Roma, 8 de dezembro (Terramérica) - É essencial a participação dos mais vulneráveis nos programas para desenvolver o Haiti, disse ao Terramérica o vice-presidente do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida), Kanayo Nwanze, que este ano destinou US$ 10,2 milhões para ajudar a superar a crise alimentar do país mais pobre da América. Mais de 240 mil pequenos agricultores pobres receberão um pacote com sementes de hortaliças e cereais, mandioca, batata e banana para, em 2009, aumentar a disponibilidade de alimentos nessa nação caribenha, devastada nos últimos meses por uma série de tempestades e furacões que se somaram à carestia alimentar global.
A crise "afetou duramente o Haiti porque mais da metade de seus alimentos é importada", disse em entrevista ao Terramérica o nigeriano Nwanze, biólogo, doutor em Entomologia pela Universidade de Kansas, nos Estados Unidos, que há muitos anos se dedica à pesquisa agrícola.
TERRAMÉRICA: Qual era o compromisso
do Fida com os agricultores pobres do Haiti antes dos desastres climáticos dos
últimos meses?
KANAYO NWANZE: Trabalhamos em projetos de
médio e longo prazos, com o apoio à irrigação em pequena escala, para melhorar a
segurança alimentar e ajudar os agricultores a criarem resiliência às condições
voláteis, especialmente os que vivem em áreas isoladas ou marginais. A
participação dos grupos mais vulneráveis no planejamento e na administração dos
programas de desenvolvimento é muito importante para o Fida. Isto significa
capacitar o pessoal dos programas, beneficiários e sócios públicos e privados, e
fortalecer o diálogo entre os pobres das áreas rurais e o governo local. Nos
últimos 30 anos de trabalho com os pobres de zonas rurais do Haiti, o Fida
financiou sete projetos com empréstimos aprovados de US$ 84,3 milhões e concedeu
subsídios a organizações locais no valor de US$ 2,2
milhões.
TERRAMÉRICA: Como o pacto de US$ 10,2 milhões
ajudará a agricultura?
KANAYO NWANZE: A prioridade é um
rápido impacto na produção local e aumentar a disponibilidade de alimentos
básicos nos mercados. Com nossa agência irmã, a FAO (Organização das Nações
Unidas para a Agricultura e a Alimentação), distribuiremos, para cerca de 240
mil pequenos agricultores, um pacote com sementes de hortaliças e cereais,
mandioca, batata e banana. A capacidade nacional de produzir sementes se
fortalecerá em um esforço para melhorar a segurança alimentar.
TERRAMÉRICA: Como isto se vincula com outros projetos
de longo prazo para ajudar os pobres das áreas rurais do
Haiti?
KANAYO NWANZE: O mais recente, de US$ 27 milhões,
se fixou em reabilitar sistemas de irrigação coletiva usados por milhares de
pequenos agricultores em duas das áreas mais pobres, as províncias Nordeste e
Noroeste. O Fida está respondendo a uma clara necessidade de melhorar práticas,
especialmente no manejo da água. Apesar da enorme erosão e do grande
desmatamento, ainda há muito potencial nos solos haitianos. Se conseguirmos
levar água às pequenas propriedades, mesmo sem fertilizantes os agricultores
poderiam melhorar significativamente o rendimento, passando de uma para três
colheitas ao ano. Esse projeto ajudará 18 mil famílias de áreas rurais remotas,
permitindo aos agricultores se dedicarem a uma gama maior de cultivos e
estimulando a produção com melhor manejo da água. O Fida continuará trabalhando
com associações de usuários de água para compartilhar a responsabilidade
administrativa do sistema de irrigação e ajudará a criar um programa nacional de
manejo hídrico para a agricultura. Também apoiamos iniciativas para que os
minilatifundiários haitianos melhorem os sistemas combinados de cultivo e
intensifiquem as plantações de alimentos e hortaliças com vistas a enfrentar a
mudança climática.
TERRAMÉRICA: As remessas familiares
pelos emigrantes haitianos, a maioria nos Estados Unidos, são vitais para muitos
pobres. Porém, preocupa o fato de a crise financeira poder alterar o fluxo dessa
ajuda.
KANAYO NWANZE: Segundo o Banco Interamericano de
Desenvolvimento, após crescimento de dois dígitos durante anos, o valor das
remessas enviadas dos Estados Unidos para a América Latina e o Caribe cairá este
ano em termos reais. Isto é muito preocupante para muitas famílias haitianas que
dependem do dinheiro enviado por amigos e familiares para atender suas
necessidades cotidianas. Uma maneira de cumprir este desafio é a inovação. O
Fida apoiou o banco alternativo Fonkoze (ombro a ombro, em língua creole), que
atende os que não podem ter acesso aos bancos tradicionais. Atualmente, apoiamos
uma iniciativa de um cartão pré-pago, para os haitianos que trabalham nos
Estados Unidos. Funciona no circuito da bandeira Visa, custa apenas um dólar por
mês e permite que o empregador do trabalhador titular do cartão deposite
diretamente fundos de seu salário sem encargos na "conta de investimentos" do
Fonkoze, para a família que vive em uma área rural do Haiti. Ao abrir a conta, o
cliente autoriza o Fonkoze a investir o saldo em microempréstimos para
iniciativas de comunidades rurais. O cartão é um mecanismo integrado mais
eficiente do que canalizar o dinheiro, e custa menos do que as transferências
tradicionais.
* A autora é correspondente da IPS.
Crédito
de imagem: Gentileza Fida
Legenda: Kanayo Nwanze,
vice-presidente do Fida.