América Latina: Cooperação Sul-Sul contra a desnutrição infantil

Santiago, 07/05/2008 – A cooperação entre países da América Latina, mais "barata, eficiente horizontal", pode acelerar a luta contra a desnutrição infantil, disse ontem Nils Kastberg, diretor regional do Fundo das Nações Unidas para a Infância em uma conferência na capital chilena. Kastberg chamou os países da América Latina e do Caribe a comemorarem em 2010 os 200 anos de independência da Espanha com um objetivo específico: garantir que nenhuma criança sofra desnutrição. A seu ver, o desafio pode ser vencido com vontade política, sob um espírito pan-americano e aproveitando a cooperação Sul-Sul. "Em lugar de falar de heróis, túmulos e próceres", um grande desafio para a região seria assegurar que "a partir de 1º de janeiro de 2010" nenhuma grávida sofra de anemia, que possa afetar o peso dos recém-nascidos, e que nenhuma criança deixe de receber apoio para erradicar definitivamente a desnutrição, ressaltou o diretor do Unicef.

 


As comemorações pelo bicentenário de emancipação do império espanhol começaram em 2004 no Haiti, mas a maior parte terá lugar entre 2008 e 2010. Por isso, o representante do Unicef propõe essa data como meta. Kastberg foi um dos oradores da segunda e última jornada da Conferência Regional Ministerial "Para a erradicação da desnutrição infantil na América Latina e no Caribe", aberta segunda-feira em Santiago. Trata-se da primeira reunião sobre desnutrição infantil com status ministerial que acontece na região, organizada pelo governo do Chile e o Programa Mundial de Alimentos (PMA). Antes havia acontecido dois encontros sub-regionais de caráter técnico.

A desnutrição global (déficit de peso para a idade), e em particular a desnutrição crônica (déficit de altura para a idade), deixam nas meninas e nos meninos seqüelas físicas e cognitivas irreversíveis. Sete por cento dos menores de cinco anos sofrem desnutrição global e 16% desnutrição crônica, o equivalente a quase nove milhões de crianças. A Guatemala registraria a mais alta prevalência deste último problema. Além de privar a infância do desenvolvimento de todo seu potencial, a desnutrição gera maiores custos em saúde e educação e reduz a produtividade dos países pela baixa escolaridade e menor quantidade de pessoas em idade de trabalhar devido à alta mortalidade.

Reduzir pela metade a proporção de pobreza extrema e fome na região até 2015, tomando como referência os dados de 1990, é o primeiro dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) estabelecidos pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 2000. Um dos indicadores com que se medirá o êxito desta meta é a redução pela metade da proporção de crianças com desnutrição global. Mas, como a desnutrição crônica é o verdadeiro problema,já que tem impacto irreversível na capacidade intelectual de meninos e meninas, "politicamente se acordou que sta tem de ser o principal indicador para medir a fome na região", asseguro Kastberg. Esta "interpretação" da América Latina e do Caribe pode ser "exportável" a outras regiões do mundo, afirmou. A seu ver, as comunidades indígenas e os imigrantes são duas das populações mais vulneráveis que poderiam se beneficiar da cooperação Sul-Sul em matéria de desnutrição infantil.

Já há experiências de "cooperação fronteiriça para que os imigrantes sejam parte dos sistemas de saúde, apesar de sua situação migratória não estar regularizada, e de capacitação de recursos humanos", afirmou Kastberg o representante do Unicef. Também poderia haver intercâmbio de experiências em matéria de programas de transferência monetária condicionada, que aumentaram nos últimos anos, onde se destacam os planos Bolsa Família, do Brasil, e Oportunidades, do México. Estes atacam diretamente a pobreza, base da desnutrição infantil. "A cooperação Sul-Sul é um tesouro que a região não tem sabido explorar. É necessário desenvolver uma estratégia continental a respeito", disse Cristina Lazo, diretora-executiva da Agência de Cooperação Internacional do Chile (AGCI).

"Sempre haverá experiências para compartilhar, independentemente de nossos graus de desenvolvimento", disse a funcionaria do Chile, país que se ofereceu para coordenar uma agenda de trabalho concreta nos próximos anos. "Para uma estratégia Sul-Sul precisamos que os países receptores de cooperação definam suas necessidades e as nações doadoras especifiquem suas ofertas", ressaltou Lazo. Kastberg propôs sistematizar as experiências que já acontecem para apresentá-las em uma conferência mundial de cooperação Sul-Sul, que acontecerá no próximo ano em algum país da região sob auspício da das Nações Unidas, informou.

Germán Valdivia, coordenador regional da Iniciativa Gestão do Conhecimento do PMA, divulgou um portal da Internet criado por esse organismo que, a seu ver, pode ser um instrumento útil para a cooperação Sul-Sul em matéria de erradicação da fome e da desnutrição. Trata-se do site www.nutrinet.org, que contém notícias e descrição de experiências de sucesso e programas inovadores. O portal tem cinco áreas temáticas: nutrição materno-infantil, alimentação escolar, vitaminas/mineras, HIV/Aids e emergências. Alguns dos países que mostram seu trabalho no site são Bolivia, Colômbia, Cuba, Guatemala, Panamá e Peru. Um dos objetivos é possibilitar a discussão dos especialistas. (IPS/Envolverde)

(Envolverde/IPS)

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