O triunfo eleitoral dos maoístas na Constituinte e o futuro da revolução nepalesa

Apurados todos os votos das eleições para a Assembléia Constituinte no Nepal, os resultados asseguraram mais de um terço, 220, das 601 cadeiras para o Partido Comunista do Nepal (Maoísta), o que, teoricamente, junto com os constituintes das minorias nacionais representadas na Assembléia, daria confortável maioria para implantar seu programa.

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Casal de camponeses maoistas comemoram os 12 anos de Guerra Popular
As eleições no Nepal transcorreram em clima tenso, sempre com provocações dos partidos burgueses e monarquistas que chegaram a assassinar alguns candidatos do PCN(M) e colocar em risco a realização do pleito.

Os números finais das três principais forças são os seguintes:

  • Partido Comunista do Nepal-Maoísta: 220 cadeiras
  • Congresso Nepalês (do chefe do governo provisório, Girija Koirala): 110
  • Partido Comunista do Nepal — UML (revisionista): 103

O Fórum pelos direitos do Povo Madhesi ficou com 48 cadeiras e representa uma minoria nacional secularmente dominada pela monarquia e que aderiu fortemente ao processo revolucionário, uma vez que a execução do programa maoísta naquela região lhes assegurava a autonomia e o direito à autodeterminação. O regulamento eleitoral assegurava assentos também a outras minorias nacionais.

Na sessão inaugural da Assembléia, em 28 de maio, a promessa dos maoístas é de que a república democrática seja proclamada já neste dia. Inclusive Baburam Batharai, um dos dirigentes do PCN(M) já advertiu ao rei Gyanendra para que ele se retire do palácio real antes desse dia ou será expulso de lá.

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A população nepalesa no comício de comemoração dos 12 anos da Guerra Popular

A tarefa da Assembléia é elaborar uma constituição para uma república e espera-se que esteja concluída ao fim de dois anos. Os acordos pré-eleitorais estabeleceram um entendimento entre os três partidos enumerados acima, o que levanta a questão de que caráter de classe terá o novo poder estatal.

As razões da vitória

Antes das eleições as pesquisas mais "confiáveis" colocavam os maoístas em terceiro lugar, o que garantiria a hegemonia das forças burguesas e reacionárias na Constituinte e deixava as potências imperialistas tranquilas com relação ao futuro semicolonial e semifeudal do Nepal.

Mal as urnas foram fechadas e os primeiros números davam ampla vantagem aos maoístas, o que se confirmou ao final da apuração.

O fato inegável é que o PCN(M), assim como o Exército Popular de Libertação e todas as organizações revolucionárias maoístas conquistaram enorme popularidade através de seu programa revolucionário, da conduta de seus membros — que sempre respeitaram enormemente as massas — e as grandes realizações nos 80% do território nacional libertado do domínio monárquico.

A única monarquia hinduísta do mundo, com 240 anos de existência e um histórico de opressão, exploração e violência ilimitados contra o povo também é uma razão da vitória dos maoístas. O sistema hindu de castas era praticado no Nepal, o que assegurava a mais rigorosa segregação social e garantia à burguesia e os elementos feudais a sua exploração.

As mulheres eram particularmente oprimidas no Nepal. Espancar as esposas era um direito dos maridos, as meninas eram forçadas a se casar quando ainda crianças e havia, inclusive, venda de meninas nas cidades pelos seus pais. O combate a essas práticas e a punição dos responsáveis nas áreas revolucionárias assegurou ao PCN(M) a adesão massiva das mulheres e elas desempenharam um destacado papel no impulsionamento da revolução nepalesa.

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Manifestação antes do comício

A guerra popular no Nepal em dez anos fez grandes e rápidos progressos, alentando as esperanças tanto do povo nepalês como de todos os revolucionários do mundo. A vitória eleitoral dos maoístas na Constituinte, ainda que deixe dúvidas quanto a seu futuro, é um claro sinal de que a revolução tem o apoio decidido das amplas massas.

