Lisboa – Enquanto o imperialismo comandado pelo USA pede ajuda aos seus aliados europeus para tentar superar as dificuldades no Oriente Médio, a resistência popular no Iraque, no Líbano e na Palestina recebe apoio cada vez maior dos trabalhadores da Europa. O aumento dos esforços imperialistas para evitar a derrota naquela região coincide com o recrudescimento das ofensivas do capital internacional sobre os direitos das populações de todo o mundo. Dessa forma, e a despeito das posições oficiais e subservientes da União Européia, o povo europeu percebe que a luta dos povos árabes precisa da sua solidariedade, e entende que a liberdade de iraquianos, libaneses e palestinos depende da sua resistência de classe.
A percepção e o entendimento são de que a solidariedade com os povos árabes precisa ir além das declarações de apoio. Os massacres empreendidos pelo USA no Oriente Médio representam uma ameaça ao internacionalismo da própria resistência classista. A corrida capitalista para reduzir custos, minimizar riscos e aumentar as taxas de lucro de suas empreitadas prevê ofensivas contra os direitos dos trabalhadores de todo o mundo e contra a resistência dos povos árabes à opressão perpetrada por meio da máquina de guerra.
Contra o inimigo comum que ora assume a faceta de guerras de rapina, ora empenha-se como feitor dos trabalhadores do mundo, a luta é em nome da liberdade de todos os povos.
Diante das derrotas nesses enfrentamentos, Bush vem levando a cabo a “teoria do homem louco”, certa vez esboçada por Richard Nixon e há tempos aplicada com rigor: “Convém que nos vejam como um regime incontrolável, que responde pela força a qualquer obstáculo”.
Segundo essa doutrina, a resistência árabe não passa de “terrorismo” ou “fanatismo” a serem abatidos, assim como os resistentes colombianos não passam de traficantes de drogas os quais urge eliminar. As campanhas difamatórias variam de acordo com as calúnias mais convenientes, e dessa forma os próprios trabalhadores europeus mais empenhados na luta contra a precarização são comumente tratados como agentes do atraso — quando não como criminosos.
A Europa — a Europa do povo trabalhador — parece estar farta dessa máquina de produção de pavor. Parece farta também de assistir seus governantes compactuarem com o banho de sangue no Iraque, no Líbano e na Palestina — e no Afeganistão— e ainda com ameaças de incursões de pilhagem na Síria e no Irã. Estão cansados de argumentos mentirosos utilizados para justificar a “guerra contra o terror” e os massacres em nome do “Novo Oriente Médio”. Essa Europa vem se posicionando com frontalidade contra a Europa que funciona nos corredores e gabinetes do Parlamento Europeu e da Comissão Européia.
Contra o imperialismo
O dia 29 de novembro é o Dia Internacional de Solidariedade com o Povo da Palestina, instituído sob o signo do cinismo em 1977 pela Organização das Nações Unidas– ONU. Um dia que vem sendo instrumentalizado demagogicamente pela própria Organização das Nações Unidas desde que, em 29 de novembro de 1947, dividiu a Palestina pela força, criando o Estado de Israel e um imenso campo de refugiados onde foram despejadas as vítimas da limpeza étnica contra os próprios palestinos.
Não por acaso, os usurpados chamam esse dia de Naqbah — a catástrofe. O dia em que o Estado Palestino foi uma promessa natimorta da chamada “comunidade internacional”.
Mas, a despeito da hipocrisia da ONU e de sua colaboração mal disfarçada com o imperialismo, o Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino vem sendo convertido num dia de solidariedade autêntica. Em toda a Europa, o último 29 de novembro foi, para as vozes legítimas do povo europeu, um dia de marcar posições contra a catástrofe deliberadamente construída ao longo de décadas.
Aconteceu um dia de levante contra o bloqueio econômico imposto contra a Faixa de Gaza com a cumplicidade da ONU e de repúdio às chacinas diárias realizadas pelo exército israelense — entre outubro e novembro 172 palestinos foram assassinados. Os europeus se levantaram contra Israel, o USA, a União Européia e os castigos que esses cúmplices impõem a um povo que reclama o direito a uma pátria.
No mesmo sentido, as organizações que integram a Campanha Espanhola contra a Ocupação e pela Soberania do Iraque — CEOSI têm pressionado os cidadãos europeus para que exijam do Conselho de Segurança da ONU e da União Européia a suspensão de seus pareceres pró-Israel e pró-USA. Exigem também a adoção de medidas concretas de isolamento político e econômico de Israel até que seja respeitada a soberania do Líbano e os direitos nacionais do povo palestino.
