O fato é
que aos eslovenos encanta (embora com prudência e moderação) ressaltar seus
fatos diferenciais atuais e históricos. Têm uma língua própria, diferente da
sérvio-croata (uma combinação hoje inominável nos dois Estados que compartilham
a mesma fala). Passam por um desenvolvimento econômico e social notável. Como
resultado, a Eslovênia é membro pleno da União Européia desde a espetacular
ampliação em 2004 e desfruta de todos os adereços (euro, Schengen, recente
presidência do Conselho).
Percebe-se a existência de um sistema escolar e
universitário excelente, um cuidado rigoroso com a arte e arquitetura, um
domínio dos idiomas (o inglês é onipresente) e uma urbanidade em relação ao
visitante que se presume desaparecida em ambientes não dedicados inteiramente ao
turismo. Às arrumadeiras não é preciso recomendar que façam direito; os
motoristas de ônibus indicam onde descer; cede-se o lugar e se respeita a
vez.
A capital eslovena desfruta de uma curiosa calma. Não há
aglomerações, as excelentes auto-estradas são seguras, não há engarrafamentos
(exceto em um trecho ao chegar ao lago alpino de Bled). Inclusive, em plena
temporada turística, a ausência de multidões chama a atenção. O viajante passeia
pelos lugares centrais (sob a presença do dragão mitológico, símbolo da cidade)
e observa que quase tudo o que tem valor arquitetônico se deve à genialidade de
Joze Plecnik (uma ponte de três ramais é um luxo). Tem-se vontade de explorar o
interior do país e sua costa adriática, aventurar-se no resto da antiga
Iugoslávia.
Esse desejo, entretanto, dá de cara com um sinal de alarme. A
Eslovênia parece viver em um torpor enganoso, enquanto o restante da região
vislumbra o regresso ao passado. A imprensa e as emissoras de televisão
explodiram com a notícia da prisão de Radovan Karadzic, o carniceiro
sérvio-bósnio causador da quase destruição de Sarajevo e da matança de
Srebrenica. Milhares de nostálgicos em Belgrado protestam pelo iminente processo
do mais tragicamente famoso criminoso que somente por generosidade pode ser
chamado "de guerra". A rigor, trata-se de um genocida, patético imitador de
Hitler. Por um demencial sentido de superioridade étnica, Karadzic foi
simplesmente agente da endêmica política de construção de uma "Sérvia
grande".
Enquanto se coloca em marcha a máquina judicial de Haia,
reabrem-se as feridas enganosamente mal cicatrizadas do invento de Tito, feito
em pedaços após o final da Guerra Fria. O silêncio das ruas de Ljubljana é a
réplica do compromisso acordado para acabar com os confrontos. Assim foi
possível a consolidação da Sérvia e da Croácia separadas, a precária soberania
da Bósnia, o surgimento de Montenegro e o mal menor da independência de Kosovo,
enquanto a Albânia apenas saiu dos tétricos minibunkers.
O lema era não
repetir até o infinito a tragédia da Primeira Guerra Mundial, ilustrada em uma
magnífica exposição organizada no Museu de História da capital, situado no
idílico Parque Tívoli. Não se sabe quem eram os "bons" ou os "maus". Todos,
velhos, crianças, mulheres, soldados aterrados e enfermos, perderam "a guerra
para acabar com todas as guerras". Hoje, as fossas da Bósnia continuam sem
identificação. A calma de Bled se cobre de tempestade.
Daí não ter
desaparecido a nostalgia de certos setores em relação à época de Tito, cujos
bustos são expostos, por objetividade histórica, em museus. Considera-se de
menos a segurança da época, quando os universitários tinham um emprego
garantido, mal pago e obrigatório. O euro não era apontado como causador da
carestia da vida e do preço estratosférico da habitação.
Na medida em
que passam os meses, a Eslovênia teme sentir-se como Cinderela à meia-noite, já
sem a presidência da União Européia, sujeita à problemática européia e às
incógnitas da antiga Iugoslávia. No fundo, talvez tivesse sido melhor, dizem
alguns, Karadzic ter continuado sem ser encontrado. Felizmente, a maioria dos
cidadãos é otimista e aponta para frente, como parece ter feito o governo sérvio
pensando na UE. A Europa não está completa sem resolver a "questão iugoslava".
(IPS/Envolverde)
* Joaquín Roy é diretor do Centro da União Européia da
Universidade de Miami (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.).
(Envolverde/IPS)