A Minga Indígena na cidade de Cali em setembro de 2004, a consulta
popular que rejeitou o Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos em
seis municípios do departamento de Cauca em 2005, e a liberação da Mãe Terra em
20 fazendas de Cauca entre setembro e novembro desse ano, pelo não-cumprimento
da reparação integral pelo massacre de 20 indígenas no El Nilo (cometido no dia
16 de dezembro de 1991), foram maciças mobilizações que sacudiram as
mentalidades.
Também foi a cúpula contra o TLC, de maio de 2006, que
paralisou Cauca e seu vizinho Nariño durante cinco dias, opinião também
expressada em marchas nos departamentos de Huila, Valle del Cauca, Tolima,
Caldas e outros lugares. No dia 19 de agosto deste ano, em Popayán, capital de
Cauca, a marcha em solidariedade aos leiteiros afetados por medidas oficiais foi
uma festa popular.
Embora seus direitos fundamentais estejam reconhecidos
pela Constituição e por convênios internacionais, os indígenas lutam porque na
prática governamental se desconhece a obrigação de consultá-los sobre a adoção
de qualquer medida legislativa ou administrativa que os afete. Assim ocorreu com
a lei florestal, declarada inconstitucional pela Corte Constitucional depois de
vários meses de vigência, pela falta de consulta aos indígenas e
afro-colombianos.
Os TLC com os Estados Unidos e o Canadá são
considerados pelos povos indígenas lesivos aos seus direitos, pois permitem que
árbitros internacionais dirimam seus conflitos com empresas multinacionais,
estabelecem normas de propriedade intelectual que ameaçam a propriedade coletiva
do saber e do patrimônio cultural, e permitem patentear seres vivos. Além disso,
esses TLC estimulam as privatizações e priorizam leis aprovadas contra os
indígenas, sob a alegação de uma "estabilidade jurídica" que garante
indenizações aos investidores se essas leis forem alteradas.
A importação
de alimentos, incentivada pelos tratados, afeta os indígenas como aos demais
agricultores. O governo apresentou projetos de lei e reformas à Constituição
para reduzir ou eliminar direitos indígenas. O Estatuto Rural de 2007 é um
exemplo: em seus artigos contradiz direitos consagrados pelo Convênio 169 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), proíbe que na região do Pacifico e
na bacia do Rio Atrato (noroeste do país) sejam constituídas ou ampliadas
reservas indígenas e que seja devolvido, ou saneado, o território perdido às já
existentes.
O Estatuto permite aos municípios e aos departamentos
desconhecer o território indígena mediante normas de ordenamento territorial e
exige dos povos nômades e horticultores itinerantes uma ocupação "regular e
permanente". Outras leis sobre mineração ou exploração de hidrocarbonos e
aqüedutos e vários projetos sobre águas ou terras também são lesivos. O governo
chegou a propor reformas constitucionais para eliminar a ação judicial de
tutela, que permite proteger direitos coletivos, e para suprimir o caráter de
entidade territorial autônoma que têm todos os territórios indígenas.
O
governo colombiano foi o único da América Latina que não votou a favor da
Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adotada em
13 de setembro de 2007. Estados Unidos e Canadá votaram contra. Os indígenas
protestam porque os TLC com estes dois países e as normas desfavoráveis foram
impostas em meio a uma escalada de violência, assassinatos e violações múltiplas
de seus direitos humanos. A maior quantidade de assassinatos de indígenas, desde
que existem estatísticas, se registrou no primeiro período do governo de Álvaro
Uribe (2002-2006).
Entre 17 de setembro e 12 de outubro foram
assassinados na Colômbia 15 nativos. Desde 2005, as mobilizações são reprimidas
com fuzis, com saldos de mortos e feridos a tiros. Isso se repetiu neste mês de
outubro. Os assassinatos, que durante anos foram cometidos por paramilitares,
guerrilheiros e a força pública, bem como a repressão armada às mobilizações,
estão ajudando a despojar os indígenas de seus direitos.
A resistência de
500 anos permitiu aos indígenas conservar 20% de seu território. Apostam na
resistência civil porque entendem que o atual conflito armado serve para
deslocar maciçamente a população e é o motor de um despojamento não apenas de
terras, mas de direitos. Assim, a Minga de Resistência deste mês de outubro, da
qual faz parte a grande marcha de Cali dirigida pela Organização Nacional
Indígena da Colômbia (ONIC), foi preparada com o povo, em centenas de
assembléias, audiências e reuniões comunitárias. Daí seu êxito.
* O
autor é economista e pesquisador do Centro de Cooperação com o Indígena da
Colômbia. Direitos exclusivos Terramérica.
Crédito de
imagem: Fabrício Vanden Broeck
- Por Héctor Mondragón*