A própria resistência iraquiana, por meio de um comunicado de 3 de agosto, saudou a importância das lutas desses povos irmãos para o sucesso dos seus próprios combates travados contra os agressores ianques.
No dia 26 de julho, mais de mil pessoas foram para frente da embaixada de Israel em Lisboa protestar contra o massacre dos povos palestino e libanês. No dia 12 de novembro um número semelhante de pessoas participou de uma marcha na cidade espanhola de Torrejón para denunciar a política imperialista apoiada pelo governo espanhol. Em outubro, milhares de espanhóis já haviam se reunido no centro de Madrid pelo mesmo motivo. Aliás, o apoio dos trabalhadores europeus à resistência dos povos árabes é particularmente significativo na Espanha, fazendose notar principalmente em cidades como Vigo, Málaga e Barcelona. Existe profundo descontentamento com o envio de mais de mil militares espanhóis para a “pacificação” do Líbano, sob a bandeira formal da ONU, mas na prática a serviço da Aliança do Tratado do Atlântico Norte – OTAN, através da qual foi institucionalizada a subserviência européia aos interesses imperialistas. Os soldados espanhóis foram enviados ao Líbano não para impedir as afrontas bélicas de Israel ao Estado libanês, mas para tentar minar a resistência legítima às invasões.
Os trabalhadores espanhóis repudiaram ainda a atitude demagógica do primeiro-ministro José Luis Zapatero, que no auge dos ataques ao Líbano ofereceu 100 leitos nos hospitais espanhóis para atendimento de libaneses e outros 100 para o atendimento de soldados israelenses, sendo que a proporção exata dos feridos era de cem para um! Além de tudo isso, aqueles que saem às ruas em defesa da legitimidade da resistência dos povos do Oriente Médio não ignoram o quanto os interesses da transnacional de energia Repsol na região têm sido determinantes para o alinhamento do Estado espanhol às mentiras que tentam justificar as invasões.
O apoio organizado às lutas populares do Oriente Médio manifesta-se legítimo, sobretudo, quando a natureza da solidariedade vai além da mera caridade, ou seja, além da falácia “humanitária” que via de regra se cala no que toca às ingerências e agressões ianques. Na Europa existem entidades organizadas que atuam através da denúncia e do trabalho político antiimperialista, como a Associação de Solidariedade Franco-Palestina e o Tribunal Mundial Sobre o Iraque.
No entanto, o momento mais significativo do apoio dos trabalhadores de todo o mundo aos povos do Oriente Médio foi solenemente boicotado pelo monopólio mundial dos meios de comunicação. Entre os dias 16 e 21 de novembro aconteceu, no Líbano, o Encontro Internacional de Solidariedade com a Resistência, do qual participaram 400 pessoas de 130 organizações de todos os continentes, entre partidos comunistas, sindicatos e organizações representativas dos trabalhadores de todo o mundo. Além de reafirmarem o compromisso de denunciar a hipocrisia dos seus governos em matéria de política externa para o Oriente Médio, os europeus participaram de painéis sobre as estratégias dos movimentos de solidariedade com a resistência e estabeleceram pontos de vista comuns na luta contra o imperialismo.
O encontro foi organizado pelas principais forças políticas que organizaram o povo libanês na luta contra a invasão israelense — como o Hezbollah, aclamado como o “partido da resistência” — e seus participantes puderam ouvir dos libaneses como a população enfrentou corajosamente as agressões imperialistas e sionistas. Viram de perto as consequências da brutalidade, pediram medidas jurídicas no sentido da condenação de Israel por crimes de guerra e contra a humanidade, e estabeleceram convergências para as lutas dos povos trabalhadores de todos os países.
Hora de desmascarar
Há trinta anos o moçambicano Yiossuf Adamgy traduz para o português tudo o que considera interessante para a comunidade árabe em Portugal. É também o diretor da Feira do Livro Islâmico, que este ano levou muitas pessoas à Mesquita de Lisboa em sua 12ª edição. Foram 200 títulos nos estandes, metade deles traduzida pelo próprio Yiossuf, e vendidos a preço de custo — outros vêm de Moçambique e do Brasil.
Os livros saem sob o selo da Al Furqan, editora criada por ele próprio e que empresta o nome à única revista islâmica produzida em Portugal, fundada em 1981 também por Yiossuf. Seu trabalho é responsável pelo mais significativo esforço político para apresentar aos portugueses uma outra visão sobre o islão e sobre a real natureza do sofrimento dos povos árabes, frequentemente caluniados pelos meios de comunicação portugueses. Para tanto, trata logo de reafirmar que as lutas contra o imperialismo são legítimas, lembrando que o Islão, ainda que não seja violento, é altamente combativo:
— Os acontecimentos atuais no Líbano, no Iraque e na Palestina estão relacionados com a injustiça em nível internacional promovida pelo USA. Assistimos hoje a uma opressão estrangeira a esses países. Nesses casos são, obviamente, lutas em defesa da terra e, por vezes, em defesa da fé.
