A fome ganhou destaque na imprensa de todo o mundo, como se fosse um tsunami. Mas a fome é um fenômeno previsível, resultado da combinação de fatores naturais com movimentos econômicos. Ao reagir com manchetes assombradas a uma desgraça anunciada, a imprensa foge do questionamento essencial sobre o funcionamento dos mercados.
A imprensa
nacional e internacional está tratando o espectro da fome como se fosse fato
novo, quente, recém-acontecido. A revista The Economist (espécie de bíblia do
jornalismo econômico) informou na semana passada que a escassez de alimentos
pegou a todos de surpresa.
Não é verdade. A própria Economist mostrou na
mesma matéria o salto espetacular nas cotações das commodities agrícolas nos
últimos anos. A mídia comeu mosca nessa história de falta de comida – aqui e lá
fora.
Dietas e brioches
Certos movimentos econômicos só se tornam
perceptíveis quando estão muito adiantados. O silêncio é a alma do negócio e os
investidores não gostam de barulho – movimentam-se antes que as suas jogadas
sejam transformadas em tendência.
Veja-se o caso da crise hipotecária
americana que só se tornou visível quando já era fato consumado, irremediável e
irreversível. Contribuíram muito para a atual alta nos preços agrícolas as
aplicações nos mercados futuros praticadas justamente por aqueles que perderam
dinheiro no mercado hipotecário americano e europeu.
A escassez de
alimentos é um fenômeno global criado por uma conjunção de fatores que precisam
ser explicados de forma muito clara. O sensacionalismo não funciona numa
cobertura deste tipo. Muito menos os modismos mundanos: enquanto a fome
transforma-se no personagem do ano, a capa da revista Veja neste fim de semana
ensina como fazer dietas balanceadas. Lembra a infeliz Maria Antonieta com os
seus brioches.
(Envolverde/Observatório da Imprensa)