As reações

Logo após a divulgação dos resultados o presidente do PCN(M) se reuniu com representantes de algumas entidades que mantém investimentos no Nepal. No evento estava presente a embaixadora do USA, Nancy Powel, que nada falou sobre a manutenção do PCN(M) na lista das "organizações terroristas" elaborada pelos seus chefes.

Algumas declarações de dirigentes maoístas dão conta de que o novo governo contará com os investimentos de capitais estrangeiros — inclusive no turismo, para impulsionar a economia e superar o atraso secular do Nepal — e que pretende manter relações amigáveis com os vizinhos gigantes, China e Índia. Este último sempre alimentou interesses expansionistas no Nepal e vinha dando sustentação ao decrépito regime monárquico.

O governo indiano, que há séculos domina a região e tinha no rei Gyanendra um grande aliado, se manifestou de maneira tímida: "As exitosas eleições para a Assembléia Constituinte no Nepal são bem-vindas e representam um passo histórico para a realização das aspirações do povo nepalês para um futuro democrático", disse o porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da Índia, Navtej Sarna, mal disfarçando o desapontamento pela vitória dos maoístas.

Qual é o futuro da revolução no Nepal?

Um novo governo será formado, mas a dúvida fundamental não é sobre quais partidos estarão no governo, mas que natureza terá o novo poder estatal. Depois de dez anos de guerra popular, que governo se consolidará nacionalmente? O velho Estado lutou por proteger os interesses das classes exploradoras e assegurar a subordinação do Nepal ao imperialismo estrangeiro e à Índia. No poder de quem descansará o Estado nepalês que resultará da Assembléia Constituinte? Que destino terá o Exército do Nepal e a polícia militar que nada mais fizeram do que perseguir e matar revolucionários, semear terror e roubar as massas? O que acontecerá com o Exército Popular de Libertação (EPL), que granjeou respeito e admiração dos camponeses pobres que representam a maioria da população? O Nepal será uma base de apoio da Revolução Mundial ou seguirá amarrado à teia da dominação impe rialista?

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Fotografia tirada pela jornalista Li Onesto
durante a viagem por áreas da Guerra Popular do Nepal, em 1999

O Estado resultante da Assembléia ficará livre do feudalismo que o rei representava? Durante a Guerra Popular, o sistema de castas com sua horrorosa "intocabilidade" foi fortemente combatido nas zonas onde as massas apoiadas no seu exército revolucionário, o EPL, detinham o poder. O mesmo ocorreu no caso dos casamentos de meninas, espancamentos de esposas e outras práticas de opressão e violência sobre as mulheres. O processo da Assembléia Constituinte poderá institucionalizar estes e muitos avanços conquistados com a guerra popular em todo o país?

No campo, a revolução estabeleceu um novo sistema de "tribunais populares", que fez cumprir a ordem revolucionária e se estabeleceu outro tipo de poder político. Estas instituições terão lugar no novo governo? Que papel terá o sistema de tribunais e a burocracia do governo que servia ao velho Estado?

É óbvio que as forças da reação, sobretudo as potências imperialistas e as classes dominantes indianas e os exploradores do próprio Nepal, farão tudo ao seu alcance para garantir que não se avance nenhuma autêntica revolução no Nepal.


Dez anos de guerra popular
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Treinamento de soldados do EPL com grande participação feminina

Em 13 de fevereiro de 1996 o Partido Comunista do Nepal — Maoísta desencadeou a Guerra Popular Prolongada no Nepal, contra o regime monárquico e o imperialismo e pela construção de uma Nova Democracia e a caminho do socialismo e do comunismo.

Apesar dos selvagens ataques das forças reacionárias, a insurreição depressa ganhou raízes na região montanhosa da parte ocidental do país, entre as planícies férteis do sul ao longo da fronteira com a Índia e nas inóspitas cordilheiras do Himalaia a norte, ao longo da fronteira com a China. Os distritos rurais atrasados de Rukum e Rolpa, cada um com uma população de algumas centenas de milhares de habitantes, esmagadoramente camponeses pobres pertencentes, sobretudo a alguma das muitas nacionalidades minoritárias do Nepal, tornaram-se em fortalezas de resistência e num símbolo da revolução em todo o país.