Yiossuf percebe maior conscientização dos portugueses quando se trata do que o monopólio dos meios de comunicação apresenta simplesmente como “conflitos” no Oriente Médio:
— Cinco anos após o 11 de Setembro, a maioria das pessoas bem informadas chegou à conclusão de que estas guerras foram manipuladas pela administração Bush, e que o poder econômico impõe-se através delas. Quanto à causa palestina, regra geral, todos são a favor.
Mas quando se trata de real solidariedade entre as organizações dos trabalhadores portugueses com as resistências dos trabalhadores no Oriente Médio, Yiossuf lamenta:
— Na maioria dos países europeus existe esse tipo de interlocução. Em Portugal creio que é fraca.
Apesar de comparecerem ao Encontro Internacional de Solidariedade com a Resistência, no Líbano, de fato os trabalhadores portugueses ainda carecem de maiores articulações para apoios mútuos contra as várias faces do imperialismo — talvez pela urgência das imensas lutas que o povo português vem travando contra as gerências político-partidárias locais. Portugal ainda está por assumir um desafio que a maioria dos países europeus parece estar enfrentando com sucesso: a convergência das lutas internacionais contra um inimigo comum.
Em poucas palavras, um desafio internacionalista contra pretensões imperialistas geoestratégicas; descobrir o que há de comum entre as lutas contra a opressão comandada pelos senhores da guerra do período imperialista posta em prática pelo patronato e pelos governos nacionais ditos democráticos. Um desafio que a imprensa fascista mundial tenta a todo custo desqualificar, via de regra, através da criminalização dos movimentos populares autênticos, principalmente aqueles que fazem parte das resistências árabes.
Os ”fanáticos”
Em meados de setembro, a ONU publicou um relatório sobre o número de mortos civis e a generalização da tortura no Iraque desde a invasão do país pelo USA, em 2003. No dia 23 daquele mês, o jornal Le Monde, da França, comentou o relatório em editorial, sob o título A guerrilha iraquiana transforma reféns em kamikazes . O texto, cujo subtítulo foi Iraque: violências comunitárias, torturas e raptos , associava a resistência do povo iraquiano ao banditismo e aos esquadrões da morte — esquadrões que, na verdade, são colaboradores do imperialismo ianque.
Para o Le Monde , portanto, o drama iraquiano — raptos, torturas, mortes, destruição e pilhagem — nada tem a ver com os invasores estrangeiros que tomaram o país de assalto, mas com a disposição do povo para resistir às humilhações e defender sua dignidade. Tido como um jornal de “centro-esquerda”, o Monde não é exceção.
Quando se trata dos fatos que torna inegável a realidade da resistência dos povos do Oriente Médio — e as profundas dificuldades para a ação imperialista na região — o discurso onipresente nos meios de comunicação europeus é aquele recheado de palavras pejorativas para caracterizar lutas legítimas. Em reportagens sobre episódios violentos no Iraque, mas também naquelas sobre o Líbano e a Palestina, abundam as referências a “terroristas” e “fanáticos” que estariam empenhados em fazer água aos esforços democráticos daqueles que são apresentados sob o eufemismo “forças de intervenção”.
O monopólio da imprensa na Europa — começando pelas agências noticiosas que o abastecem — é dedicado em fazer repercutir as manobras militares dos invasores e a agenda diária dos responsáveis pela invasão. Ao mesmo tempo, essa mesma imprensa fascista ignora por completo a revolta generalizada que toma conta do mundo árabe desde o início da intensificação das ações imperialistas em seus territórios. Ela se esmera em fazer ecoar as explicações falsas apresentadas pelos agressores para explicar a crise que enfrentam e desqualificar aqueles que insistem em não lhes baixar as cabeças.
Mas o combativo povo árabe não se deixa vencer nem pelas bombas em seus tetos, nem pelas humilhações publicadas nas primeiras páginas. Nos primeiros dias de dezembro, centenas de milhares de libaneses cercaram a sede do governo para exigir a demissão do primeiro-ministro Fuad Siniora que, encurralado diante da força popular, telefonou aos comparsas da Liga Árabe e do USA. À frente estava não uma organização terrorista, mas o Hezbollah, “partido da resistência”, liderando o povo libanês na árdua tarefa de não arrefecer.