sua resposta ao terrorismo que tampouco é menos do que uma resposta ao regime de força imposto pelo império àquela região. Erra, portanto o império ao impor sua vontade a força e comete erro pior ainda ao retaliar aos que lhe resistem.
Imperialismo, teu apelido é terrorismo e teu sobrenome é barbárie.
A rigor é virtude do mundo árabe (e em escala distinta de alguns dos outros antagonistas dos EUA) que a resistência ao Império consiga perdurar por tanto tempo e de forma tão determinada.
Só precisamos olhar pra trás para ver o que o Destino Manifesto (em vigor pelo menos desde pelo menos 1845) fez com os povos originários da América do Norte. Assim como Fidel conta com o depoimento histórico passado e presente, para saber qual destino esteve perpetuamente destinado a Cuba, tal como outros países que orbitam a Pax Americana.
E em relação, por exemplo a Cesare Battisti. Fica claro que exceto pelo crivo ideológico, é pouco provável que estivesse gerando qualquer comoção a concessão de status de refugiado político.
Como todo tema polêmico renderia uma tese enciclopédica tentar abordar o contexto todo com alguma precisão. Stroessner e Oviedo foram acolhidos por aqui e esses tantos episódicos devotos da democracia não estavam aí para repudiar. Ronald Biggs era quase VIP para alguns dos veículos que destilaram repulsa a este asilo político.
Da mesma forma a mídia sempre prestimosa e atenta se permite raciocínios fantasticamente subversivos à própria ordem que juram estar defendendo. Dessa forma, o Conare e Itamaraty são alçados a autoridades máximas no assunto.
A decisão irritou o Itamaraty. Curioso. Como será que funciona esse ensaio de república em que se baseia a mídia? Ora dedicamos uma devoção cega a um departamento do Estado, e no caso seguinte vamos desancá-lo. Vamos explicar o recurso ideológico. Quando discordamos do governo buscamos dentro dele qualquer fragmento para dar a nossa tese contornos de "verdade mais verdadeira". Esse mesmo órgão, por vezes a mesma pessoa, pode ser execrada em momento seguinte. Não importa.
Agora tanto o Conare quanto o Itamaraty possuem mais prerrogativas e competência do que o Ministério da Justiça, ou ainda que a presidência da república. Atentem crianças, é assim que a mídia elege e deselege o governo que quer destacar, seja para enaltecer, seja para desancar. A hipocrisia derrotou Ricúpero porque ele expunha o comportamento da mídia e dos governantes, não porque aquelas inconfidências parabólicas fossem equivocadas. Não se pode delatar os expedientes do crime organizado.
O Conare, é órgão do Ministério da Justiça. Frise-se, subordinado a ele. Não o contrário. Aquele ministério é instância revisora e irrecorrível das decisões do Conare. Engraçado, será que aboliram a lei 9474/97? Para não falar no Presidente da República que nomeia o ministro, que por sua vez preside o Conare.
O mesmo se pode dizer do Itamaraty que não é um Estado autônomo em território nacional. Apesar de ser um corpo estável no Estado, quem define a posição a ser levada pela diplomacia é a presidência, não o contrário.
Mas pedir razoabilidade à mídia é mais inócuo do que pedir paz a animais predadores no momento da fome.
Os acusadores de Battisti aqui e lá fora insistem em negar-lhe o status de militante político e buscam qualificá-lo como criminoso comum. Contudo os meios de que se valem e o contexto em que lhe acusam são inequivocamente os dispensados em casos de perseguição política, inclusive e é bom frisar, a inescapável propaganda ideológica. (É sempre surpreendente essa esquizofrenia neoconservadora).
Convenhamos, estamos falando do país em que Berlusconi reina ainda praticamente absoluto e as iniciativas da esquerda são na melhor das hipóteses desmoralizadas. Aquele mesmo Berlusconi aliado de primeira hora do imperialismo.
Não há alternativa intermediária. As acusações mais viscerais no Brasil partem dos viúvos e órfãos da ditadura militar. Alguns que ainda a defendem hoje (e não por acaso repudiam veementemente a apuração dos crimes da ditadura). Aliás, alguns destes defendem a anistia irrestrita (ou seja, absolvam o terrorismo de Estado). Vamos combinar que se a direita, enquanto tal, ataca Battisti, a esquerda não deve ficar impassível. Pois não só os que o defendem, mas também os que o atacam o definem. E se não se trata de episódio ideológico como explicar a situação de Battisti na França?
Não estão em questão erros ou acertos de Battisti. Assim como não é possível imortalizar a condenação aos policiais de Jean Charles. Ocorre que há diferença substancial entre os assassinatos envolvidos. Um partiu de um militante contra a opressão do Estado e geral na sociedade (são interligadas). O outro faz parte do repertório de opressão do Estado a pretexto de combate ao terrorismo. Aí é que os contornos começam a ficar mais claros e notamos que o pêndulo em situações como essa não escapam à refração ideológica.
Como a esquerda, em nosso caso o lado mais fraco na balança ideológica, tem em geral combatido os Estado de inspiração autoritária, negar a Battisti o viés político de sua atuação (certa, incerta, desastrada, ou inconfessável) é o mesmo que negar o direito à insurgência. Razão pela qual é inescapável à esquerda garantir a Battisti a proteção contra o aparato opressor estatal que hoje não está, na Itália imune à influência daqueles mesmos contra os quais Battisti, e outros, se insurgiram. Assim como não é um caso isolado na Itália.
Às pessoas é dado o direito de resistir pelos meios que acharem necessários e disponíveis aos estados opressores e à repressão generalizada na sociedade. Não há legalidade capaz de legitimar, ou menos ainda, de sustentar regimes opressores e autoritários. Isso também pendula ao sabor do que é possível constituir como perspectiva geral sobre a realidade. E é essa perspectiva, mas restrita é claro aos que dela comungam, que vai dar a legitimidade e sustentação aplicáveis.
Ao Estado, pelo caráter que lhe é inerente, é vedado lançar mão irrestritamente de qualquer meio para deter os insurgentes, sob pena de corroborar exatamente as atitudes, inclusive as mais condenáveis, daqueles que buscam resistir a ele.
Ou então reconheçam de vez que democracia pelos parâmetros que a defendem por aí é mera ficção ou não mais que retórica.