AS CINCO CRIANÇAS DE UMA MESMA FAMÍLIA FORAM MORTAS EM UM BOMBARDEIO DO DIA 29/12/2008, EM GAZA
Carta aberta de Uri Avnery a Barack Obama
As humildes sugestões que se seguem são baseadas
nos meus 70 anos de experiência como combatente de trincheiras, soldado das
forças especiais na guerra de 1948, editor-em-chefe de uma revista de notícias,
membro do parlamento israelense e um dos fundadores do movimento pela
paz:
1) No que se refere à paz israelense-árabe, o Sr. deve agir a
partir do primeiro dia.
2) As eleições em Israel acontecerão em fevereiro
de 2009. O Sr. pode ter um impacto indireto, mas importante e construtivo já no
começo, anunciando sua determinação inequívoca de conseguir paz
israelo-palestina, israelo-síria e israelo-pan-árabe em 2009.
3)
Infelizmente, todos os seus predecessores desde 1967 jogaram duplamente. Apesar
de que falaram sobre paz da boca para fora, e às vezes realizaram gestos de
algum esforço pela paz, na prática eles apoiavam nosso governo em seu movimento
contrário a esse esforço.
Particularmente, deram aprovação tácita à
construção e ao crescimento dos assentamentos colonizadores de Israel nos
territórios ocupados da Palestina e da Síria, cada um dos quais é uma mina
subterrânea na estrada da paz.
4) Todos os assentamentos colonizadores
são ilegais segundo a lei internacional. A distinção, às vezes feita, entre
postos "ilegais" e os outros assentamentos colonizadores é pura propaganda feita
para mascarar essa simples verdade.
5) Todos os assentamentos
colonizadores desde 1967 foram construídos com o objetivo expresso de tornar um
estado palestino – e portanto a paz – impossível, ao picotar em faixas o
possível projetado Estado Palestino. Praticamente todos os departamentos de
governo e o exército têm ajudado, aberta ou secretamente, a construir,
consolidar e aumentar os assentamentos, como confirma o relatório preparado para
o governo pela advogada Talia Sasson.
6) A estas alturas, o número de
colonos na Cisjordânia já chegou a uns 250.000 (além dos 200.000 colonos da
Grande Jerusalém, cujo estatuto é um pouco diferente). Eles estão politicamente
isolados e são às vezes detestados pela maioria do público israelense, mas
desfrutam de apoio significativo nos ministérios de governo e no
exército.
7) Nenhum governo israelense ousaria confrontar a força
material e política concentrada dos colonos. Esse confronto exigiria uma
liderança muito forte e o apoio generoso do Presidente dos Estados Unidos para
que tivesse qualquer chance de sucesso.
8) Na ausência de tudo isso,
todas as "negociações de paz" são uma farsa. O governo israelense e seus
apoiadores nos Estados Unidos já fizeram tudo o que é possível para impedir que
as negociações com os palestinos ou com os sírios cheguem a qualquer conclusão,
por causa do medo de enfrentar os colonos e seus apoiadores. As atuais
negociações de "Annapolis" são tão vazias como as precedentes, com cada lado
mantendo o fingimento por interesses politicos próprios.
9) A
administração Clinton, e ainda mais a administração Bush, permitiram que o
governo israelense mantivesse o fingimento. É, portanto, imperativo que se
impeça que os membros dessas administrações desviem a política que terá o Sr.
para o Oriente Médio na direção dos velhos canais.
10) É importante que o
Sr. comece de novo e diga-o publicamente. Idéias desacreditadas e iniciativas
falidas – como a "visão" de Bush, o "mapa do caminho", Anápolis e coisas do tipo
– devem ser lançadas à lata de lixo da história.
11) Para começar de
novo, o alvo da política americana deve ser dito clara e sucintamente: atingir
uma paz baseada numa solução biestatal dentro de um prazo de tempo (digamos, o
fim de 2009).
12) Deve-se assinalar que este objetivo se baseia numa
reavaliação do interesse nacional americano, de remover o veneno das relações
muçulmano-americanas e árabe-americanas, fortalecer os regimes dedicados à paz,
derrotar o terrorismo da Al-Qaeda, terminar as guerras do Iraque e do
Afeganistão e atingir uma acomodação viável com o Irã.
13) Os termos da
paz israelo-palestina são claros. Já foram cristalizados em milhares de horas de
negociações, colóquios, encontros e conversas.
