A certificação dos fatos

 

Quem não se lembra do escândalo que envolveu a Nike, o CityGroup e a Starbucks Café? Essas empresas foram acusadas, consecutivamente, de exploração de mão-de-obra infantil, uso indevido de ativos nas bolsas de valores e propaganda enganosa, no que se refere à venda de bens certificados.

Pressionados pelo boicote de consumidores, as empresas começaram a harmonizar os interesses dos acionistas às crescentes demandas da sociedade por modelos de negócio sustentáveis. A inclusão social, redução (ou otimização) dos recursos naturais e diminuição do impacto ambiental na cadeia produtiva estava sendo exigida, tanto quanto a qualidade do bem ou serviço oferecido ao mercado consumidor.

Ainda assim, não basta a empresa falar que é socialmente responsável e ambientalmente correta. A garantia não somente da origem, mas também de práticas comerciais socialmente justas, demanda certificação. Esse foi o tema do seminário Inovação e Biodiversidade - a perspectiva da certificação, realizado quarta-feira (3/12), na FGV, em São Paulo.

O debate foi uma parceria entre o Imaflora - Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola, Inobi Brasil - consultoria que visa estimular o uso sustentável da biodiversidade brasileira, Imazon - instituição de pesquisa sem fins lucrativos, cuja missão é promover o desenvolvimento sustentável na Amazônia e Centro de Estudos em Sustantabilidade (GVCes), da Fundação Getúlio Vargas. Além de apresentar um panorama sobre a questão da certificação, biodiversidade e sustentabilidade no Brasil e no mundo, os organizadores convidaram empresas que lidam com essas questões para apresentarem casos concretos ao público presente.

Empresas e fornecedores - alavanca ou âncora da sustentabilidade?

A preocupação com o peso estratégico do valor agregado da marca faz com que empresas se aproximem de seus fornecedores, garantindo a responsabilidade socioambiental entre os stakeholders da cadeia produtiva.

A crescente demanda por uma postura ética das empresas é reflexo de um consumidor cada vez mais consciente e exigente. Assim sendo, a diferença entre o que é "boa cidadania corporativa" e "negócio sustentável" está exatamente no custo assimilado pela empresa na hora de bancar um programa de certificação da origem até o final da sua cadeia produtiva.

Certificação monitorada: oportunidades

Ao tentar estender a responsabilidade socioambiental para toda a cadeia produtiva, a Natura se aproximou das comunidades que provêm matérias-primas a seus fornecedores. A empresa "opta por isso em vez de apenas fazer exigências aos fornecedores diretos", afirma a bióloga Janice Casara, da Cognis, multinacional que produz os óleos emolientes amazônicos usados na linha de produtos Ekos.

A certificação ofereceu à empresa uma metodologia que ajuda assegurar a qualidade da cadeia produtiva. O processo envolve a extração - conhecer o local de onde está sendo retirada a planta, a capacidade de reposição natural da região, como se dá o seu manejo, quanto do produto natural está sendo colhido e quanto está sendo deixado -, assim como as condições de trabalho das pessoas e infra-estrutura local.

Janice confirma que o Programa de Certificação de Ativos é complexo e custoso. "Envolve o trabalho de muita gente: biólogos, antropólogos, ambientalistas, engenheiros florestais e muitos outros profissionais. E também abrange muitas etapas. Mas na Natura, certificação e sustentabilidade andam juntas. Não separamos as práticas. O custo disso é incorporado em nosso planejamento", disse a bióloga.

Mais sensibilização para uma sustentabilidade certificada

De inquestionável importância, como ferramenta de diálogo com seus públicos-alvo, ajudando-os a identificar quais produtos são genuinamente naturais, orgânicos e/ou provenientes de comércio justo, é polêmica a questão da certificação. Principalmente no que se refere ao custo e a responsabilidade socioambiental dos selos.

Um exemplo? O caso do alfa-bisabolol, extraído do óleo de candeia.

Segundo Eduardo Roxo, biólogo e diretor da empresa de ativos naturais Atina, o alfa-bisabolol é um produto valorizado na fabricação de cremes para pele, xampus e sabonetes. Por isso, é exportado para a Europa, onde muitos desses cosméticos são feitos e comercializados.

Ele relatou que, surpreendentemente, a maioria das empresas compradoras não quer saber a origem do produto florestal e não tem interesse em custear a diferença entre um óleo certificado e o não certificado.

Entre diversas empresas nacionais e multinacionais que usam o óleo como matéria prima em seus produtos, apenas a Natura financia o custo do produto certificado oferecido ao mercado. "Ainda há pouca sensibilização de outras empresas no que se trata de abraçar os custos da sustentabilidade", disse Eduardo Roxo.

Mesmo em países como a Alemanha, em que mais de 70% das empresas são filiadas à ONG ambientalista WWF, basta a documentação da alfândega brasileira para fazer com que as empresas estrangeiras se abstenham de responsabilidades, dizendo, "o que acontece dentro do Brasil é problema interno do país", relatou.

O óleo de candeia é extraído de uma árvore nativa da Mata Atlântica e, nesse caso, a indiferença é a porta de entrada (ou saída) que financia a ilegalidade e o corte predatório da mata.

"Sem a valorização da matéria prima e a divulgação da sua origem, a informação falha. Não há sensibilização do consumidor na hora da escolha. As pessoas sabem apenas do princípio ativo, mas não fazem a menor idéia de onde ele veio ou em quais condições ele foi explorado", comentou o biólogo.

Governança coorporativa e certificação

Mario Monzoni, coordenador do Centro de Estudos em Sustentablidade da Fundação Getúlio Vargas (GVces), afirmou que é possível reduzir os riscos socioambientais por meio de certificação e monitoramento da cadeia produtiva "gerando, sim, valor ao acionista". Para ele, medidas sistêmicas de certificação constroem relacionamentos de excelência com os diversos stakholders, que respondem favoravelmente na hora de consumir. "A sociedade civil está cada vez mais presente e atuante na capacidade de exigir regulamentação e maior respeito nas relações comerciais", disse.

Na opinião de Philippe Pommez, consultor da Inobi, empresa que visa estimular o uso sustentável da biodiversidade brasileira, o consumidor já exerce poder sobre a certificação sócioambiental quando exige maior transparência empresarial "tanto na certificação dos ativos naturais quanto no conhecimento da origem desses ativos".

Para Pommez, contudo, é importante que fornecedores, empresas, comunidades e governos se envolvam e entendam seu papel na questão da certificação. "O ato de certificar deve embutir os valores humanos, da biodiversidade e da sustentabilidade econômica", afirmou o consultor.


(Envolverde/Mercado Ético)
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