Segunda incubadora formada no Brasil e a com maior número de iniciativas em andamento, a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade Federal do Ceará (UFC) promove, há doze anos, o fortalecimento de pequenas iniciativas produtivas como forma de corrigir as distorções sociais e econômicas vivenciadas atualmente. Apesar de enfrentar empecilhos para competir com empresas de grande porte, o coordenador do projeto, Osmar de Sá Ponte Júnior, defende o estímulo a essas iniciativas como forma de promover uma economia baseada na produção coletiva e solidária, em que todos têm voz e vez.
Adital - Há quanto tempo existe a incubadora e a partir de que necessidades ela foi criada?
Osmar de Sá Ponte - A Incubadora começou como um projeto que
surgiu no contexto da Ação de Cidadania e Combate à Fome, do Betinho. Na época,
ele coordenava as iniciativas do Coep, que era o Comitê de Entidades Públicas de
Combate à Fome pela Vida. E eram muitas ações de solidariedade, mas do tipo mais
convencional, na base de doação de alimentos e roupas. E ela avançou no sentido
de uma ação mais propositiva das entidades públicas, entre as quais a UFC, para
permitir geração de trabalho e renda. Foi constatado que a maioria das pessoas
que vivia nessa situação de fome e pobreza, muitas vezes, não teve uma única
oportunidade de trabalho na vida, sem emprego formal ou permanente. Então vimos
a oportunidade de construir cooperativas populares para que essas pessoas se
organizassem em empreendimentos autogestionados com o apoio da universidade.
Nossa incubadora está fazendo 12 anos, é a segunda do Brasil e a que tem mais
empreendimentos incubados, atualmente com 45. A idéia inicial era contemplar
essas populações excluídas, da periferia das grandes cidades. Com o tempo, o
processo se complexificou e o público das incubadoras passou a incluir outras
formas de desemprego. Hoje, vivemos um outro cenário de ampliação das ações,
principalmente para o campo e os assentamentos.
Adital -
Quais os principais desafios que esses empreendimentos
enfrentam?
Osmar - Diferentemente da
economia solidária, as cooperativas tem um caráter formal, uma legislação
própria, que diz, por exemplo, que ela só pode ser constituída por um mínimo de
20 pessoas, o que dificulta um pouco a formação de cooperativas no contexto
atual. A segunda dificuldade é a questão da inserção no mercado. É preciso
produzir com qualidade, uma coisa que insistimos muito. Porque a economia
solidária é uma economia, ela não pode ser destacada só pelo aspecto social. Os
produtos têm que ter qualidade, o negócio deve se inserir no mercado e o
resultado, ser distribuído de forma solidária. Enfrentar a economia sendo
sujeito do processo econômico. Economia solidária não é caridade nem
assistencialismo. É uma atividade produtiva que visa a organização coletiva e a
inclusão social pelo trabalho.
Adital - Qual o papel da
universidade para permitir que esses empreendimentos virem uma realidade e
tenham continuidade?
Osmar - Até
chegar a inserção no mercado, existe um conjunto de ações que realizamos, que é
chamado processo de incubação. Damos assessoria permanente a grupos que, sem
esse acompanhamento, não conseguiriam se organizar. Um dos primeiros passos é se
reunir com o grupo, conhecer cada um. Um dos nossos critérios é que seja um
empreendimento coletivo, fora daquela coisa de um mandando e os demais,
obedecendo. É preciso que seja em que todos sejam donos da idéia, todos sejam
responsáveis pelo processo e participem efetivamente dele. O nosso foco é a
autogestão. É claro que há outros grupos que funcionam muito bem sem ser
autogestão, mas existem outros órgãos que podem dar apoio. A partir daí, ao se
enquadrar nesse perfil, iniciamos as oficinas em função do grupo com que
trabalhamos, eles têm muita vontade de resolver coisas práticas e dificuldade de
acesso a questões teóricas. Depois, fazemos um diagnóstico das potencialidades
produtivas, definindo o perfil social, econômico e humano do grupo. Também
realizamos um curso sobre cooperativismo e autogestão, com conhecimentos básicos
sobre legislação, empreendimentos, etc. Isso tudo feito da forma participativa.
Enfim, partimos para a elaboração do estatuto da cooperativa. Claro que temos um
modelo de estatuto, mas todas as questões centrais e todos os artigos são
reconstruídos pelo grupo, depois de discussões, participação de uma comissão de
cooperativas para definir direitos e obrigações dos cooperados. Por isso que são
eles que precisam elaborar. Além disso, tem a questão do objeto, o que ela vai
produzir? Isso não pode ser definido por um assessor, por alguém de fora. Esse
empreendimento é deles e eles têm que definir o que é direito e dever de cada
um.
Adital - O que ainda falta, no sentido de políticas
públicas, para permitir essa inserção dos empreendimentos
solidários?
Osmar - Atualmente esses
empreendimentos enfrentam o gargalo na comercialização e na produção com
qualidade, porque é difícil competir com as grandes iniciativas de mercado.
Estas, por exemplo, conseguem divulgar seus produtos em veículos de comunicação,
algo que, no caso dos empreendimentos solidários, custaria muito mais do que a
produção. Acredito que os governos poderiam privilegiar essas iniciativas
solidárias nas compras governamentais, sempre obedecendo a critérios de
qualidade. A igualdade muitas vezes se faz em tratar os diferentes, os que têm
menos oportunidades, de forma diferenciada. Também se poderia pensar na
constituição de mercados solidários, para aproximar potenciais clientes desses
produtores. São formas de garantir um futuro sustentável para essas
iniciativas.
* As matérias sobre Economia Solidária são produzidas com o
apoio do Banco do Nordeste do Brasil.
(Envolverde/Adital)