Pouco depois, o programa do PCN(M) para transformar o Nepal começou a tomar forma viva. Nas zonas rurais limpas do aparelho policial do velho governo começaram a surgir novas formas de poder popular. As esperanças dos antigos oprimidos transformaram-se na sua mobilização ativa. Floresceram organizações entre diferentes setores do povo — camponeses, mulheres, operários, estudantes e professores. Quase desde o início que importantes transformações sociais começaram a ocorrer nos campos.

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Atividade política do EPL - Li Onesto, 1999

Quando as centelhas da guerra popular começaram a dar luz a uma saída dessa vida intolerável, um enorme número de oprimidos deu as boas-vindas à revolução e fluiu cada vez mais para as suas fileiras organizadas. As camponesas que, tal como os homens, suportavam um sofrimento extremo no Nepal ocidental, também tinham às costas todo o peso das tradições reacionárias. Por exemplo, as meninas casavam frequentemente aos 12 anos. Rapidamente, as mulheres começaram a transbordar para a revolução, tornando-se combatentes e aprendendo a ler e a escrever. Muitas tornaram-se comandantes e dirigentes políticos. A verdadeira libertação das mulheres chegava através da revolução.

Em apenas alguns anos, a revolução provocou mudanças dramáticas entre as nacionalidades oprimidas. Foi promovida a igualdade de idiomas e culturas. O PCN(M) deu uma grande importância à instalação de novos organismos administrativos locais e regionais onde os antigos oprimidos desempenhassem o papel principal.

A opressão feudal dos grandes proprietários rurais é intensa nas férteis planícies do Nepal meridional, o Terai. De fato, quando a guerra começou em 1996, uma forma de escravidão legal ainda existia nalgumas partes do país. Alguns camponeses nem sequer tinham o direito formal a sair dos campos dos seus amos. A revolução propagou as palavras de ordem "A terra a quem nela trabalha" e os camponeses pobres das planícies também começaram a apoiar a revolução em cada vez maior número. Muitos juntaram-se às forças de guerrilha baseadas nas encostas. A princípio era difícil para o lado revolucionário lutar nessas zonas agrícolas onde as forças inimigas eram fortes e podiam tirar proveito da rede de estradas e dos terrenos planos para se movimentarem rapidamente e deslocarem o seu armamento superior. Mas pouco a pouco também essas zonas se converteram em fortalezas da revolução. De uma forma crescente, as forças governamentais apenas se podiam confinar a campos enormemente fortificados.

Os novos órgãos de poder cresceram. Por exemplo, foram criados tribunais populares que envolviam os aldeões na resolução de disputas e na imposição da ordem revolucionária. Os casamentos de crianças foram tornados ilegais e cada vez mais jovens começaram a escolher os seus próprios companheiros sem referência à casta. A discriminação contra as castas ditas inferiores foi proibida e verdadeiras mudanças ocorreram na forma como as pessoas se relacionavam umas com as outras. O alcoolismo, um grande problema no país, foi alvo de campanhas de educação. A produção e a venda de álcool foram restringidas. Ninguém que tenha visitado as zonas rurais libertadas nepalesas pôde deixar de reparar no entusiasmo que a revolução gerou entre os pobres.

Estes desenvolvimentos não poderiam ter ocorrido sem a criação do Exército Popular de Libertação (EPL) em 2001. O EPL cresceu rapidamente em força, experiência e organização. Milhares de soldados revolucionários combateram longas batalhas contra posições inimigas fortalecidas e protegidas pelo poderio aéreo e por artilharia pesada. Ao vencer esse tipo de batalhas, bem como inúmeras outras de menor dimensão, o EPL capturou armas modernas oferecidas ao Estado reacionário nepalês pela Índia, pelo USA e pela Europa. De uma forma crescente, o inimigo apenas conseguia se movimentar usando tropas aerotransportadas ou marchando em colunas de centenas de soldados. Mesmo nas planícies férteis onde as forças armadas reais tinham importantes instalações, a autoridade da revolução conquistava influência gradualmente.

