Nova York, novembro/2008 – As atuais crises globais – de alimentos, combustíveis e financeiras – deixaram claro que o modelo do desenvolvimento convencional já não é mais viável. A promoção da liberalização do mercado e da austeridade fiscal como instrumentos para estimular o crescimento econômico deve ser revista. Os acordos internacionais, começando pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, apóiam políticas que vão além do mero crescimento econômico, pois têm como meta um desenvolvimento justo e sustentável. O Consenso de Monterrey, por exemplo, diz que o financiamento de um desenvolvimento simples e centrado nas pessoas é essencial para responder aos desafios da globalização. Nesse contexto, destaca-se que o investimento na igualdade entre os gêneros tem um efeito multiplicador na produtividade e que o aumento das opções econômicas das mulheres é fundamental para alcançar os ODM.
No ano passado, durante a revisão da aplicação do Consenso de Monterrey sobre o Financiamento do Desenvolvimento, os Estados integrantes da ONU destacaram a necessidade de abordar a qualidade do desenvolvimento e a importância de enfrentar as desigualdades. O informe do secretário-geral da ONU diz que “existe uma ampla opinião sobre a necessidade de melhor compreensão do papel da mulher no desenvolvimento, indo mais além de suas funções como cuidadora de crianças, deficientes ou doentes e como trabalhadora. As políticas macroeconômicas deveriam ser mais coerentes com outras políticas para conseguir a igualdade de gênero”.
Entre 29 de novembro e 2 de
setembro acontecerá em Doha (Qatar) uma conferência que aprovará o
documento final sobre o financiamento do desenvolvimento. O rascunho
desse documento reconhece estes vínculos e identifica a igualdade de
gênero como um desafio-chave para o desenvolvimento, junto com os da
mudança climática e as crises de alimentos e energia. É de vital
importância que o documento final de Doha contenha referências aos
vínculos estruturais entre as políticas macroeconômicas e a igualdade
de gênero. Os laços entre a igualdade de gênero e o desenvolvimento
deveriam também ser apontados dentro das sessões específicas da agenda
do financiamento para o desenvolvimento.
Tudo isto serve para
ampliar as oportunidades para as mulheres e para reduzir os riscos aos
quais elas estão frequentemente expostas, incluindo a perda do trabalho
e de renda e o acesso limitado aos bens e serviços públicos. Entre as
conseqüências negativas das políticas de ajuste fiscal tem particular
destaque a paralisação das oportunidades de emprego e a redução de
gastos em serviços públicos e em proteção social. Essas medidas obrigam
as mulheres a assumirem responsabilidades adicionais quanto à
assistência de suas famílias, o que limita suas opções na obtenção de
empregos e em atividades empresariais.
As políticas econômicas
devem ampliar as opções das mulheres no mercado de trabalho e melhorar
seu acesso aos bens financeiros e produtivos. São necessários também
esforços particulares para sustentar o grande número de mulheres que
desempenham trabalhos informais, incluindo o comércio através das
fronteiras, e melhorar as opções para os pequenos agricultores, cuja
maioria deles em muitos países é de mulheres. As políticas impositivas
também devem ser revistas.
Os impostos para as empresas são
excessivamente baixos em diversos países, devido à adoção de isenções
fiscais para atrair investimentos estrangeiros que se mostraram
ineficazes em muitos casos, especialmente na África. Por outro lado,
muitos países pobres recorrem aos impostos indiretos, os quais acabam
por cair pesadamente sobre os ombros dos pobres e das mulheres, como
consumidores que são de bens e serviços básicos.
Quanto aos
recursos externos, não é aceitável que o Consenso de Monterrey declare
que a liberalização do comércio e dos investimentos aumentem o
investimento direto externo e levem ao crescimento econômico e ao
desenvolvimento social. Na prática, o investimento estrangeiro se
concentra em um número relativamente pequeno de países. A liberalização
do comércio trouxe escassos ganhos e colocou em perigo seriamente a
segurança alimentar em muitos países em desenvolvimento onde as
mulheres são as principais produtoras, bem como fornecedoras, de
segurança alimentar.
No encerramento da 52ª sessão da Comissão
sobre o Status da Mulher, realizada em março passado, os governos
concordaram que alcançar a igualdade de gênero requer uma
redistribuição dos recursos existentes e uma enorme injeção de fundos
adicionais, tanto de fontes internas como externas. Quando os líderes
mundiais se reunirem em Doha, é urgente que encontrem vias para avançar
nesta agenda.
Agora é amplamente reconhecido que a atribuição
de poder às mulheres e à igualdade de gênero são condutores-chave de
políticas para criar segurança alimentar, reduzir a pobreza,
salvaguardar o meio ambiente e realçar a eficácia do desenvolvimento.
As mulheres também são importantes agentes de desenvolvimento econômico
e necessitamos de políticas que reconheçam tanto esta realidade e
apóiem ativamente – e financiem – a igualdade de gênero (IPS/Envolverde)
* Inês Alberdi, diretora-executiva do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem).
(Envolverde/IPS)