Nova York, 15/04/2008 – Enquanto os preços dos alimentos continuam aumentando em todo o mundo, algumas das nações mais pobres no Sul em desenvolvimento correm perigo de sofrer agitações sociais e políticas. A instabilidade, que poderia se espalhar a cerca de 40 países, foi provocada por um drástico aumento nos preços das matérias-primas básicas, com trigo, arroz, sorgo, milho e soja, segundo a Organização das Nações Unidas. Depois dos distúrbios da semana passada no Haiti por causa do aumento dos preços – nos quais quatro pessoas morreram – o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, chamou os doadores internacionais a uma urgente assistência a um dos países mais pobres do Caribe.
Uma reunião de ministros das Finanças de todo o mundo
realizada no fim de semana em Washington alertou que os crescentes preços dos
alimentos eram uma ameaça maior à estabilidade política e social do que a atual
crise dos mercados de capital. A Organização das Nações Unidas para a
Agricultura e a Alimentação (FAO) destacou a situação em seis países com "uma
excepcional carência na produção e no fornecimento de alimentos", que são
Iraque, Lesoto, Moldovia, Somália, Swazilândia e Zimbábue. Depois apontou seis
países com uma "propagada falta de acessos" aos alimentos: Afeganistão, Coréia
do Norte, Eritréia, Libéria Mauritânia e Serra Leoa.
O excessivo aumento
nos preços dos alimentos básicos já provocou manifestações em Camarões, Burkina
Faso, Egito e Haiti, enquanto as elevações nos preços dos combustíveis e
produtos alimentícios causaram instabilidade na Costa do Marfim, Indonésia,
Mauritânia, Moçambique e Senegal. A FAO também alertou para a iminente
instabilidade política e social em nações onde entre 50% e 60% da renda familiar
são gastos em alimentos.
"Se as necessidades básicas de alimentos de um
vasto número de pobres permanecerem além deles, com uma ampla gama de
conseqüências para seu bem-estar, provavelmente não terão alternativa a não ser
levarem suas vozes às ruas", afirmou Ernest Corea, até há pouco conselheiro do
Grupo Consultivo sobre Pesquisa em Agricultura Internacional (CGIAR) do Banco
Mundial. Isto já ocorreu na história, e manifestações de intensidade já
aconteceram em diversos países, disse à IPS. Foi o ativista pelos direitos civis
norte-americano Martin Luther King quem disse que "a violência é a voz dos que
não são ouvidos", afirmou Corea, co-autor do livro "Revolucionando a evolução do
CGIAR".
Amuradha Mittal, diretora-executiva do Instituto Oakland, com
sede na cidade de São Francisco (EUA), e que fez exaustivos estudos sobre temas
relacionados com comércio de alimentos e agricultura, disse à IPS que várias
causas da atual crise são citadas nos círculos políticos, incluindo a crescente
demanda da China, Índia e outras economias emergentes. O crescimento da renda
por habitante em alguns desses países produziu uma mudança em suas demandas por
alimentos. Além disso, os aumentos nos preços também são atribuídos aos
crescentes custos dos fertilizantes e combustíveis, à mudança climática e à nova
ênfase em destinar as colheitas à produção de biocombustiveis. Estes são
responsáveis por quase a metade do aumento no consumo das principais colheitas
em 2006/2007.
"O que não se menciona é que, nas últimas décadas, a
liberalização da agricultura, o desmantelamento das instituições estatais para
convertê-las em juntas de comércio, e a especialização dos países em
desenvolvimento em cultivos exportáveis como café, coco, algodão e até mesmo
flores são todas coisas estimuladas por instituições financeiras internacionais
apoiadas por países como os Estados Unidos, e também pela União Européia",
acrescentou Mittal. Esta especialista afirmou que tais reformas arrastaram os
países mais pobres a uma espiral descendente. "A remoção das barreiras
alfandegárias permitiram a um punhado de nações do Norte tomar os mercados do
Terceiro Mundo através da inundação de matérias-primas fortemente subsidiadas
enquanto minavam a produção alimentar local", ressaltou Mittal.
Isso teve
como conseqüência o fato de os países em desenvolvimento deixarem de ser
exportadores para se converterem em grandes importadores, passando a ter um
excedente comercial em alimentos de US$ 1 bilhão nos anos 70 e sofrer déficit de
US$ 11 bilhões em 2001. Corea atribuiu a crise aos inadequados investimentos em
agricultura e à drástica queda na ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA). Além
disso, afirmou que também houve desastres naturais e outros causados pelo homem
que impediram o desenvolvimento agrícola, que é a base da segurança
alimentar.
O especialista disse que 21 dos 37 países examinados pela FAO
em "crise alimentar" e que necessitam de assistência sofreram inundações, secas
e outras condições climáticas adversas. E 20 deles são palco de conflitos
internos e deslocamentos de pessoas em grande escala. Houve, ainda, um grande
aumento da demanda por alimentos como conseqüência do aumento populacional e da
elevação da renda em alguns países. Por outro lado, quando aumentam a renda, os
padrões alimentares costumam mudar. Por exemplo, os que ganham mais tendem a
consumir mais carnes do que os pobres. Uma conseqüência desta tendência –
explicou – é que algumas reservas de alimentos passam a ser destinadas ao
processamento de ração para animais.
Também atribuiu o aumento dos preços
aos subsídios que os Estados Unidos entregam aos seus agricultores para que
cultivem produtos destinados à energia, em resposta aos altos preços do petróleo
e seus derivados. Este ano, um terço da produção de milho será usado para
produzir etanol e não com fins alimentícios. Os crescentes preços dos
combustíveis também dispararam os de outros insumos agrícolas, como
fertilizantes e transporte. (IPS/Envolverde)
(Envolverde/IPS)