São eles:
a) estabelecer-se-á um Estado da Palestina soberano e viável
lado a lado com o Estado de Israel.
b) A fronteira entre os dois estados se baseará na linha de armistício de 1967 (a "Linha verde"). Alterações não substanciais poderão ser feitas por concordância mútua numa troca de territórios em base 1: 1.
c) Jerusalém Oriental, incluindo-se o Haram-al-Sharif (o "Monte do Templo") e todos os bairros árabes servirão como Capital da Palestina. Jerusalém Ocidental, incluindo-se o Muro Ocidental e todos os bairros judeus, servirão como Capital de Israel. Uma autoridade municipal conjunta, baseada na igualdade, poderia se estabelecer por aceitação mútua, para administrar a cidade como uma unidade territorial.
d) Todos os assentamentos colonizadores de Israel – exceto aqueles que possam ser anexados no marco de uma troca consensual – serão esvaziados (veja-se o 15 abaixo)
e) Israel reconhecerá o princípio do direito de retorno dos refugiados. Uma Comissão Conjunta de Verdade e Reconciliação, composta por palestinos, israelesnses e historiadores internacionais estudará os fatos de 1948 e 1967 e determinará quem foi responsável por cada coisa. O refugiado, individualmente, terá a escolha de 1) repatriação para o Estado da Palestina; 2) permanência onde estiver agora, com compensação generosa; 3) retorno e reassentamento em Israel; 4) migração a outro país, com compensação generosa. O número de refugiados que retornarão ao território de Israel será fixado por acordo mútuo, entendendo-se que não se fará nada para materialmente alterar a composição demográfica da população de Israel. As polpuldas verbas necessárias para a implementação desta solução devem ser fornecidas pela comunidade internacional, no interesse da paz planetária. Isto economizaria muito do dinheiro gasto hoje militarmente e a partir de presentes dos EUA.
f) A Cisjordânia, Jerusalém Oriental e a Faixa de Gaza constituirão uma unidade nacional. Um vínculo extra-territorial (estrada, trilho, túnel ou ponte) ligará a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.
g) Israel e Síria assinarão um acordo de paz. Israel recuará até a linha de 1967 e todos os assentamentos colonizadores das Colinas de Golã serão desmantelados. A Síria interromperá todas as atividades anti-Israel, conduzidas direta ou vicariamente. Os dois lados estabelecerão relações normais.
h) De acordo com a Iniciativa Saudita de Paz, todos os membros da Liga Árabe
reconhecerão Israel, e terão com Israel relações normais. Poder-se-á considerar
conversações sobre uma futura União do Oriente Médio, no modelo da União
Européia, possivelmente incluindo a Turquia e o Irã.
14) A unidade
palestina é essencial. A paz feita só com um naco da população de nada vale. Os
Estados Unidos facilitarão a reconciliação palestina e a unificação das
estruturas palestinas. Para isso, os EUA terminarão com o seu boicote ao Hamas
(que ganhou as últimas eleições), começarão um diálogo político com o movimento
e sugerirão que Israel faça o mesmo. Os EUA respeitarão quaisquer resultados de
eleições palestinas.
15) O governo dos EUA ajudará o governo de Israel a
enfrentar-se com o problema dos assentamentos colonizadores. A partir de agora,
os colonos terão um ano para deixar os territórios ocupados e voluntariamente
voltar em troca de compensação que lhes permitirá construir seus lares dentro de
Israel. Depois disso, todos os assentamentos serão esvaziados, exceto aqueles em
quaisquer áreas anexadas a Israel sob o acordo de paz.
16) Eu sugiro ao
Sr., como Presidente dos Estados Unidos, que venha a Israel e se dirija ao povo
israelense pessoalmente, não só no pódio do parlamento, mas também num comício
de massas na Praça Rabin em Tel-Aviv. O Presidente Anwar Sadat, do Egito, veio a
Israel em 1977 e, ao se dirigir ao povo de Israel diretamente, mudou em tudo a
atitude deles em relação à paz com o Egito. No momento, a maioria dos
israelenses se sente insegura, incerta e temerosa de qualquer iniciativa ousada
de paz, em parte graças a uma desconfiança de qualquer coisa que venha do lado
árabe. A intervenção do Sr., neste momento crítico, poderia, literalmente, fazer
milagres, ao criar a base psicológica para a paz.
Esta é uma carta aberta escrita por Uri Avnery, 85 anos, ex-deputado do Knesset, soldado que ajudou a fundar Israel em 1948 e que há décadas milita pela paz. A tradução ao português é de Idelber Avelar. O obrigado pelo envio do link vai ao Daniel do Amálgama. O pedido de divulgação vai a todos os que desejam uma paz duradoura, nos termos já reconhecidos pela comunidade internacional.