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Atividade do EPL junto as massas nepalesas - Li Onesto, 1999

Desde o início, o PCN(M) lutou para não deixar isolar a revolução nas zonas rurais, embora o terror desumano do inimigo tornasse muito perigoso que qualquer maoísta conhecido se arriscasse nas zonas urbanas. O Nepal é um país relativamente pequeno e as notícias de como a revolução estava transformando os campos iam-se infiltrando em todos os cantos da sociedade.

À medida que a guerra popular crescia em vigor, o Estado central nepalês, com a monarquia e o Exército Real do Nepal no seu núcleo, adotou pesadas medidas que empurraram uma parte cada vez maior da população das zonas urbanas para uma oposição ativa. Além disso, surgiram importantes fraturas entre as classes dominantes do Nepal, à medida que, governo atrás de governo, não conseguiam definir uma estratégia que conseguisse parar a insurreição. Em Junho de 2001, o rei Gyrendra e a maioria da família real foram misteriosamente assassinados no próprio palácio. O irmão desse rei, Gyanendra, amplamente considerado responsável pelo massacre, subiu ao trono. Após um pequeno período de cessar-fogo e negociações com o PCN(M), Gyanendra mobilizou todo o poderio do Exército Real do Nepal (ERN) contra a revolução, que até então tinha enfrentado, sobretudo a polícia militar. Também isso fracassou e a revolução continuou a avançar.

Enfrentado a verdadeira possibilidade de perder tudo, o rei decidiu entrar num arriscado jogo desesperado. Aboliu o parlamento, pôs os líderes dos partidos políticos legais em prisão domiciliar e impôs o "estado de emergência".

Porém, o plano ricocheteou. O EPL conseguiu resistir à intensificação dos ataques do ERN. Além disso, a incapacidade de Gyanendra em obter uma vitória decisiva intensificou as divisões nas classes dominantes. O descontentamento e a fúria em relação ao estado de emergência e à abolição de todos os direitos aumentaram em todo o país.

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Treinamento - Li Onesto, 1999

Neste quadro, partidos políticos como o Congresso Nepalês e o PCN-UML, que eram culpados de uma sangrenta colaboração com a monarquia e o exército, insurgiram-se contra o rei. A crescente força da guerra popular e a agitação nas fileiras das classes dominantes levaram, em abril de 2006, a uma gigantesca saída de centenas de milhares de pessoas para as ruas em todas as cidades e vilas do Nepal, sobretudo na capital. Isso forçou o rei a levantar o estado de emergência e a restabelecer o parlamento.

Nestas circunstâncias, foi declarado um cessar-fogo entre o EPL e o Exército Real do Nepal (cujo nome foi alterado para Exército do Nepal após o enfraquecimento da monarquia). Tiveram lugar várias rodadas de negociações entre os sete partidos políticos legais (sobretudo o Congresso Nepalês e o UML) e o PCN(M). Acabou por ser anunciado um acordo para se terminar a guerra popular e se formar um novo governo interino para funcionar até as eleições para uma Assembléia Constituinte acertada como centro do acordo. O acordo estabelecia também que os combatentes do EPL fossem colocados em acantonamentos — campos militares instalados em diferentes pontos do país, separados do povo — e colocassem a maior parte das suas armas sob supervisão da ONU. O acordo estabelecia que o governo do Nepal fornecesse instalações decentes e alimentação aos soldados do EPL, mas na realidade esses combatentes têm vivido até então em condições miseráveis. Esta seguia sendo a situação dos combatentes do EPL até as eleições para a Assembléia Constituinte.

 

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