A resistência do fantasma iugoslavo

Ljubljana, Eslovênia, agosto/2008 – Começar pela Eslovênia uma visita aos territórios da artificial entidade política criada por Tito em 1943 pode não ser a melhor maneira de entender este conjunto de pequenas nações-estados. A Eslovênia é, depois de tudo, política e economicamente muito diferente dos demais países que durante quase meio século fizeram parte da República Socialista da Iugoslávia e anteriormente, durante apenas duas décadas, do final da Primeira Guerra Mundial (1918) até eclodir a Segunda, do Reino de Eslovenos, Croatas e Sérvios, renomeado em 1929 como Estado.
A última grande contenda européia despedaçou temporariamente a precária unidade não apenas da Eslovênia, mas também do resto da região. Não era nenhuma novidade. Se os eslovenos tiveram de suportar a ocupação de italianos e alemães, enquanto o Eixo tinha o controle de quase toda a Europa, antes já haviam sido controlados pela França napoelônica e depois integraram o Império Austro-Húngaro. Pelo menos, não chegaram à Eslovênia os turcos, que dominaram uma grande parcela do resto dos Bálcãs contribuindo para que tanto a Bósnia quanto os aldeões da Albânia seguissem a religião muçulmana. A Eslovênia permaneceu majoritariamente fiel ao catolicismo, fruto da herança que se rastreia até a romanização.

O fato é que aos eslovenos encanta (embora com prudência e moderação) ressaltar seus fatos diferenciais atuais e históricos. Têm uma língua própria, diferente da sérvio-croata (uma combinação hoje inominável nos dois Estados que compartilham a mesma fala). Passam por um desenvolvimento econômico e social notável. Como resultado, a Eslovênia é membro pleno da União Européia desde a espetacular ampliação em 2004 e desfruta de todos os adereços (euro, Schengen, recente presidência do Conselho).

Percebe-se a existência de um sistema escolar e universitário excelente, um cuidado rigoroso com a arte e arquitetura, um domínio dos idiomas (o inglês é onipresente) e uma urbanidade em relação ao visitante que se presume desaparecida em ambientes não dedicados inteiramente ao turismo. Às arrumadeiras não é preciso recomendar que façam direito; os motoristas de ônibus indicam onde descer; cede-se o lugar e se respeita a vez.

A capital eslovena desfruta de uma curiosa calma. Não há aglomerações, as excelentes auto-estradas são seguras, não há engarrafamentos (exceto em um trecho ao chegar ao lago alpino de Bled). Inclusive, em plena temporada turística, a ausência de multidões chama a atenção. O viajante passeia pelos lugares centrais (sob a presença do dragão mitológico, símbolo da cidade) e observa que quase tudo o que tem valor arquitetônico se deve à genialidade de Joze Plecnik (uma ponte de três ramais é um luxo). Tem-se vontade de explorar o interior do país e sua costa adriática, aventurar-se no resto da antiga Iugoslávia.

Esse desejo, entretanto, dá de cara com um sinal de alarme. A Eslovênia parece viver em um torpor enganoso, enquanto o restante da região vislumbra o regresso ao passado. A imprensa e as emissoras de televisão explodiram com a notícia da prisão de Radovan Karadzic, o carniceiro sérvio-bósnio causador da quase destruição de Sarajevo e da matança de Srebrenica. Milhares de nostálgicos em Belgrado protestam pelo iminente processo do mais tragicamente famoso criminoso que somente por generosidade pode ser chamado "de guerra". A rigor, trata-se de um genocida, patético imitador de Hitler. Por um demencial sentido de superioridade étnica, Karadzic foi simplesmente agente da endêmica política de construção de uma "Sérvia grande".

Enquanto se coloca em marcha a máquina judicial de Haia, reabrem-se as feridas enganosamente mal cicatrizadas do invento de Tito, feito em pedaços após o final da Guerra Fria. O silêncio das ruas de Ljubljana é a réplica do compromisso acordado para acabar com os confrontos. Assim foi possível a consolidação da Sérvia e da Croácia separadas, a precária soberania da Bósnia, o surgimento de Montenegro e o mal menor da independência de Kosovo, enquanto a Albânia apenas saiu dos tétricos minibunkers.

O lema era não repetir até o infinito a tragédia da Primeira Guerra Mundial, ilustrada em uma magnífica exposição organizada no Museu de História da capital, situado no idílico Parque Tívoli. Não se sabe quem eram os "bons" ou os "maus". Todos, velhos, crianças, mulheres, soldados aterrados e enfermos, perderam "a guerra para acabar com todas as guerras". Hoje, as fossas da Bósnia continuam sem identificação. A calma de Bled se cobre de tempestade.

Daí não ter desaparecido a nostalgia de certos setores em relação à época de Tito, cujos bustos são expostos, por objetividade histórica, em museus. Considera-se de menos a segurança da época, quando os universitários tinham um emprego garantido, mal pago e obrigatório. O euro não era apontado como causador da carestia da vida e do preço estratosférico da habitação.

Na medida em que passam os meses, a Eslovênia teme sentir-se como Cinderela à meia-noite, já sem a presidência da União Européia, sujeita à problemática européia e às incógnitas da antiga Iugoslávia. No fundo, talvez tivesse sido melhor, dizem alguns, Karadzic ter continuado sem ser encontrado. Felizmente, a maioria dos cidadãos é otimista e aponta para frente, como parece ter feito o governo sérvio pensando na UE. A Europa não está completa sem resolver a "questão iugoslava". (IPS/Envolverde)

* Joaquín Roy é diretor do Centro da União Européia da Universidade de Miami (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.).


(Envolverde/IPS)
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